Incólume ao joguete
ideológico e à politicagem, a relação comercial entre Brasil e China segue alta
e ajuda o País a evitar uma crise econômica ainda mais aguda.
Quem acompanha a relação
comercial brasileira com a China nos últimos anos, deve estranhar a postura do
governo federal de se colocar como peão dos Estados Unidos na disputa global do
5G ou mesmo a resistência do presidente Jair Bolsonaro a uma vacina chinesa
contra a Covid. Principal parceira do Brasil no mundo, a China cresceu 4,9% no
terceiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado,
superando a alta de 3,2% registrado no segundo trimestre, segundo dados do
Escritório Nacional de Estatísticas (NBS), uma espécie de IBGE em Pequim. Prova
de que é possível reagir economicamente mesmo diante das incertezas de uma
pandemia, o país deve crescer 8% neste ano, segundo o Fundo Monetário
Internacional (FMI). E o resultado disso é que, sob o ponto de vista de poder
de compra, a China virou o maior mercado consumidor do mundo.
Ainda que quando avaliado o
Produto Interno Bruto (PIB) a China esteja atrás dos Estados Unidos, com uma
produção de riquezas estimada em US$ 15,2 trilhões, os chineses têm hoje o
equivalente a US$ 24,7 trilhões de poder de compra, superando em 20% os US$ 20,8
trilhões dos norte-americanos, e essa cifra ainda pode aumentar nos próximos
meses. Segundo o FMI, em seu relatório World Economic Outlook, a economia dos
EUA deve encolher 4,3%, enquanto a zona do euro pode contrair 8,3%, o que põe
os chineses no protagonismo da retomada da demanda externa e expectativa de
reaquecimento da economia global, que deve cair 4,4% neste ano.
E é por isso que o Brasil
teria que deixar de lado os joguetes ideológicos e se aproximar de um parceiro
que, mais do que estratégico, se tornou fundamental para aliviar a queda do PIB
brasileiro. Até setembro deste ano, o fluxo do comércio bilateral entre Brasil
e China alcançou a cifra de US$ 78 bilhões, sendo que US$ 53,59 correspondem às
exportações do Brasil, ou 34% do total de nossas exportações. “A China é,
definitivamente, um parceiro importante para o Brasil. A nossa crise econômica
seria ainda maior se não tivéssemos um superávit tão acentuado no comércio com
eles”, disse Evandro Menezes de Carvalho, consultor jurídico do China Desk do
escritório de advocacia Veirano Advogados. “O Brasil deveria se manter
equidistante desta guerra comercial e procurar harmonizar os interesses em
jogo. E a melhor forma de harmonizar é ter regras de mercado claras.”
Enquanto os chineses, ainda
que alvos de alfinetadas do próprio presidente Bolsonaro, aceleram o consumo e
aumentam a relevância na nossa bandeira comercial, os Estados Unidos provocaram
um tombo de 25% na compra de produtos brasileiros entre janeiro e setembro,
somando US$ 33,4 bilhões, pior resultado dos últimos 11 anos. A liderança do
segmento da indústria de transformação na pauta brasileira de exportação aos
americanos, com participação importante de petróleo e derivados, contribuiu para uma queda de 31,7% dos
embarques aos americanos até setembro e para um déficit de US$ 3,1 bilhões. Os
dados sinalizam para um déficit no comércio bilateral em 2020 que deve ser o
maior dos últimos cinco ou seis anos, segundo dados do Monitor do Comércio
Brasil-EUA, da Câmara Americana de Comércio (Amcham Brasil). Pelas contas da
Amcham, haverá déficit entre US$ 2,4 bilhões e US$ 2,8 bilhões para este ano no
comércio Brasil-EUA. Mesmo assim, o mercado americano se mantém como o
vice-colocado entre os parceiros comerciais do Brasil, com 9,7% das exportações
e 12,3% da corrente de comércio.
NO CAMPO
O oposto do que ocorre com
os chineses. Importante agente exportador brasileiro, os empresários do
agronegócio estão pisando no acelerador, independentemente do que diga o
presidente e sua cúpula sobre negociar com um país comunista. Com mais de 1,5
bilhão de pessoas, a China precisa importar alimentos para humanos e animais, e
com a desvalorização do real o negócio se torna ainda mais atraente. Um estudo
recém-concluído pelo Departamento do Agronegócio (Deagro) da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) aponta, no entanto, para uma
preocupação em torno da dependência do Brasil. Baseado na evolução dos
embarques do setor para China, União Europeia e Estados Unidos entre 2009 e
2019, o Brasil se coloca dependente de cadeias produtivas como a da soja.
“Preocupa ver uma concentração cada vez maior nas exportações para a China, e
em poucos produtos”, disse Roberto Betancourt, diretor do Deagro.
Segundo o estudo, os
embarques do agronegócio brasileiro para a China renderam US$ 8,9 bilhões em
2009 (15% do total setorial). Dez anos depois as vendas somaram US$ 31 bilhões,
com a participação chinesa indo a 32%. No intervalo de 12 meses entre agosto do
ano passado e julho último, foram 33% de US$ 71,3 bilhões. Quem tem dúvidas
sobre a importância da China para a sobrevivência da economia brasileira, basta
olhar para os números. A bandeira brasileira pode não ter vermelho, mas as
relações comerciais têm.
Por Jaqueline Mendes, na Revista Isto É Dinheiro
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