Judiciário - Natureza peculiar das chamadas contribuições desperta divergências entre os especialistas
A natureza peculiar das chamadas contribuições ao
Sistema S desperta divergências. Por se tratar de dinheiro púbico, administrado
por entidades privadas, a forma de fiscalização dessas verbas e as
possíveis sanções por desvios de finalidade são pontos em aberto nas discussões
entre especialistas.
Essas
contribuições estão previstas na Constituição Federal — artigos 149 e 240 — e
regulamentadas por leis e decretos. São compulsórias, as empresas são obrigadas
a recolhê-las mensalmente em percentuais que variam conforme o setor,
incidentes sobre a folha de pagamentos dos empregados. Quem arrecada é a
Receita Federal, também responsável por repassar os respectivos valores para
nove entidades, que compõem o Sistema S.
A
peculiaridade desse sistema, segundo a professora de direito tributário da FGV
Direito/SP, Tathiane Piscitelli, está no fato de se tratar de contribuição
arrecadada pela União, mas repassada para administração privada para o fomento
de atividades de interesse público — educacional e social. “O Tribunal de
Contas da União fiscaliza porque se trata de dinheiro público, mas que não
está previsto no orçamento da União”, diz.
De
acordo com a professora, o Supremo Tribunal Federal (STF) considera que quando
esse montante é destinado às entidades que o administra, esse dinheiro perde o
caráter de recurso público. Fato que aumenta ainda mais as discussões em
torno do controle desses recursos e a natureza do crime praticado, quando há
desvio de finalidade. “Há dúvidas se poderia ser caracterizado crime contra a
ordem tributária ou crime praticado por funcionário público”, exemplifica.
Por
isso, defende ser necessária uma discussão mais rígida sobre a transparência
desses valores, com a criação de sanções e mecanismos mais rígidos de fiscalização.
A
professora de direito tributário da PUC-SP e advogada do Madrona Advogados,
Fabiana Del Padre Tomé, entende que, por ser um tributo, essas contribuições
devem estar cercadas de transparência e controle por parte do TCU .
Portanto, o emprego desses recursos devem ser justificados pelas
entidades que os administram. “Assim como todas as contribuições parafiscais
deveriam ter transparência e fiscalização em sua aplicação, já que
são administradas por terceiros”, acrescenta.
Arthur
Ridolfo, economista e professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas
(FGV-SP), afirma que a operação da Polícia Federal para investigar
suposto desvio de recursos do sistema S ocorrida nesta semana “deixa
mais evidente o que já se conhece, a falta de governança do Sistema
S”. “A concepção do sistema é muito boa, legítima, ele não pode acabar. O
problema é a caixa preta na gestão dos recursos. A prestação de contas deixa
muito a desejar”, afirma Ridolfo.
Para
ele, já se passou do momento da criação de uma espécie de conselho externo, com
participação de várias áreas da atividade pública com a finalidade de fiscalizar
o emprego das verbas públicas. “O Brasil tem instituições respeitadas
de administração, ciências contábeis e direito. Passa da hora da academia, com
participação de uma ou mais instâncias de poder, desenhar um projeto de governança para
o Sistema S no Brasil.”
Embora
o economista aponte a importância do Sistema S para a educação e capacitação
profissional do país, seu peso na educação do país caiu.
Segundo
o IBGE, o número de pessoas com 14 anos ou mais que frequentam cursos de
qualificação profissional organizados por suas entidades vem caindo. Em 2019, o
percentual chegou a 22,6%. Era de cerca de 27% no ano anterior. Segundo a
Receita Federal, o Sistema S arrecadou R$ 17,7 bilhões em 2019 de forma
compulsória da folha de pagamentos das empresas. O montante foi repassado a
nove entidades que compõem o sistema.
No caso
da indústria, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) recebeu R$
1,46 bilhão e o Serviço Social da Indústria outros R$ 2,09 bilhões, ambos
valores administrados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). No
restante do sistema, o maior repasse foi para o Serviço Social do
Comércio (Sesc), que teve receitas totais de R$ 5,33 bilhões, seguido do
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com R$ 3,43
bilhões, e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que ficou com
R$ 2,97 bilhões no ano passado.
Os
advogados da área tributária e previdenciária Gustavo Mitne e Leandro Lamussi,
sócios do escritório Balera, Berbel e Mitne Advogados, lembram que está para
ser julgado no STF, na próxima semana, uma ação que discute a
constitucionalidade dessas contribuições. Se consideradas inconstitucionais, o
Sistema S deixaria de existir.
Por Zínia
Baeta e Gabriel Vasconcelos, no Valor Econômico
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