Pleito tem postulante que não pode sair à noite,
prefeito que tenta um novo mandato enquanto corre o risco de perder o atual e
mais
O primeiro debate envolvendo a disputa pela prefeitura de João Pessoa reuniu
dez candidatos no último dia 17, na TV Arapuan. O horário das 21 horas, no
entanto, inviabilizou a presença do representante do PSB, o ex-governador
Ricardo Coutinho. Alvo da Operação Calvário, que apura o desvio de 134 milhões
na saúde e na educação da Paraíba, Coutinho está impedido pela Justiça de sair
de casa após as 20 horas, uma das medidas cautelares alternativas à prisão
imposta a ele. Coutinho chegou a ser preso em dezembro de 2019 e, até o início
de agosto, usava uma tornozeleira eletrônica. Apesar da situação, é um candidato
considerado competitivo para o pleito de novembro e alianças importantes foram
construídas ao redor de seu nome. Embora busque repaginar a sua imagem
fortemente associada à corrupção, o PT rifou a candidatura pela sigla do
deputado estadual Anísio Maia e indicou o vice de Coutinho, velho aliado de
Lula.
A rocambolesca história é só uma entre tantas outras
envolvendo gente enrolada com a Justiça, mas que almeja o voto do eleitor.
Outro caso exemplar ocorre no Rio de Janeiro, que já acumula um histórico
conturbado recente na política. Vinte anos depois de ter candidato à prefeitura
carioca pela última vez, o PTB achou que seria o caso de indicar a ex-deputada
Cristiane Brasil, filha do cacique da legenda, Roberto Jefferson. Logo depois
de ter sido escolhida, ela foi presa por suspeita de corrupção em contratos
de assistência social no governo e na prefeitura. Após ter ao menos
dois recursos negados, segue na cadeia, o que obrigou uma mudança em caráter de
emergência: o postulante a vice, Fernando Bicudo, trocou de posição na chapa
com Cristiane. Bicudo é velho conhecido de Jefferson. Em 2016, o cacique do PTB
queria que o amigão fosse candidato a vereador para “puxar votos”, mas uma
condenação pelo Tribunal de Contas da União enquadrou Bicudo na Lei
da Ficha Limpa e ele não pôde concorrer. Aliados de Cristiane dizem que a troca
recente foi motivada muito mais por questões práticas, como a dificuldade de
despachar com uma candidata na cadeia e a possibilidade de ficar fora dos
debates na TV, do que pelo desgaste de imagem. “Ela é uma injustiçada que está
presa e é vice. Quem vai ser o prefeito sou eu”, diz Bicudo. No entanto, ela
pode reassumir a cabeça da chapa até vinte dias antes do pleito, caso Bicudo
renuncie.
Cristiane não é a única enrolada na disputa do Rio. Neste mês, o prefeito
Marcelo Crivella (Republicanos) foi alvo de operação que apura um “QG da
propina” em sua gestão. Depois, o TRE-RJ o condenou por unanimidade por abuso
de poder e o tornou inelegível até 2026. Mesmo assim, recursos podem dar a ele
o mesmo benefício obtido pelo seu rival Eduardo Paes (DEM), declarado
inelegível pelo TRE em 2017 e candidato ao governo em 2018 com base em uma
liminar. Paes também foi alvo de busca e apreensão neste mês (embora nenhuma
acusação contra ele tenha sido comprovada).
Situações assim representam uma grande decepção para quem esperava que a
recente onda de protestos contra a corrupção, o endurecimento da legislação e o
cerco imposto pela Operação Lava-Jato depurassem os processos eleitorais,
trazendo uma melhoria da qualidade dos postulantes a cargos públicos. Como se
vê, ainda estamos longe disso. Há ainda quem enfrente o risco inusitado de
impeachment no atual mandato enquanto faz campanha para obter um novo. É o caso
do prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB), que tem pela frente
um sexto pedido de cassação, acusado de uso indevido de recursos da saúde em
publicidade. Com poucos votos na Câmara, o tucano afirma que as ações
anteriores foram rejeitadas por “vergonha” dos vereadores e atribui os
processos a articulações que envolveriam o vice Gustavo Paim (PP), rompido com
ele e também candidato. “O plano era para me tirar do pleito em trinta dias”,
acusa.
O jogo sujo da política parecia estar com os dias contados com a criação da Lei
da Ficha Limpa, em 2010. Mas uma decisão de setembro do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) criou uma brecha que beneficia os “fichas-sujas”. Quem havia
sido enquadrado até outubro de 2012 na Lei da Ficha Limpa não poderia concorrer
às eleições de outubro de 2020 por uma questão matemática: a regra prevê oito
anos de inelegibilidade. Com o adiamento do pleito para novembro em razão da
pandemia, abriu-se a oportunidade: o TSE entendeu que as punições já terão
expirado na data da votação deste ano e permitiu a disputa por candidatos que,
no calendário normal, só poderiam participar de eleições em 2022. Assim,
abriu-se de vez a porteira para a passagem da “chapa dos enrolados”.
Por João
Pedroso de Campos, na Revista Veja
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