Presidentes do Senado e da Câmara querem ser reeleitos
pelo atalho
O
noticiário relata que os presidentes do Senado e da Câmara buscam um atalho
para se candidatarem à reeleição, mesmo no meio da legislatura. A Constituição
proíbe expressamente isso, mas argumenta-se que o tema é interno às Casas
Legislativas. Assunto interna corporis, a ser resolvido entre os candidatos e
seus eleitores (que são os deputados e senadores).
Se o Brasil não tivesse sido transformado, e sempre sob as anunciadas melhores
intenções, num paraíso da insegurança e do criacionismo jurídicos, a tese
continuísta seria rechaçada sem piedade. Mas aqui a pessoa acorda de manhã sem
saber que trecho da Constituição está vigorando, ou se algo foi introduzido
durante a noite na Carta “porque é justo”.
Nessas horas é prudente recorrer à sabedoria do Conselheiro Acácio, o
personagem de Eça de Queiroz que nos advertiu sobre as consequências virem
sempre depois. Se os presidentes das duas Casas do Congresso podem pleitear um
novo mandato contra a letra expressa da Carta, argumentando ser “assunto
interno” do Legislativo, por que não usar o mesmo critério para o presidente da
República e os eleitores dele?
Se alguém pode ter direito a uma reeleição que a Constituição proíbe, bastando
para isso que assim o queiram os eleitores envolvidos, por que negar ao
ocupante do Palácio do Planalto a possibilidade de se submeter ao julgamento do
eleitorado para tentar obter um terceiro mandato? Ou um quarto? Ou um quinto? E
por que não a possibilidade da reeleição ilimitada? Afinal, se o povo não
estiver de acordo, que derrote o presidente-candidato.
Seria só a extensão para o conjunto dos eleitores de um direito antes reservado
aos membros do colégio eleitoral que escolhe os presidentes do Senado
Federal e da Câmara dos Deputados. Se suas excelências do Congresso
Nacional podem outorgar-se essa possibilidade, por que negar ao povo?
Foi aliás o argumento de Evo Morales para driblar a consulta popular que o
derrotara e tentar buscar um novo mandato de presidente na Bolívia. O resultado
é conhecido. Como se diz, esperteza quando é muita vira bicho e come o dono.
O Brasil não chega a ser exemplo de apego à regra da lei. O estado de direito
por aqui costuma ser, digamos, flexível. Coisa exacerbada nesta era de
bonapartismos, quando o pessoal que pede respeito às regras é visto como uma
gente chata que abusa do mimimi.
No rumo atual, vamos deslizando perigosamente para o predomínio de uma única
lei: a do mais forte. Sabe-se hoje que as portas do inferno foram abertas lá
atrás com a aprovação da reeleição no Executivo. O que veio depois foi só
consequência. Não tem mesmo jeito, sempre acabamos voltando à sabedoria do
Conselheiro.
Poderia ser o contrário. Poderíamos aproveitar o momento para dar um basta à
reeleição ou pelo menos estabelecer regras mais justas. Por que um governador
ou prefeito precisam renunciar ao mandato para poder concorrer contra um
presidente que pode lutar pela reeleição confortavelmente sentado na cadeira e
com a caneta na mão?
Por Alon
Feuerwerker, na Revista Veja
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