O primeiro sinal veio em forma de flexibilização da
regra do teto, em uma área específica, já no corrente ano.
O Congresso Nacional aprovou um projeto de lei,
proposto pela Presidência da República, com o aval do TCU,
autorizando que o Ministério Público tenha um orçamento maior do que
o do seu teto de gastos. Explicações e alegações surgiram para todos os lados,
mas o fato cristalino é o de uma gambiarra a favor de categorias em operação no
centro do poder.
De uma forma ou de outra, a ameaça fiscal saiu assim
do campo meramente especulativo para o da realidade prática. Decerto,
investidores globais e o mercado em geral não veem com bons olhos esse caminho,
que pode abrir uma avenida para abusos orçamentários de toda a ordem.
A percepção de aumento do risco fiscal no Brasil se
acentuou, como ficou evidente no comportamento recente do mercado de juros.
Somente nos últimos dias, tanto os juros futuros quanto o dólar dispararam
devido ao receio de o governo furar o teto, especialmente para financiar
programas sociais. Observadores dizem que a ameaça nunca foi tão alta nesse
sentido.
Com o Estado endividado e o atraso na agenda de
reformas, o Executivo, sem recursos, sai atrás de meios para bancar projetos
eleitorais e pode colocar tudo a perder. O investidor, por sua vez, cobra mais
para financiá-lo pelo Tesouro Nacional, forçando a elevação das taxas. O
capital, como se sabe, tem aversão a risco e não aceita desaforo.
A mera desconfiança de incerteza no ar afugenta
investidores e o processo já vem ocorrendo. Nos últimos tempos, a participação
de recursos internacionais diretos caiu 30%. O movimento foi intensificado por
causa da covid-19. Mas a percepção de flexibilidade fiscal pesou mais, impondo
sérias dificuldades ao Tesouro. Um movimento que teve início desde a perda do
“selo de bom pagador” pelo Brasil.
A armadilha em curso pode levar a uma estratégia do
Tesouro de aumentar a emissão de títulos prefixados com prazos menores e aí
reside o perigo, já que, se o governo não conseguir equilibrar as contas, o
problema fiscal brasileiro se materializa pela via do risco de calote.
O fato é que em Brasília, no momento, vem prevalecendo
a aritmética da demagogia, com um orçamento no qual cabe tudo. Muito embora, na
prática, isso não seja exequível. O ideal seria o governo perceber o óbvio: de
que não há dinheiro para produzir um programa de transferência de renda que ao
mesmo tempo compense o fim do auxílio emergencial e substitua o Bolsa Família
nos moldes que ele opera hoje.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do
Senado de controle paralelo das contas públicas, reitera que o buraco no teto
em 2021 é iminente e estima a necessidade de corte de R$ 20,4 bilhões em
despesas oficiais para que a regra seja cumprida. Em outras palavras, pelos
seus cálculos, o número já estourou em relação ao projetado inicialmente.
Por
Carlos José Marques, na Revista Isto É Dinheiro
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