Transição
para uma matriz energética 100% limpa não pode prescindir de segurança e de
tarifas adequadas
A
Califórnia é referência em geração limpa e renovável de eletricidade. Em razão
disso, os recentes apagões ocorridos no Estado vêm ganhando repercussão no
noticiário internacional. O que está acontecendo na Califórnia acende uma
discussão que deveria ser feita, sem paixões e intransigências, sobre um
equilíbrio entre a geração térmica e as renováveis.
A
Califórnia vem enfrentando, em pleno período de eleições presidenciais,
problemas graves com a falta de energia e os aumentos no preço da eletricidade,
que já é um dos mais elevados do mundo. No episódio recente, o Estado comunicou
aos californianos o planejamento de apagões escalonados, com a finalidade de
administrar a oferta e a demanda. O desequilíbrio entre a geração e o consumo
de eletricidade surgiu da combinação de uso pesado de aparelhos de
ar-condicionado, da indisponibilidade não planejada de algumas usinas de
energia, da limitação da importação de energia de Estados vizinhos e da
insuficiente geração solar e eólica.
Uma
forte onda de calor que assolou o Estado acabou por questionar o planejamento
do setor elétrico na opção pela alta dependência das fontes renováveis.
Os
defensores das renováveis no Estado enfatizam que a energia solar e a eólica se
complementam: quando o sol deixa de brilhar, o vento sopra, e vice-versa. E,
ainda que um recurso renovável esteja menos disponível, as linhas de
transmissão podem transmitir eletricidade de outras regiões. No entanto, o
forte calor empurrou a demanda californiana de energia para níveis quase
recordes, a geração solar ficou indisponível à noite, os ventos desaceleraram e
a energia importada de outros Estados não foi suficiente. Ficou nítida a
necessidade de acionamento da geração térmica para compensar a falta da geração
renovável. O evento contou, ainda, com o desligamento inesperado de uma série
de usinas de gás natural, cerca de 9GW, além da já reduzida capacidade nuclear.
Olhando pelo retrovisor, o resultado parecia previsível.
O
Brasil também conta com uma considerável expansão das renováveis em sua matriz
elétrica. Esse movimento é notável no subsistema Nordeste, que conta
basicamente com quatro fontes de oferta de energia: a eólica, a hidrelétrica, a
termoelétrica e a importação dos outros subsistemas, em especial do Norte. A
entrada em operação das hidrelétricas da Região Norte auxilia a oferta no
Nordeste, porém são fluxos sazonais, pois são usinas a fio d'água, que geram
energia apenas no período úmido.
As
eólicas ganharam espaço no Nordeste e foram inseridas para dar suporte num
momento de forte crise hídrica enfrentada pela região. A geração eólica
nordestina representa cerca de 85% da geração nacional pela fonte. Com o
aumento da geração eólica e, futuramente, da energia solar, precisamos estar
atentos à intermitência dessas fontes. Diante disso, sugerimos um planejamento
que considere o suporte de térmicas a gás natural para assegurar o fornecimento
energético. É importante a presença de termoelétricas flexíveis e inflexíveis
funcionando como uma espécie de bateria virtual garantindo a expansão das
renováveis com resiliência e segurança de abastecimento.
O
gás natural - a mais limpa das fontes fósseis - cumpre o papel de backup com
custo baixo e maior eficiência. Em razão disso, uma lista significativa de
países tem adotado uma visão complementar entre a expansão termoelétrica a gás
natural (flexível e inflexível) e a renovável, com a lógica do bom senso que
chamamos de E, e não de OU.
Segundo
o governador da Califórnia, Gavin Newsom: "Vamos ser o mais claro
possível: nós falhamos em prever e planejar essas faltas - e isso é
simplesmente inaceitável". Dois ensinamentos. O primeiro é a dúvida sobre
quanto tempo ainda vamos viver a transição energética. O segundo é que uma
matriz elétrica 100% limpa ainda é um desafio caro, arriscado e com incertezas
sobre os caminhos que a tecnologia vai seguir. Portanto, na transição, não
devemos e não podemos abrir mão da segurança energética e de tarifas adequadas
ao nível de renda do consumidor. Este é o papel do gás natural e por isso é
considerado a energia da transição.
Por
Breno Pires, no Terra.com.br
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