Há 30 anos parada, usina depende de um aporte de mais
R$ 15 bilhões; auditoria conclui que é preciso a entrada de um sócio privado
A obra de infraestrutura mais cara do Brasil, atualmente, é um projeto que
acumula 30 anos de paralisações em seu currículo, arrasta uma dívida de R$ 9
bilhões em financiamentos com bancos públicos e depende de mais R$ 15 bilhões
para que possa, finalmente, ser concluída. A usina nuclear de Angra 3 concentra
hoje boa parte das atenções do Ministério de Minas e Energia, que decidiu levar
adiante o projeto. A questão é como fazer isso.
No mês passado, uma auditoria da PwC analisou as contas da Eletronuclear,
estatal do Grupo Eletrobrás que é dona da usina. A empresa alertou que a situação
crítica da obra tem drenado praticamente todos os recursos da Eletronuclear. A
situação chegou a tal ponto que, hoje, a estatal está impedida de conseguir
novos empréstimos porque não tem mais nada para apresentar como garantia.
"Todos os seus ativos já estão comprometidos nos créditos
existentes", afirmam os auditores. Dado o cenário atual, o relatório
indica "a existência de incerteza relevante que pode levantar dúvida
significativa sobre a continuidade operacional da companhia".
A retomada de Angra 3 depende, ainda, da entrada pesada de um sócio privado na
operação, além de definições políticas que envolvem o processo de privatização
da Eletrobrás. O plano de retomada da usina está em análise pelo Tribunal
de Contas da União. Mesmo sem essas respostas, a Eletrobrás já definiu que vai
injetar mais R$ 3,5 bilhões na obra, por entender, inclusive, que novo aporte é
preciso para atrair parceiros e destravar o empreendimento.
Ao Estadão, o presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães, disse que uma primeira
parcela, de R$ 1,052 bilhão, está prevista para ser liberada pela Eletrobrás
ainda neste ano. O dinheiro será usado para aquisição de mais equipamentos da
usina. A segunda parcela, de R$ 2,45 bilhões, está programada para 2021, quando
seriam retomadas as obras físicas e de montagem de Angra 3.
"Aguardamos que o recurso deste ano saia o mais rápido possível. Isso faz
parte do nosso programa de aceleração da linha crítica da obra, que tem
compromisso de concluir o projeto em 2026", diz Guimarães.
Os auditores da PwC chamam a atenção para o fato de que "um dos grandes
desafios a serem ainda superados tem sido a estruturação dos recursos
financeiros necessários à sua implementação". A situação atual da obra,
descreve a auditoria, "aponta altos valores a serem ainda investidos que
não têm origem ou financiamento definido ou assegurado".
Frustrações
A promessa de concluir o projeto em seis anos tenta dar fim a uma lista de
cronogramas frustrados. Há dez anos, as obras da usina foram retomadas na praia
de Itaorna, em Angra dos Reis (RJ). Era o marco zero na retomada das obras da
usina iniciada no governo militar, em 1984, mas paralisada dois anos depois.
O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, insuflado pelo "renascimento
nuclear", pro- metia inaugurar a usina em 2014. Depois, essa data passou
para 2016. Logo em seguida, foi postergada para 2018. O fato é que, cinco anos
após a retomada, Angra 3 já estava paralisada novamente, com os 58% de execução
de suas obras físicas contaminados por esquemas de corrupção que levaram o
então presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro, a ser condenado a 43
anos de prisão por lavagem de dinheiro, embaraço a investigações, evasão de
divisas e organização criminosa.
A decisão de prosseguir com a obra justifica-se, em boa medida, pelo alto custo
que teria a decisão de desistir de Angra 3. Guimarães confirma que para
abandonar o projeto a Eletronuclear teria de arcar com uma fatura da ordem de
R$ 12 bilhões, somando financiamentos já sacados e contratos firmados com
dezenas de fornecedores.
Para Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da
UFRJ, o que está em jogo não é só uma operação bilionária. "Concluir Angra
3 é uma decisão do governo, mas que passa por uma política de Estado."
Desperdício
"O abandono da obra é muito custoso, sabemos disso. Além disso, o custo da
indecisão, da obra parada, também é muito elevado."Leonam Guimarães PRESIDENTE DA ELETRONUCLEAR
Por André Borges, em O Estado de S.
Paulo
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