Ambientalistas apontam que responsabilização e mitigação da degradação são possíveis, mas faltam ações eficazes do poder público.
A seca que tem contribuído de forma decisiva para as
queimadas que tomam conta de Mato Grosso esse ano já havia sido prevista desde
2019. Enquanto o Governo Federal concentra políticas ambientais nas mãos das
Forças Armadas e o número de multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) cai significativamente, o
estado vê o fogo avançar de forma recorde sobre seus três biomas.
Ambientalistas apontam que falta planejamento e ações com maior grau de eficácia
tanto da esfera federal, quanto da estadual.
Em nota técnica divulgada nesta terça-feira (01.09), com base em dados
da plataforma Global Fire Emissions Database, da Nasa (National Aeronautics and
Space Administration) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o
Instituto Centro de Vida (ICV) alerta que o fogo já atingiu 1,7 milhão de
hectares do estado de Mato Grosso este ano. O documento aponta que metade da
área afetada por incêndios no período incidiu em imóveis rurais inscritos no
Cadastro Ambiental Rural (CAR), com 874 mil hectares contabilizados.
O dado mostra que os governos têm amplas condições de
identificar e punir os responsáveis pelos crimes ambientais. Todavia, o que
observa-se é o crescimento da impunidade. Um levantamento realizado pela
Agência Pública, em agosto deste ano, mostrou que, durante o governo de Jair
Bolsonaro (sem partido), o Ibama diminuiu a aplicações de multas decorrentes de
desmatamento e queimadas ilegais justamente nas cidades em que esses crimes
mais cresceram. Dois dos exemplos são os municípios de Sapezal (408 km de
Cuiabá) e Tangará da Serra (186 km de Cuiabá). Por lá, nenhuma multa dessa
natureza foi registrada no ano de 2019.
“É importante lembrar que as ferramentas que foram criadas ao longo do
tempo na política ambiental ajudam o governo na responsabilização. Um grande
exemplo é o próprio CAR. Os estudos do ICV mostram que nos últimos anos, mais
da metade do desmatamento em Mato Grosso aconteceu em propriedades cadastradas.
Isso significa que o governos Federal e Estadual têm todos os dados: nome, CPF,
email, telefone e endereço dos proprietários dessas áreas. A não ação sobre
isso que levam as instituições a cobrarem os governos”, afirma a Paula
Bernasconi, coordenadora do Programa de Incentivos Econômicos para Conservação
do ICV.
Enquanto isso, a operação de militares na Amazônia, Verde Brasil, teve
um orçamento milionário e pouco resultado. Diante dos R$ 60 milhões anunciados
pelo governo, de acordo com a Diretora da Ciência do Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, o esperado era que a operação
tivesse apresentando resultados mais promissores. De janeiro a agosto deste
anos, o bioma amazônico registrou mais de 44 mil focos de queimadas, com cerca
de 19% desse quantitativo em Mato Grosso.
“A operação iniciou em maio, então já era para termos resultados. Em
maio e junho nós tivemos aumento tanto das queimadas, quanto do desmatamento.
Além disso, é importante destacar que quando você observa os dados mais de
perto, mesmo que haja uma diminuição das queimadas no acumulado dos seis
primeiros meses deste ano, muitos estados ainda chegarão pico do fogo, o que
significa que os principais desmatadores ainda vão começar a agir”, afirma a
Alencar, que é doutora em Recursos Florestais e Conservação pela Universidade
da Flórida.
Para Vinicius Silgueiro, coordenador do Núcleo de
Inteligência Territorial do ICV, há falta de planejamento e equívocos no
enfrentamento da degradação, o que contribui para que se chegue a níveis tão
alarmantes quanto os enfrentados atualmente. “O cenário de redução de
chuvas já havia sido alertado desde o final do ano passado, nós já tínhamos
indícios de que a seca seria bem pior em 2020. O próprio Inpe emitiu uma
nota técnica apontando para essa situação. Havia possibilidades dos efeitos
serem mitigados. Se o Pantanal já ultrapassou esses 500 mil hectares atingidos
por incêndios, o que foi implementado não foi efetivo o suficiente”,
afirma.
A falta de preparo de parte das equipes acionadas também atrapalha a
eficácia de ações, explica Silgueiro. “Foram colocadas equipes do Exército, que
chegaram fazendo perímetro com armamento. Não são profissionais acostumados a
combater fogo, são especialistas em outras frentes, mas não nessa. Isso mostra
falta de articulação tanto do nível federal, quanto estadual, para que os
efeitos desse combate sejam efetivos. As áreas são muito grandes, o vento é
muito forte e são condições muito difíceis de se combater o fogo. Mas isso é
sabido, e se é sabido, é possível que haja planejamento”, conclui.
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