Ordem é para compra de um terço das férias de juizes federais e do trabalho
O CNJ (Conselho Nacional da Justiça) mandou tribunais
regionais comprarem um terço de férias de juízes federais e do trabalho. A
decisão é do ministro Dias Toffoli, presidente do órgão.
Magistrados têm 60 dias de descanso por ano e agora deverão ser compensados
caso queiram vender 20 dias e gozar 40. As férias de um trabalhador brasileiro
duram 30 dias, com direito à venda de 10.
Sobre as férias há ainda o pagamento de mais um terço do salário, conforme
determina a Constituição Federal. Em todos os ramos do Judiciário, o benefício
se estenderá a mais de 16 mil magistrados do Brasil.
Em meio ao grave aperto fiscal do país, uma das justificativas para o pagamento
é a existência de espaço no teto de gastos das Justiças Federal e do Trabalho.
A regra limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior.
Juízes titulares federais e do trabalho recebem por mês R$ 33 ,7 mil (R$ 32 mil no caso dos substitutos). Quando tiram férias, os titulares recebem quase R$ 45 mil brutos.
A decisão de Toffoli, que também preside o STF (Supremo Tribunal Federal), é de sexta feira (28). Obtida pela Folha, a ordem ainda não foi publicada.
O ministro atendeu pedido da Ajufe (Associação dos Juizes Federais) e da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho). As entidades já foram notificadas. Procurado, o CNJ não respondeu até as 17I1 deste domingo.
O Conselho da Justiça Federal (CJF) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) argumentam que não há previsão orçamentária para o pagamento do beneficio e que os valores não foram reservados para 2020.
O presidente da Ajufe, Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, confirmou à Folha a decisão de Toffoli.
"A iniciativa privada pode [vender férias], todas as carreiras jurídicas podem, inclusive o Ministério Público, e só o juiz da União sofre essa discriminação, não tinha esse direito. O que o CNJ fez foi só permitir isso", afirmou.
Segundo ele, a magistratura federal enfrenta entraves para ter direitos reconhecidos. "A gente, para ter direitos iguais aos trabalhadores comuns, que todos têm, tem muita dificuldade. É um pleito que a gente tem até na questão da remuneração mesmo", disse.
"Todos os trabalhadores da iniciativa privada têm o dissídio coletivo anual, e a magistratura federal tem direito à revisão dos subsídios e nos últimos 16 anos só ocorreu em 6 anos. A gente passa por uma situação muito difícil."
À Folha a presidente do CSJT, ministra Maria Cristina Peduzzi, criticou a decisão. Ela também preside o TST (Tribunal Superior do Trabalho). "A garantia de conversão de 20 dias de férias em dinheiro revela a desnecessidade de descanso por 60 dias. Ademais, há outras prioridades para alocação do dinheiro público", afirmou.
A reportagem não conseguiu contato com o CJF.
A reclamação da Ajufe chegou ao CNJ no fim do ano passado. A Anamatra pediu ingresso como terceira parte interessada.
Ajufe e Anamatra querem que seja cumprida uma resolução do CNJ, de agosto de 2019. Em dezembro daquele ano, Toffoli deu decisão favorável para a regulamentação dos pagamentos em 30 dias.
As entidades voltaram recentemente ao órgão de controle do Judiciário para se queixar do não cumprimento da ordem. Agora, o ministro determinou o pagamento. Ele afirmou se tratar de um direito dos magistrados.
Toffoli, na decisão, ainda lembrou que 15 Tribunais de Justiça nos estados já regulamentaram a matéria.
Em nota, a presidente da Anamatra, Noemia Porto, afirmou que a resolução do CNJ "definiu o tema do gozo das férias, observando a unidade da magistratura, o que não vinha sendo observado, especialmente considerando as diferenças entre a magistratura estadual e a federal".
"A Anamatra defendeu a efetiva unidade da magistratura e insistiu na importância de que a gestão orçamentária considere os predicamentos desta carreira de Estado", disse.
A norma do ano passado foi editada para uniformizar o direito de venda das férias. A Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) não prevê o benefício.
Desde 1993, membros do Ministério Público têm direi- to por lei ao pagamento referente à chamada conversão pecuniária. Esse argumento é usado também por Toffoli para conceder a decisão favorável às entidades.
Pela Constituição de 1988, há simetria entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público. A Loman é de 1979. Ainda de acordo com as entidades, sobra dinheiro. Uma decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) deste ano ampliou o teto de gastos do MPU (Ministério Público da União) e foi estendida ao Judiciário.
O MPU argumentou haver erro na edição de uma MP (medida provisória) de 2016 sobre créditos para pagamento do auxílio -moradia à época. O então presidente Michel Temer (MDB) liberou créditos extraordinários para o órgão.
Pelo teto de gastos, créditos extraordinários não entram na conta, mas o MPU disse se tratar de créditos suplementares. O TCU acatou a justificativa. Desde 2018, porém, após o Judiciário obter reajuste de 16,38%, não há mais auxílio-moradia para todos os integrantes do Ministério Público e do Judiciário. Na época, um ministro do Supremo passou a receber R$ 3 9,2 mil.
Após concedido o aumento, o ministro Luiz Fux revogou uma liminar (decisão provisória) de 2014 dada por ele mesmo que concedia o penduricalho a todos os magistrados e membros do Ministério Público. O auxílio era de R$ 4.377.
Em fevereiro de 2020, contudo, os cálculos foram refeitos. Toffoli pediu extensão ao Judiciário e, por ano, só a Justiça Federal ganhou mais de R$ 100 milhões para gastar. Em 2020, a Justiça do Trabalho recebeu R$ 209 milhões.
A pandemia da Covid-19 também foi apresentada para derrubar os argumentos do CJF e do CSJT. De acordo com as entidades, os tribunais gastaram menos em 2020 desde a implementação do home office.
A Justiça Federal, neste ano, teve despesas de 46,56% em relação ao limite de gastos. O TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo), o maior do país, foi usado como exemplo, por ter gasto 43% do limite até 30 de julho.
Para as entidades, o impacto financeiro é limitado. Segundo a Ajufe, estudo técnico mostrou que o custo anual seria de no máximo R$ 57,7 milhões. De acordo com a entidade, 65% dos juízes federais manifestam vontade de vender parte das férias - o custo cairia para R$37,9 milho es.
Já a Anamatra estimou em R$ 107 milhões os gastos, casos todos magistrados quisessem receber a compensação.
Por William
Castanho, Folha de S. Paulo
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