Está em pauta no Supremo Tribunal Federal o desinvestimento
da Petrobras em seu parque de refino. O que se discute é se o modelo
de venda das refinarias adotado pela Petrobras dependeria de prévia
autorização do Congresso Nacional.
Em junho de 2019, o plenário da Corte decidiu que as privatizações das
chamadas 'empresas-mãe', ou seja, as estatais controladoras e holdings como
a Petrobras, só poderia ocorrer após a aprovação de lei específica pelo
Parlamento, mas que isso não seria aplicável na alienação do controle de
subsidiárias. Com base em tal decisão, a Petrobras iniciou o processo
de venda de algumas de suas refinarias, adotando um modelo societário comum
neste tipo de transação, ou seja, a separação do ativo a ser vendido em uma
subsidiária especialmente constituída, cujas ações, ao cabo do processo
seletivo, são transferidas ao vencedor do certame. A venda de algumas
refinarias já está em avançado estágio de negociação com terceiros
interessados.
No entanto, em junho do corrente ano, o presidente do Senado
Federal endereçou reclamação ao Supremo questionando o modelo adotado
pela Petrobras para o desinvestimento, alegando que a separação dos
ativos em empresas subsidiárias, que denominou de 'empresas-ponte', com a
subsequente alienação do controle das mesmas, implicaria no esvaziamento do
objeto da 'empresa-mãe' e na extinção parcial da holding, o que exigiria a
prévia autorização legislativa.
A Petrobras vem sustentando que o modelo de venda adotado é
compatível e não viola o entendimento da Corte, sendo perfeitamente adequado
aos fins a que se destina. Alega, ainda, que o programa de desinvestimento que
promove, inclusive o de venda de algumas de suas refinarias, se dá em
decorrência de um acordo celebrado com o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica - CADE, tendo em vista os imperativos de abertura do mercado e que o
processo seletivo adotado foi devidamente referendado pelo Tribunal de
Contas da União - TCU. Até o momento, três dos onze ministros do STF
votaram a favor da necessidade de prévia autorização legislativa.
A posição defendida pela Petrobras nos parece a mais acertada, pois
não se trata de privatização ou extinção parcial da estatal e sim de venda de
ativos, procedimento normal e corriqueiro na vida das empresas, inclusive nas
sociedades de economia mista que desenvolvem atividades econômicas e que
competem no mercado em igualdade de condições com empresas privadas.O modelo
societário escolhido deve ser entendido, apenas, como um instrumento legal
capaz de dar maior transparência ao processo de venda dos ativos e segurança
jurídica ao investidor.
Espera-se, assim, que a decisão parcial do STF seja revertida em plenário, mas,
independentemente da discussão e do desfecho do julgamento, a possibilidade de
a Petrobras desinvestir ou deixar de exercer, total ou parcialmente,
a atividade de refino de petróleo no país merece atenção e alguns cuidados. Com
o desinvestimento, a regulação deverá contemplar obrigações especificas de
atualização e expansão das unidades negociadas, bem como assegurar a
continuidade do abastecimento do mercado na zona de influência das refinarias
vendidas. Além disso, a ANP, juntamente com os órgãos de defesa da
concorrência,deverá estabelecer normas para que a transição do monopólio
estatal do refino para um regime de competição se dê de forma adequada,
evitando a constituição de novas posições dominantes no setor.
Algumas alternativas seriam viáveis para o desinvestimento pretendido
pela Petrobras; (i) a venda direta do ativo (as próprias refinarias); (ii)
a alienação do controle acionário da empresa subsidiária
da Petrobras que as detenha, ou; (iii) venda da participação
minoritária nas mesmas. A alternativa escolhida pela Petrobras foi a
referida no item (ii) acima, por ser mais eficiente e transparente no que diz
respeito aos direitos e obrigações envolvidos.
Assim, o modelo adotado prevê a alocação de um ou mais ativos em empresa ou
empresas a serem criadas, facilitando o processo de análise legal, regulatória,
fiscal e ambiental pelos interessados e tornando a aquisição mais atrativa.
Sendo a Petrobras uma sociedade de economia mista, órgão da
administração indireta da União, a alienação de sua participação nas
subsidiárias criadas deve se dar por licitação ou convite público, de
acordo com as normas legais e administrativas vigentes, garantindo-se a
isonomia e a transparência do processo, bem como a melhor oferta pelos ativos.
O exercício da atividade de refino de petróleo e derivados está sujeita à
prévia e expressa autorização da ANP. A transferência da titularidade da
autorização também depende de prévia aprovação do órgão, assim como o
arrendamento ou a cessão das refinarias.
Considerando-se que não haveria maiores entraves à obtenção dessas
autorizações, salvo casos de desconformidade com as normas vigentes, parece-nos
que o ponto crítico seria a garantia do suprimento dos derivados de petróleo às
distribuidoras, caso as refinarias sejam adquiridas por terceiros ou, mesmo,
por outras distribuidoras.
Assim, como obrigação decorrente da manutenção das autorizações concedidas, os
novos titulares das refinarias deverão dar continuidade ao suprimento das
distribuidoras, entregando os derivados nos pontos de entrega determinados.
Considerando-se que a Petrobras, atualmente, é a única supridora do
mercado, os derivados são por ela entregues nas bases primárias das
distribuidoras, mediante um sistema de negociação e alocação de cotas, que vem
sendo praticado há bastante tempo. No entanto, tendo em vista que o
desinvestimento da Petrobras acarretará a entrada de novos agentes no
mercado de refino, há a necessidade de se aperfeiçoar o sistema de negociação e
alocação de cotas às distribuidoras, reforçando-se o papel da ANP na sua
supervisão e fiscalização, para prevenir eventuais conflitos de interesse.
O sistema de cotas poderia, até,ser substituído por um regime de livre
negociação entre as partes, preservando-se a obrigatoriedade de suprimento na
atual configuração e localização da infraestrutura de distribuição, que foi
organizada tendo em vista a área de influência das refinarias.
Para que as refinarias possam continuar a atender à demanda das distribuidoras,
será necessário garantir o acesso das mesmas aos terminais marítimos e às
instalações de armazenagem nele localizadas, caso estas não estejam integradas
aos ativos desinvestidos e se mantenham sob a propriedade da Petrobras, ou
passem a ser tituladas e operadas por terceiros. Neste caso, as regras de
acesso a tais instalações, já existentes na regulação, devem ser revistas e, se
necessário, adequadas para aperfeiçoar o processo de desinvestimento no refino.
A legislação em vigor não proíbe a verticalização da atividade de refino, ou
seja, não restringe a participação direta ou indireta de outros agentes da
indústria, inclusive das próprias distribuidoras, na atividade. A norma está de
acordo com a experiência internacional, que tem demonstrado que a atividade de
refino pode não se justificar isoladamente, sem a verticalização em outras
atividades na indústria, como a produção ou a distribuição. Ressalte-se, nesse
sentido, que várias distribuidoras nacionais estão participando do processo de
desinvestimento lançado pela Petrobras.
De qualquer forma, ainda que possível a verticalização da atividade de refino,
é recomendável o estabelecimento de normas específicas no que diz respeito à
separação jurídica e especialização da empresa refinadora, bem como de regras
de transparência fiscal, contábil e de independência de gestão.
Por Antônio
Luís de Miranda Ferreira, no Blog do Fausto Macedo
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