Alejandro Ceballos é o empresário sobre o qual há mais relatos nos arquivos do FinCEN |
Enquanto milhões de venezuelanos fugiram do país ou sofreram com a hiperinflação e a crise interna nos últimos anos, alguns empresários próximos ao governo bolivariano de Hugo Chávez e Nicolás Maduro acumularam fortunas protegidas no exterior.
Eles
são conhecidos como "boligarcas" - uma mescla de
"bolivarianos" com "oligarcas" -, embora nas ruas da
Venezuela sejam chamados depreciativamente de "conectados".
Agora,
parte dos mais de 2.000 documentos bancários secretos que vieram à tona nos
chamados FinCEN Files dá indícios de como alguns desses empresários tiraram da
Venezuela milhões de dólares de dinheiro público, verba originalmente destinada
a projetos sociais.
Os
arquivos do FinCEN contêm relatórios de atividades suspeitas que vários bancos
enviaram para a Financial Crime Control Network (FinCEN), uma agência do
Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, entre 2000 e 2017.
Os mais
de 2.000 relatórios, que não são provas de crime nem acusações formais, foram
vazados para o site americano BuzzFeed, que os compartilhou com jornalistas
investigativos de 108 veículos em 88 países, incluindo o programa Panorama da
BBC.
Os
documentos relativos à Venezuela apontam em particular para o empresário
Alejandro Ceballos Jiménez, magnata da construção que, segundo os relatórios,
transferiu secretamente US$ 116 milhões (cerca de R$ 626 milhões, em valores
atuais) em contratos de construção de habitações sociais para empresas offshore
e contas de parentes em bancos de Europa e dos Estados Unidos.
Por
exemplo, o Banco Espírito Santo, já fechado após intervenção do governo
português em 2014, transferiu mais de US$ 100 milhões da Venezuela para as
contas da família de Ceballos.
Parte
desse dinheiro veio da petroleira estatal PDVSA e de programas governamentais
como a Missão Che Guevara, que tem como objetivo o combate à pobreza.
Ceballos
é um dos pelo menos sete magnatas venezuelanos cujas operações financeiras com
os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro foram reveladas nos arquivos do
FinCEN.
De
acordo com a análise do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos
(ICIJ) dos arquivos vazados, há relatórios bancários de transações suspeitas
vinculadas à Venezuela no valor de mais de US $ 4,8 bilhões entre 2009 e 2017.
Quase 70% desses valores envolve dinheiro público pago por alguma entidade
governamental.
O
magnata da construção
Ceballos
não respondeu aos pedidos de entrevista feitos pelo ICIJ em agosto. Ele se
desculpou pelas dificuldades de acesso aos documentos devido à quarentena na
Venezuela.
Ceballos
tem uma luxuosa residência em Miami, onde desfruta de uma de suas paixões: as
corridas de cavalos no hipódromo Hallandale Beach.
A
fortuna de Ceballos vem de longe. Durante décadas a construtora de sua família,
a Inversiones Alfamaq, atuou na Venezuela.
Durante
o governo Chávez, sua família ganhou dezenas de contratos para construir
escolas, estações de tratamento de água ou reformar estádios esportivos.
"Não
há obra na Venezuela de que a Alfamaq não tenha participado nestes mais de 37
anos", vangloriou-se Ceballos em entrevista concedida em 2016.
Entre
essas obras estão as da Grande Missão Casa Venezuela, desde 2011 um dos programas
sociais mais emblemáticos do governo Chávez, cujo plano era construir dois
milhões de moradias para pessoas pobres e trabalhadores.
Em
2012, o governo concedeu US$ 126 milhões a uma empresa italiana de energia, a
Energy Coal SPA, visando a construção de 1.540 apartamentos para pessoas de
baixa renda. A empresa europeia subcontratou o trabalho com a Starleaf Limited,
uma companhia com sede em Londres e controlada por Ceballos e sua família.
Alguns
advogados suíços trabalharam como representantes da família para esconder os
bens do empresário, de acordo com o relatório do Banco Espírito Santo ao
FinCEN.
Entre
2013 e 2014, as agências do governo venezuelano pagaram à Starleaf mais de US$
146 milhões, segundo o extinto banco português. A firma londrina distribuiu
então dezenas de milhões de dólares para empresas e contas da família Ceballos,
segundo o Espírito Santo.
"O
padrão de pagamentos e a porção ou margem enviada aos familiares parecem ser
excessivos", escreveu o banco em um relatório de fevereiro de 2014.
Depois
de revisar contratos e faturas, o banco concluiu que eles eram
"artificiais", o que pode estar relacionado à lavagem de dinheiro ou
evasão fiscal.
O
governo da Venezuela em 2015 investigou este projeto e concluiu que havia
"irregularidades".
Os
arquivos também mostram as ligações do banco suíço CBH com Alejandro
Betancourt, que aos 29 anos fundou a Derwick, empresa à qual o governo
venezuelano concedeu bilhões de dólares sem licitação prévia para consertar o
sistema elétrico do país, uma das infraestruturas mais problemáticas da
Venezuela.
Em
2018, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos indiciou Francisco Convit e
sete outros executivos da Derwick por formarem uma suposta quadrilha de suborno
e lavagem de dinheiro. Betancourt foi citado na acusação como cúmplice.
Os
relatórios do FinCEN mostram alertas de dezenas de pagamentos suspeitos
envolvendo Derwick e os bancos suíços CBH e Julius Baer.
Por
exemplo, Derwick enviou cerca de US$ 12 milhões para uma empresa chamada
Mediterraneo Global Investments em um pagamento qualificado como suspeito pelo
banco que o fez.
"O
que aconteceu foi a pilhagem de um país", disse Zair Mundaray, ex-promotor
anticorrupção da Venezuela, que, exilado, agora colabora com o líder da
oposição Juan Guaidó.
Mundaray
culpa a impunidade dos "boligarcas" e os bancos por não fazerem um
escrutínio mais exaustivo de seus clientes.
"Nenhum
banco investigou isso suficientemente", acrescenta.
Martin
Rodil, fundador e diretor executivo da InterAmerican Solutions, consultoria que
assessora o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos sobre sanções contra a
Venezuela, concorda com Mundaray: "Sem os bancos isso não teria
acontecido."
Da BBC
News Mundo
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