Nos primeiros sinais, em março, de que a pandemia avançava
com força no País, Liniker Souza apressou-se em trancar o curso de Publicidade
e Propaganda na UniCarioca, instituição privada no Rio de Janeiro. Fotógrafo de
eventos, ele pressentia que a demanda, capaz de lotar sua agenda nos fins de
semana, iria por água abaixo.
Como grande parte dos alunos das instituições
particulares, sem o rendimento do trabalho Souza não conseguiria
pagar o curso e a decisão pela interrupção dos estudos antes de se tornar
inadimplente foi tomada com rapidez. “Tranquei antes mesmo de oferecerem
qualquer opção de aula online, porque não acho que compensa”, afirma.
O fotógrafo é um dos milhares de estudantes brasileiros que, matriculados em
faculdades particulares, enfrentam dificuldades para pagar as mensalidades
desde o início da pandemia – em uma lógica que atinge as instituições e deságua
em demissões, pedidos de socorro ao governo e perspectivas nada otimistas. Uma
parte dos alunos seguiu os passos de Souza e também trancou matrícula, mas
outra não o fez a tempo e agora é obrigada a arcar com dívidas, além de uma
alta porcentagem de desistências puras e simples.
Se a taxa de evasão foi menor do que o Semesp – a entidade que representa as
faculdades – esperava na passagem para o segundo semestre, a queda no número de
novos alunos foi maior. O sindicato estimava 230 mil estudantes a menos, o
número real chega a 350 mil, ou 56% dos 800 mil calouros matriculados no
segundo semestre do ano passado. Apesar de, historicamente, a entrada de novos
alunos ser menor na segunda metade do ano, os dados não deixam dúvida sobre a
tragédia que se abateu sobre as instituições e a necessidade de apoio do
governo, afirma o diretor-executivo da instituição, Rodrigo Capelato.
Os pontos críticos são vários, a começar pela inadimplência, afirma Capelato.
Em comparação ao ano passado, ela cresceu 51%. Segundo dados de pesquisa do
Semesp com cerca de 2 mil alunos, 40% afirmaram sofrer os impactados
financeiros da pandemia. “Não há dúvida sobre a enorme dificuldade que os
alunos têm para pagar, e nesse cenário as atitudes são trancar, evadir ou ficar
inadimplente”, diz o executivo. Segundo a mesma pesquisa, 5% dos alunos
disseram não se adaptar ao modelo de aulas remotas. Não bastasse, nem todos os
cursos conseguiram oferecer essa alternativa, sobretudo aqueles que necessitam
de práticas laboratoriais.
A opção por largar o curso foi escolhida em geral pelos novos estudantes,
aqueles que tinham acabado de ingressar. “São alunos que mal tiveram a
experiência de entrar num campus, acostumar-se com os colegas e os professores.
Como grande parte vive em famílias com renda per capita de até um salário
mínimo, é provável que vá cuidar dos problemas financeiros mais imediatos e
dificilmente volte à academia”, diz Capelato.
Para evitar que os alunos saiam de vez, as faculdades com maior envergadura têm
apostado em diferentes estratégias, entre elas a opção de adiar as
mensalidades, até mesmo para depois da formatura, ou oferecer descontos. Partem
do princípio de que mesmo inadimplentes os estudantes são mais interessantes
para as instituições tanto do ponto de vista educacional – uma vez que, assim,
as chances de mais profissionais com ensino superior possam ser formados no
País – quanto do ponto de vista dos negócios. “O problema é que nem todas as
instituições têm caixa para bancar descontos ou adiamentos, sobretudo as
menores e aquelas no interior”, alerta Elizabeth Guedes, presidente da
Associação Nacional das Universidades Particulares.
Embora as faculdades não ofereçam aulas presenciais e a situação gere reclamações
constantes por parte de alunos, que costumam dizer que menos dinheiro tem sido
gasto, tanto Capelato quanto Guedes afirmam o contrário. Diferentemente da
Educação a Distância clássica, na qual os conteúdos costumam ser gravados e não
há custos com salas ou material físico, as faculdades oferecem aulas síncronas,
ao vivo, nas quais os professores continuam a receber seus salários. “Isso fora
o gasto-relâmpago com tecnologia e equipamentos para lidar com esta situação”,
pontua Guedes.
Na quinta-feira 27, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que o MEC
vai disponibilizar 140 mil vagas remanescentes do ProUni e do Fies não
preenchidas durante os processos seletivos dos programas que oferecem bolsas e
financiamento ao ensino superior. A estratégia não provocou exatamente um ânimo
no setor, que experimentou um período recente no qual os dois programas
incluíram muito mais alunos na carteira. Além disso, os casos de demissões em
massa de professores, muitos sem perspectiva de recontratação, pressionam o
setor a tomar medidas que não sacrifiquem seus funcionários.
A esperança vem do Congresso. Um grupo de senadores apresentou em agosto um
pacote de socorro que inclui uma linha de crédito de 40 bilhões de reais.
Capelato faz questão de pontuar: “O dinheiro viria não em socorro das
instituições de ensino, mas do aluno”. O Ministério da Economia, como de praxe,
afirmou ser contra a medida. As faculdades, argumentam os sábios, contam com as
linhas de crédito oferecidas às empresas na pandemia. Não há previsão de que a
proposta seja colocada em pauta pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre.
As oportunidades de trabalho voltaram a reaparecer para Souza, mas
até agora o estudante não recebeu da faculdade nenhuma oferta de desconto na
mensalidade. “Se tivessem feito, eu teria pedido ajuda à família para
completar”, diz. A saída, aponta Capelato, é as instituições oferecerem
condições de pagamento especiais justamente aos alunos que mais necessitam, e
não a todos, de forma que as contas se equilibrem e os estudantes não abandonem
os cursos. “É preciso atender quem mais precisa e dar alternativas melhores. Se
oferecermos apenas 30% de desconto para todos, aqueles que mais necessitam
sairão prejudicados.”
Por Victor
Calcagno, na Revista Carta Capital
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