Nove Estados e sete
municípios desviaram recursos de seus fundos previdenciários para pagar
despesas correntes, segundo a nota técnica 22/2017, da Secretaria de
Previdência, encaminhada pelo Ministério da Fazenda à CPI da Previdência, que é
presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS). O mais significativo é que essa
prática teve início em 2013 e se intensificou a partir de 2015, justamente no
auge da atual crise fiscal por que passam todos os entes da federação. Tudo
indica que esse foi um caminho utilizado por vários governos estaduais e
prefeituras como alternativa para o financiamento das despesas orçamentárias,
em momento de queda da receita.
O ofício do
Ministério da Fazenda foi enviado à CPI da Previdência no dia 8 de junho. O
caso mais emblemático citado é do Estado de Minas Gerais, que praticamente
extinguiu o seu fundo previdenciário, retirando dele mais de R$ 3 bilhões. O
caso mais recente é o da prefeitura de Natal, que transferiu R$ 15,8 milhões do
seu fundo previdenciário, em abril deste ano. Na relação enviada à CPI da
Previdência estão ainda os Estados do Rio Grande do Norte, Paraná, Santa
Catarina, Paraíba, Piauí, Bahia, Sergipe e o Distrito Federal. Estão na lista
também os municípios de Caruaru, Londrina, Florianópolis, Campos dos Goytacazes,
Goiânia e Campinas.
Há, no entanto, uma
boa notícia. Em abril deste ano, 2.107 entes federativos, além da União,
possuíam Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) para os seus servidores
efetivos. Os desvios foram verificados em apenas 16 entes, o que representa
menos de um por cento do total.
Desvio de recursos
aumentaram a partir de 2015
O artigo 40 da
Constituição prevê que os entes da federação estabeleçam regimes
previdenciários que assegurem, para os seus servidores titulares de cargo
efetivo, pelo menos os benefícios de aposentadoria e pensão por morte. A lei
9.717, de 27 de novembro de 1998, conhecida como Lei Geral de Previdência
Pública, estabelece normas e princípios que devem nortear os RPPS.
Com a criação dos
RPPS, os servidores segurados são separados em dois grupos, a partir de uma
data de corte que tome como base o ingresso da pessoa no serviço público. Na
segregação, os servidores mais "antigos" e os aposentados e
pensionistas existentes são alocados no "plano financeiro". Os
segurados mais "jovens" e todos aqueles que ingressarem no serviço
público farão parte do "plano previdenciário". Os dois planos passam
a ter separação orçamentária, financeira e contábil. Ou seja, não pode haver
transferência de recursos, de contribuições ou obrigações entre os dois planos.
Por definição, o
"plano previdenciário" terá um número crescente de segurados ativos
em fase de contribuição. Com as contribuições do ente e dos servidores, haverá
uma acumulação contínua de recursos, o que permitirá o pagamento das
aposentadorias e pensões futuras. O "plano financeiro", que
representa um grupo fechado, terá um número decrescente de segurados ativos e
entrará em declínio, rumo à extinção.
Essa é a forma
prevista em lei para equacionar o déficit atuarial dos servidores estaduais e
municipais ao longo dos anos. Em auditoria feita no ano passado, o Tribunal de
Contas da União (TCU) estimou que o déficit atuarial dos regimes próprios dos
Estados e dos municípios estava em R$ 2,8 trilhões, no fim de 2013. O valor correspondia,
na época, a 50% do Produto Interno Bruto (PIB). A segregação da massa de
servidores é uma forma alternativa de equacionar esse déficit ao longo do
tempo.
A lei 9.717 atribui
à União a orientação, supervisão e o acompanhamento dos RPPS. Prevê também a
aplicação de penalidades aos entes federativos que descumprirem as normas
legais que regem o RPPS. Como reação aos desvios de recursos, o governo vem
cancelando a renovação do Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP) dos
Estados e municípios faltosos. Sem o CRP eles não conseguem obter
transferências voluntárias da União, ficam impedidos de celebrar acordos,
contratos, convênios ou ajustes, bem como receber empréstimos, financiamentos,
avais e subvenções em geral de órgãos ou entidades da Administração direta e
indireta da União. Está prevista ainda suspensão de empréstimos e
financiamentos de instituições financeiras federais.
O problema é que
todos os Estados e municípios que fizeram desvios de recursos dos seus fundos
previdenciários conseguem liminares no Supremo Tribunal Federal (STF) para
manter o CRP. É preciso esclarecer que as mudanças nos RPPS, que permitem os
desvios, são realizadas por meio de leis estaduais aprovadas pelas respectivas
Assembleias Legislativas ou por leis municipais, aprovadas pelas respectivas
Câmaras de Vereadores. Há, portanto, um conflito entre a legislação federal,
que rege os RPPS, as legislações estaduais e municipais. Até agora não houve
uma decisão de mérito do Supremo sobre esta disputa.
Por causa disso, a
proposta de reforma da Previdência Social, em discussão na Câmara dos
Deputados, prevê um dispositivo que proíbe a utilização dos recursos vinculados
aos respectivos fundos previdenciários para finalidades diversas das do
pagamento dos benefícios deste fundo e da sua taxa de administração. Com esse
dispositivo, evita-se as liminares. Está prevista também a aprovação de uma
"Lei de Responsabilidade Previdenciária", nos moldes da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF).
O texto da reforma
estabelece que a "lei de responsabilidade previdenciária" disporá
sobre o modelo de financiamento dos RPPS, normas de arrecadação, de gestão de
recursos, de concessão e manutenção de benefícios, de requisitos para
instituição dos regimes, assegurando o seu controle interno e externo e
fiscalização da União.
A proposta de
reforma da Previdência, portanto, vai muito além da simples definição de
critérios de acesso aos benefícios de aposentadoria e pensão. Ela estabelece
diretrizes que, se aprovadas, ajudarão a equacionar o gigantesco déficit
atuarial de todo o sistema previdenciário.
Por Ribamar Oliveira, no Valor Econômico