O julgamento da chapa Dilma-Temer no
TSE foi mais um momento em que fatos exasperam e provocam enjoo de estômago nos
espectadores
O que será de nós? É uma pergunta que ouço com
frequência nas ruas, feiras e bares. Respondo com um discreto otimismo. Ninguém
exige precisão na resposta, pois todos sabem quão nebuloso é o momento… Mas o
que vejo na face e nos olhos das pessoas é ansiedade. Não tenho condições de
estudar o assunto mais amplamente. Creio que outros o farão: qual o impacto
psicológico de anos de notícias negativas na vida de um país?
A decomposição do sistema político eleitoral é uma
novela longa e arrastada. Um roteirista de cinema já teria acabado com ela para
não aborrecer os espectadores. Ainda que fosse uma série, do tipo “House of
cards”, ele certamente estaria pensando em férias para escrever a nova
temporada.
O ritmo dos acontecimentos no Brasil depende dos
trâmites da Justiça. Além disso, as evidentes mentiras se arrastam. Quem
acompanha fica irritado, sabe que não é bem aquilo, mas o processo legal não
pode ser concluído como uma novela.
Minha experiência pessoal é a de que o trabalho em
campo me diverte e que os momentos de lazer, diante do noticiário, trazem mais
ansiedade. Se é assim com todos, imagino como estão os que não perdem, por
interesse ou dever de ofício, um simples lance do psicodrama político-policial.
A experiência histórica talvez possa nos confortar.
Isaac Deutscher, na célebre biografia de Trótski, oferece uma boa pista. Ele
afirma que certas forças políticas tomam decisões estúpidas, não porque sejam
necessariamente pouco inteligentes, mas sim porque sua margem de manobra
torna-se muito estreita na crise.
Isso aconteceu com Dilma e acontece agora com
Temer. Basta analisar a sucessão de erros que seus movimentos defensivos
provocam para dizer que, nessas circunstâncias, o maior adversário de Temer é
sua própria cabeça.
Temer substituiu o ministro da Justiça e esqueceu
de comunicar ao que saía, tal a pressa em conter o avanço da PF. Demitido sem
honras, o ministro voltou à sua cadeira no Parlamento e desalojou Rodrigo Rocha
Loures, o homem da mala de Temer. Resultado: Temer não conseguirá controlar a
PF, e um dos seus cúmplices está preso, sob o risco de delação premiada.
E como se não bastassem tantas saídas estúpidas,
Temer desmentiu a notícia de que viajou num avião de Joesley Batista para, logo
em seguida, admitir que o fez sem, contudo, saber quem era o dono do avião ou
quem pagava pela viagem. Sabemos que é mentira, inclusive Temer. Nesse momento,
já não se preocupa mais com credibilidade, apenas a se agarrar ao cargo.
O julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE foi mais
um momento em que fatos exasperam e provocam enjoo de estômago nos
espectadores. O ministro Herman Benjamin fez um excelente trabalho, mas desde o
início o resultado final do julgamento já estava definido.
A Odebrecht constava da petição inicial, Herman
Benjamin realizou audiências na presença de todos, mas os juízes pró-Temer
consideram que os dados da Odebrecht deveriam ser retirados do processo. Ambos
argumentos, de defesa e acusação, podem ser desenvolvidos ad nauseam, inclusive
com citações de juristas, professores acadêmicos e o diabo a quatro.
Herman Benjamin apenas cumpriu seu trabalho, foi
atrás da verdade, respeitando a petição inicial que se referia à Odebrecht
várias vezes. O que aconteceu depois, com as delações, foram novas evidências
perfeitamente articuladas com as denúncias.
Ao excluir as evidências da Odebrecht, os ministros
não negam sua realidade, apenas acham que chegaram tarde demais. Fora dos
prazos.
O julgamento nos ajuda a compreender que não
estamos diante de um fenômeno linear no Brasil, do tipo todos contra a
corrupção. Na verdade, existe muita gente do lado de lá. Em, primeiro lugar os
próprios corruptos, que sonham com a impunidade.
Todas as maiores forças políticas são contra a
Lava-Jato. Lula tentou bombardeá-la, e ouvimos suas lamúrias, nos grampos da
PF, sobre a passividade do STF. O PMDB tentou, e as gravações colhidas na
delação premiada de Sérgio Machado indicam que a cúpula do partido queria deter
a Lava-Jato. Aécio Neves, na época presidente do PSDB, também foi descoberto,
em grampos, articulando anistia ao caixa dois e leis que inibem juízes e
promotores.
Em torno do PT existe um grande número de militantes
que acreditam que a Lava-Jato é apenas um processo de perseguição a Lula e seus
líderes. Admitir a verdade obrigaria a um exame muito profundo da própria
situação, assim como foram as denúncias dos crimes de Stálin. Para não ameaçar
o edifício ideológico é melhor ignorar suas mazelas.
Por Fernando
Gabeira, em O Globo
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O livro com a peça teatral Irena Sendler, minha Irena:
A história registra as ações de um grande herói, o espião e membro do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, Oskar Schindler, que salvou cerca de 1.200 judeus durante o genocídio perpetrado pelos nazistas. O industrial alemão empregava os judeus em suas fábricas de esmaltes e munições, localizadas na Polónia e na, então, Tchecoslováquia.
Irena Sendler, utilizando-se, tão somente, de sua posição profissional – assistente social do Departamento de Bem-estar Social de Varsóvia – e se valendo de muita coragem, criatividade e altruísmo, conseguiu salvar mais de 2.500 crianças judias.
"O Anjo do Gueto de Varsóvia", como ficou conhecida Irena Sendlerowa, conseguiu salvar milhares de vidas ao convencer famílias cristãs polonesas a esconder, abrigando em seus lares, os pequeninos cujo pecado capital – sob a ótica do führer – consistia em serem filhos de pais judeus.
Período: 2ª Guerra Mundial, Polônia ocupada pela Alemanha nazista. A ideologia de extrema-direita que sistematizou o racismo científico e levou o antissemitismo ao extremo com a Solução Final, implementava a eliminação dos judeus do continente europeu.
A guerra desencadeada pelos nazistas – a maior deflagração do planeta – mobilizou 100 milhões de militares, provocando a maior carnificina já experimentada pela humanidade, entre 50 e 70 milhões de mortes, incluindo a barbárie absoluta, o Holocausto, o genocídio, o assassinato em massa de 6 milhões de judeus.
Este é o contexto que inspirou o autor a escrever a peça teatral “Irena Sendler, minha Irena”.
Para dar sustentação à trama dramática, Antônio Carlos mergulhou fundo na pesquisa histórica, promovendo a vasta investigação que conferiu à peça um realismo que inquieta, suscitando reflexões sobre as razões que levam o homem a entranhar tão exageradamente no infesto, no sinistro, no maléfico. Por outro lado, como se desanuviando o anverso da mesma moeda, destaca personagens da vida real como Irena Sendler, seres que, mesmo diante das adversidades, da brutalidade mais atroz, invariavelmente optam pelo altruísmo, pela caridade, pela luz.
É quando o autor interage a realidade à ficção que desponta o rico e insólito universo com personagens intensos – de complexa construção psicológica - maquinações ardilosas, intrigas e conspirações maquiavélicas, complôs e subterfúgios delineados para brindar o leitor – não com a catarse, o êxtase, o enlevo – e sim com a reflexão crítica e a oxigenação do pensamento.
Dividida em oito atos, a peça traz à tona o processo de desumanização construído pelas diferentes correntes políticas. Sob o regime nazista, Irena Sandler foi presa e torturada – só não executada porque conseguiu fugir. O término da guerra, em 1945, que deveria levar à liberdade, lancinou o “Anjo do Gueto” com novas violências, novas intolerâncias, novas repressões. Um novo autoritarismo dominava a Polônia e o leste Europeu. Tão obscuro e cruel quanto o de Hitler, Heydrich, Goebbels, Hess e Menguele, surgia o sistema que prometia a sociedade igualitária, sem classes sociais, assentada na propriedade comum dos meios de produção. Como a fascista, a ditadura comunista, também, planejava erigir o novo homem, o novo mundo. Além de continuar perseguindo Irena, apagou-a dos livros e da historiografia oficial, situação que só cessaria com o debacle do império vermelho e a ascensão da democracia, na Polônia, em 1989.
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