O tormento do Rio
Rio não consegue encurtar o caminho do acordo. O ministro
Luiz Fux disse que faltava “juridicidade”, não concedeu a liminar ao Rio nem a
negou. Repetiu a fórmula usada na crise da dívida dos estados e agora os
governos federal e do Rio têm 30 dias para aprovar os termos do acordo no
legislativo. Difícil. De um lado, o Congresso terá que mudar, nesse tempo, a
Lei de Responsabilidade Fiscal; de outro, a Assembleia do Rio terá que aprovar
projetos polêmicos.
Nada é simples, nada se resolve em 30 dias. O governador
Luiz Fernando Pezão estava tentando conseguir no STF uma antecipação de parte
do acordo para que ele pudesse levantar um empréstimo e assim acertar as contas
com os funcionários. O Rio deve aos servidores parcelas atrasadas dos salários.
O empréstimo total para pôr a folha em dia seria de R$ 3,5 bilhões, segundo me
confirmou ontem o governador.
Esse é um objetivo mais do que meritório, mas o problema é
que o Rio não pode tomar mais empréstimos porque estourou o limite da Lei de
Responsabilidade Fiscal. Por isso, a Procuradoria-Geral da República ficou
contra e falou em “heterodoxia”. O TCU, a AGU, o Tesouro também discordaram. O
Banco do Brasil e a Caixa, que emprestariam os recursos, disseram que têm medo
de não receber de volta. O Ministério da Fazenda acha que o Rio está querendo
antecipar apenas o bônus do acordo com o Tesouro e não as contrapartidas. Pezão
discorda dessa avaliação.
— Estou colocando as ações da Cedae como garantia do
empréstimo e vamos privatizar a companhia. Vamos para o voto. O Tesouro não
corre riscos — disse o governador ontem no meio do dia. De tarde, a Alerj adiou
mais uma vez a votação do projeto de privatização da companhia.
A situação do Rio é dramática, mas a solução que se busca é
uma engenharia de difícil realização. Será preciso aprovar no Congresso a
flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal para os casos de estados em
colapso financeiro, uma espécie de lei de falência para os entes federados.
Nesse regime especial, o estado tem que cumprir uma série de compromissos,
passa a ser monitorado — da mesma forma que os países endividados são
fiscalizados pelo FMI —, mas tem como vantagem a suspensão temporária do
pagamento das dívidas e pode pegar novos créditos.
O governador Pezão acha que os bancos que emprestarem não
correm risco porque ele estará dando uma garantia real: as ações da Cedae. A
ideia dele é, depois de privatizado, quitar o empréstimo.
Entre as várias medidas que o governo do Rio tenta aprovar
está a polêmica cota extra de contribuição do funcionário para a previdência.
Além de aumentar de 11% para 14% o que o servidor recolhe, haverá mais uma taxa
de 8% sobre o salário durante três anos. Prorrogáveis por mais três. Isso
significa na prática dobrar a contribuição atual do servidor do Rio. Na
primeira vez, essa proposta de cota extra foi rejeitada. Ela volta agora um
pouco menor, mas ainda muito pesada.
A privatização da Cedae tem a oposição feroz apenas de
movimentos corporativos, mas, como se viu nas últimas manifestações, bem
belicosos. Há uma série de outras medidas bem controversas e que terão
dificuldade de passar. Ao todo, o governo terá que cortar R$ 9 bilhões e elevar
impostos para ter mais R$ 1,2 bi de receita. Deixará de pagar, no período do
acordo, R$ 6,2 bilhões de dívidas. O governo do Rio quer colocar logo os
salários em dia, principalmente dos PMs, porque teme um movimento como o do
Espírito Santo.
Por isso é que entrou com a “Ação Civil Originária” pedindo
a antecipação da vigência dessa possibilidade de suspender os pagamentos da
dívida ao governo federal e contrair um novo empréstimo junto ao Banco do
Brasil para pagar os funcionários.
O Rio vive um tormento que parece interminável. Não é o
único, é apenas o primeiro a pedir esse socorro. Ele só pode ser dado se o
governo estadual se dispuser a organizar as contas para que ao fim do período
de reestruturação, em três anos, seja possível voltar à normalidade. O que
aconteceu ontem foi que o Rio tentou encurtar o caminho pedindo ao STF uma
liminar, e tudo o que o ministro Luiz Fux fez foi dar um prazo, quase
inexequível, para aprovar uma nova lei no Congresso e todo o ajuste na Alerj.
Ainda não há luz no fim desse túnel.
O Globo/RJ