Com o
megaempresário na cadeia, investigadores pretendem aprofundar a investigação
sobre os financiamentos liberados a juros subsidiados pelo banco. Entre 2003 e
2014, empresas do grupo X captaram R$ 6 bilhões na instituição
Mais do que abalar
o mundo político e personagens de diversos partidos, a prisão efetiva do
empresário Eike Batista vai aprofundar uma linha de investigação que ainda é
apenas tangenciada pela Lava-Jato: os financiamentos liberados pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com juros subsidiados,
a diversas empresas durante os anos dos governos Lula e Dilma.
Entre 2003 e 2014,
o BNDES disponibilizou R$ 10 bilhões para as empresas de Eike Batista. Deste
montante, R$ 6 bilhões chegaram a ser efetivamente contratados — a única
empresa da holding que não contraiu empréstimos foi a petrolífera OGX. Segundo
a assessoria do banco, parte do montante chegou a ser quitado e uma outra parte
foi assumida pelos novos controladores das empresas.
Por uma questão de
sigilo bancário, o BNDES não pode especificar os nomes das empresas
contratantes, o volume amortizado e os empreendimentos financiados com esses
recursos. Com a prisão de Eike, parte da caixapreta que manteve as operações do
banco entre 2003 e 2014 sigilosas poderá ser levantada. Por enquanto, a equipe
de investigadores da LavaJato, em Curitiba, concentrou-se em analisar dados e
contratos da Petrobras com empreiteiras e outros agentes econômicos.
Mas Eike foi preso
na Operação Eficiência, um desdobramento da Operação Calicute, que já mandou
para a cadeia o ex-governador do Rio Sérgio Cabral. Essa linha investigatória é
conduzida pelo juiz da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, Marcelo Bretas. 'O
BNDES está muito próximo da Petrobras, até mesmo fisicamente', alertou um
especialista em mercado financeiro. 'Se essa tampa for aberta, de fato, a crise
pode ser grande. Tem muita empresa que cresceu às custas dos juros amigos do
BNDES', completou o analista.
Mesmo que de forma
incipiente, a atuação do banco já estava na mira dos investigadores. Criada
para financiar, muitas vezes com juros subsidiados, projetos estratégicos para
o Brasil, a instituição acabou sendo usada para troca de favores questionáveis
entre o setor público e o privado, na avaliação de policiais federais e
procuradores ouvidos pelo Correio nos últimos meses.
A Operação
Lava-Jato descobriu, por exemplo, que a OSX e a empreiteira Mendes Júnior
formaram um consórcio chamado Integra para construir duas plataformas de
exploração do pré-sal em 2011. A Petrobras acertou pagar US$ 922 milhões (R$
2,97 bilhões) às empresas. Na época, o consórcio repassou R$ 6 milhões para
empresas ligadas a José Dirceu e seus assessores.
Além disso, a
Mendes Júnior enviou outros R$ 7,39 milhões para a conta do operador do PMDB
João Augusto Henriques, ligado à ala do partido na Câmara, como o ex-deputado
Eduardo Cunha (RJ). Ambos estão presos.
Propinas
Outra faceta que a
prisão de Eike deve ajudar a esclarecer por completo é a relação entre os
negócios do empresário e os respectivos repasses aos beneficiários do mundo da
política e do lobby partidário. Até o momento, os investigadores consideram que
ele reluta em contar toda a verdade sobre o que sabe em relação aos casos
apurados no Rio de Janeiro, São Paulo e mesmo em Brasília.
Em maio do ano
passado, Eike apareceu no Ministério Público Federal em Curitiba e acusou o
ex-ministro da Fazenda Guido Mantega de lhe pedir R$ 5 milhões em 2012, repasse
que se transformou, no fim, em US$ 2,35 milhões em uma conta no exterior do
casal de marqueteiros do PT João e Mônica Santana. Mas o ex-bilionário só
resolveu contar isso 18 dias depois que um ex-executivo dele o acusou de pagar
propina a José Dirceu.
Apenas depois que
Eike denunciou Mantega é que os investigadores da Lava-Jato no Rio descobriram
as relações dele com o exgovernador do Rio Sérgio Cabral (PMDB). O empresário
tinha depositado R$ 1 milhão na conta do escritório da mulher do político, a
advogada Adriana Ancelmo. Para justificar, disse que foi orientado pela Caixa
Econômica a fazer isso. O banco nega.
'As alegações do
representado Eike Batista caem por terra', avaliou o juiz Marcelo Bretas, ao
ordenar sua prisão. 'Eike Batista não disse a verdade em seu depoimento perante
o MPF, o que, confirmando as suspeitas iniciais, reforça a tese de seu maior
envolvimento com a organização criminosa descrita,' completou o juiz.
A detenção de Eike
também deixa diversos governos estaduais e ex-governadores apreensivos. As
empresas do Grupo EBX tinham vários empreendimentos no Rio, como o complexo do
Comperj e do Porto Açu. Mas também mantinham negócios no Maranhão, em Minas
Gerais e no Pará, estados com marcante produção de gás natural, petróleo e
minério de ferro.
Empréstimos com o banco público
Total de financiamentos
aprovados pelo BNDES para os projetos do grupo EBX entre 2003 e 2014: R$ 10
bilhões
Desse total, foram
desembolsados: R$ 6 bilhões
A EBX honrou os
empréstimos, seja por meio de fianças bancárias, seja a partir de compromissos
feitos pelos novos controladores dos empreendimentos O total de empréstimos
quitados, amortizados ou assumidos pelos novos controladores não podem ser
divulgados por uma questão de sigilo bancário
As empresas EBX têm
empreendimentos nos setores de infraestrutura, recursos naturais, setor
imobiliário, tecnologia, entretenimento, esporte, mineração de ouro, catering
aéreo e ferroviário
A Petrolífera OGX
não recebeu financiamentos do BNDES
Critérios de avaliação
O ex-presidente do
BNDES Luciano Coutinho nega as suspeitas. Ele sempre afirmou que todos os
empréstimos foram feitos levando-se em conta uma avaliação estritamente
técnica. Mas, tão logo a atual direção da instituição, comandada pela
economista Maria Bastos Silva Marques, assumiu, foi feita uma consulta à
Advocacia-Geral da União (AGU) para ver qual seria o posicionamento do banco na
concessão de crédito às empresas investigadas.
Em nota, a
assessoria do banco afirmou ao Correio que o parecer da AGU foi de que “a
existência de investigação policial, procedimento administrativo ou processo
judicial em desfavor de determinada pessoa jurídica (ou respectivos dirigentes)
não é fato que por si só seja capaz de impedir a empresa de contratar com a
administração pública”.
No entanto, a
existência de processo judicial contra a empresa deve ser considerada para que
seja realizada “adequada classificação, provisionamento e garantia da transação
financeira”. A partir dessa orientação, o BNDES passou a reavaliar, caso a
caso, o risco de crédito dos financiamentos a projetos de empresas envolvidas
na Lava-Jato.
Ainda de acordo com
a resposta oficial, o BNDES suspendeu os desembolsos de 25 operações
contratadas para reavaliação sob novos critérios estabelecidos em outubro de
2016. Eles foram definidos levando em consideração recomendações da AGU e do
Tribunal de Contas da União (TCU).
Em 28 de dezembro,
o banco retomou os desembolsos relativos ao contrato de financiamento às
exportações de bens e serviços de engenharia destinados à construção, pela
Construtora Queiroz Galvão, do Corredor Logístico que liga Puente San Juan I a
Goascorán, em Honduras. O valor do contrato é de US$ 145 milhões, que
correspondem a 66% do total, de US$ 220 milhões. “O BNDES reitera que colabora
com autoridades e órgãos de controle, prestando todas as informações que sejam
solicitadas”. (PTL e EM)
Por Paulo de Tarso Lyra Eduardo Militão, no Correio
Braziliense