quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

BNDES – a Caixa de Pandora


Com o megaempresário na cadeia, investigadores pretendem aprofundar a investigação sobre os financiamentos liberados a juros subsidiados pelo banco. Entre 2003 e 2014, empresas do grupo X captaram R$ 6 bilhões na instituição
Mais do que abalar o mundo político e personagens de diversos partidos, a prisão efetiva do empresário Eike Batista vai aprofundar uma linha de investigação que ainda é apenas tangenciada pela Lava-Jato: os financiamentos liberados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com juros subsidiados, a diversas empresas durante os anos dos governos Lula e Dilma.
Entre 2003 e 2014, o BNDES disponibilizou R$ 10 bilhões para as empresas de Eike Batista. Deste montante, R$ 6 bilhões chegaram a ser efetivamente contratados — a única empresa da holding que não contraiu empréstimos foi a petrolífera OGX. Segundo a assessoria do banco, parte do montante chegou a ser quitado e uma outra parte foi assumida pelos novos controladores das empresas.
Por uma questão de sigilo bancário, o BNDES não pode especificar os nomes das empresas contratantes, o volume amortizado e os empreendimentos financiados com esses recursos. Com a prisão de Eike, parte da caixapreta que manteve as operações do banco entre 2003 e 2014 sigilosas poderá ser levantada. Por enquanto, a equipe de investigadores da LavaJato, em Curitiba, concentrou-se em analisar dados e contratos da Petrobras com empreiteiras e outros agentes econômicos.
Mas Eike foi preso na Operação Eficiência, um desdobramento da Operação Calicute, que já mandou para a cadeia o ex-governador do Rio Sérgio Cabral. Essa linha investigatória é conduzida pelo juiz da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, Marcelo Bretas. 'O BNDES está muito próximo da Petrobras, até mesmo fisicamente', alertou um especialista em mercado financeiro. 'Se essa tampa for aberta, de fato, a crise pode ser grande. Tem muita empresa que cresceu às custas dos juros amigos do BNDES', completou o analista.
Mesmo que de forma incipiente, a atuação do banco já estava na mira dos investigadores. Criada para financiar, muitas vezes com juros subsidiados, projetos estratégicos para o Brasil, a instituição acabou sendo usada para troca de favores questionáveis entre o setor público e o privado, na avaliação de policiais federais e procuradores ouvidos pelo Correio nos últimos meses.
A Operação Lava-Jato descobriu, por exemplo, que a OSX e a empreiteira Mendes Júnior formaram um consórcio chamado Integra para construir duas plataformas de exploração do pré-sal em 2011. A Petrobras acertou pagar US$ 922 milhões (R$ 2,97 bilhões) às empresas. Na época, o consórcio repassou R$ 6 milhões para empresas ligadas a José Dirceu e seus assessores.
Além disso, a Mendes Júnior enviou outros R$ 7,39 milhões para a conta do operador do PMDB João Augusto Henriques, ligado à ala do partido na Câmara, como o ex-deputado Eduardo Cunha (RJ). Ambos estão presos.
Propinas
Outra faceta que a prisão de Eike deve ajudar a esclarecer por completo é a relação entre os negócios do empresário e os respectivos repasses aos beneficiários do mundo da política e do lobby partidário. Até o momento, os investigadores consideram que ele reluta em contar toda a verdade sobre o que sabe em relação aos casos apurados no Rio de Janeiro, São Paulo e mesmo em Brasília.
Em maio do ano passado, Eike apareceu no Ministério Público Federal em Curitiba e acusou o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega de lhe pedir R$ 5 milhões em 2012, repasse que se transformou, no fim, em US$ 2,35 milhões em uma conta no exterior do casal de marqueteiros do PT João e Mônica Santana. Mas o ex-bilionário só resolveu contar isso 18 dias depois que um ex-executivo dele o acusou de pagar propina a José Dirceu.
Apenas depois que Eike denunciou Mantega é que os investigadores da Lava-Jato no Rio descobriram as relações dele com o exgovernador do Rio Sérgio Cabral (PMDB). O empresário tinha depositado R$ 1 milhão na conta do escritório da mulher do político, a advogada Adriana Ancelmo. Para justificar, disse que foi orientado pela Caixa Econômica a fazer isso. O banco nega.
'As alegações do representado Eike Batista caem por terra', avaliou o juiz Marcelo Bretas, ao ordenar sua prisão. 'Eike Batista não disse a verdade em seu depoimento perante o MPF, o que, confirmando as suspeitas iniciais, reforça a tese de seu maior envolvimento com a organização criminosa descrita,' completou o juiz.
A detenção de Eike também deixa diversos governos estaduais e ex-governadores apreensivos. As empresas do Grupo EBX tinham vários empreendimentos no Rio, como o complexo do Comperj e do Porto Açu. Mas também mantinham negócios no Maranhão, em Minas Gerais e no Pará, estados com marcante produção de gás natural, petróleo e minério de ferro.
Empréstimos com o banco público
Total de financiamentos aprovados pelo BNDES para os projetos do grupo EBX entre 2003 e 2014: R$ 10 bilhões
Desse total, foram desembolsados: R$ 6 bilhões
A EBX honrou os empréstimos, seja por meio de fianças bancárias, seja a partir de compromissos feitos pelos novos controladores dos empreendimentos O total de empréstimos quitados, amortizados ou assumidos pelos novos controladores não podem ser divulgados por uma questão de sigilo bancário
As empresas EBX têm empreendimentos nos setores de infraestrutura, recursos naturais, setor imobiliário, tecnologia, entretenimento, esporte, mineração de ouro, catering aéreo e ferroviário
A Petrolífera OGX não recebeu financiamentos do BNDES
Critérios de avaliação
O ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho nega as suspeitas. Ele sempre afirmou que todos os empréstimos foram feitos levando-se em conta uma avaliação estritamente técnica. Mas, tão logo a atual direção da instituição, comandada pela economista Maria Bastos Silva Marques, assumiu, foi feita uma consulta à Advocacia-Geral da União (AGU) para ver qual seria o posicionamento do banco na concessão de crédito às empresas investigadas.
Em nota, a assessoria do banco afirmou ao Correio que o parecer da AGU foi de que “a existência de investigação policial, procedimento administrativo ou processo judicial em desfavor de determinada pessoa jurídica (ou respectivos dirigentes) não é fato que por si só seja capaz de impedir a empresa de contratar com a administração pública”.
No entanto, a existência de processo judicial contra a empresa deve ser considerada para que seja realizada “adequada classificação, provisionamento e garantia da transação financeira”. A partir dessa orientação, o BNDES passou a reavaliar, caso a caso, o risco de crédito dos financiamentos a projetos de empresas envolvidas na Lava-Jato.
Ainda de acordo com a resposta oficial, o BNDES suspendeu os desembolsos de 25 operações contratadas para reavaliação sob novos critérios estabelecidos em outubro de 2016. Eles foram definidos levando em consideração recomendações da AGU e do Tribunal de Contas da União (TCU).
Em 28 de dezembro, o banco retomou os desembolsos relativos ao contrato de financiamento às exportações de bens e serviços de engenharia destinados à construção, pela Construtora Queiroz Galvão, do Corredor Logístico que liga Puente San Juan I a Goascorán, em Honduras. O valor do contrato é de US$ 145 milhões, que correspondem a 66% do total, de US$ 220 milhões. “O BNDES reitera que colabora com autoridades e órgãos de controle, prestando todas as informações que sejam solicitadas”. (PTL e EM)

Por Paulo de Tarso Lyra Eduardo Militão, no Correio Braziliense

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