segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Em busca de R$ 20 bilhões desviados na Lava-Jato


ENTREVISTA GRACE MENDONÇA » Chefe da Advocacia-Geral da União afirma que mais de 85% dos Recursos Públicos identificados pelo órgão, de 2016 até agora, saíram do ralo das fraudes na Petrobras. Para ela, a presença do TCU e do MP nos acordos de leniência é fundamental ANA DUBEUX LEONARDO CAVALCANTI PAULO DE TARSO LYRA
A advogada-geral da União, ministra Grace Barbosa, a primeira mulher nomeada para a Esplanada por Michel Temer, tem sob seu comando 120 advogados. Entre eles, há um grupo específico — que ela não revela quantos por uma questão de sigilo profissional — dedicados exclusivamente em analisar a Operação Lava-Jato. A tropa de elite tem uma missão especial: recuperar os R$ 20 bilhões desviados pelo maior esquema de Corrupção investigado no país. O número torna-se ainda mais impressionante quando comparado com o total de recursos, escamoteados dos cofres públicos, que estão sob investigação pela pasta de Grace: R$ 23 bilhões. “É missão da Advocacia-Geral da União, como função essencial de justiça, zelar pelos cofres públicos federais e buscar reinserir nos cofres federais os Recursos Públicos que foram desviados”, afirma a mineira, nascida em Januária, mas brasiliense desde os dois anos de idade e que hoje [e mãe de três filhas. Grace defende, para alívio dos defensores das investigações a fundo do escândalo da Petrobras, que os acordos de leniência com as empresas envolvidas no caso sejam firmados pela própria AGU, ao lado da Controladoria-Geral da União (CGU), Ministério Público Federal e Tribunal de Contas da União (TCU). Ela também negocia um projeto que, caso aprovado, poderá dar um fôlego aos estados endividados. O texto deve ser enviado ao Congresso esta semana e, como o Correio mostrou na edição de ontem, deve congelar a Lei de Responsabilidade Fiscal por três anos. A ministra, que teve papel primordial na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na confirmação da nomeação de Moreira Franco como ministro da Secretaria-Geral da Presidência, é cautelosa quanto ao fim do foro privilegiado, alegando que ele é inerente ao cargo. E refuta a tese de que o benefício seja sinônimo de impunidade. “O Supremo tem tentado cumprir o papel dele. Está sobrecarregado? Não tenha dúvida”, declarou. A seguir os principais trechos da entrevista:
O governo vai apresentar um projeto com alterações da lei de responsabilidade. Como se dará esse debate com o Congresso?
Essa discussão acaba surgindo por força da situação dos estados. Nós temos um federalismo de cooperação. E os estados já vêm de longa data enfrentando um nível bastante sensível de dificuldades. Por razões de todas as ordens. Isso exige alguma postura da União no sentido de buscar algum tipo de auxílio. Não com o escopo de se conformar ou de concordar com eventual excessos no que concerne ao gasto de pessoal, de aposentados, eventuais excessos quantos aos limites. A ideia que é necessário se enxergar e olhar para a população. É o momento de se buscar um tratamento diferenciado para esses entes da federação que estão enfrentando dificuldades, a ponto de a população sentir, seja nas áreas de Segurança Pública, saúde... O esforço todo vem sendo nesse sentido: construir soluções juridicamente sustentáveis.
A AGU vai conseguir reaver parte dos recursos desviados e identificados na operação Lava-Jato?
É missão da Advocacia-Geral da União, como função essencial de justiça, zelar pelos cofres públicos federais e buscar reinserir Recursos Públicos desviados. Nós temos, hoje, 120 advogados públicos envolvidos diretamente na área de proteção ao patrimônio público e a probidade administrativa. Atuam buscando reaver, para os cofres públicos, aqueles recursos indevidamente desviados. Seja de pessoa física, pessoa jurídica, não importa se é no âmbito da Operação Lava-Jato ou de qualquer outra ação que tenha lesado os cofres públicos.
Quantos advogados, hoje, estão cuidando da Lava-Jato?
São 120 no país todo, mas nós temos uma força-tarefa da AGU que trabalha em conjunto, de uma maneira muito integrada à equipe, ao Ministério Público Federal.
Existe uma estratégia de aumentar esse número?
Temos uma defasagem histórica na AGU dos nossos profissionais, nossos advogados, que conseguimos amenizar agora com esse novo concurso público. Obtivemos autorização para o provimento de 200 novos advogados da União. O necessário é recompor as equipes em todo o território nacional. Não é por ser a equipe que atua na Lava-Jato. Por ano, atuamos em aproximadamente 20 milhões de processos. O volume é gigantesco. Em relação a operação Lava-Jato, a AGU já ajuizou ações dessa ordem no âmbito do departamento patrimônio e probidade administrativa. Entre o ano passado até agora buscamos reaver para os cofres públicos algo em torno de R$ 23 bilhões. Desses R$ 23 bilhões, só da operação Lava-Jato são R$ 20 bilhões.
Quando será recuperado?
Essas ações ainda estão em uma fase inicial. Tem todo um procedimento, acertos de recursos que é possível que se tenha algum tipo questionamento. A partir das provas e elementos seguros ficará claro o trabalho responsável que os advogados públicos desenvolvem. Ainda não temos concretamente valores, mas já temos alguns bloqueios.
Existe uma desconfiança de investigadores do MP em relação a atuação de um órgão do executivo na operação Lava-Jato?
Eu acredito que não porque os papéis estão muito bem definidos. A atuação na seara cível é da AGU, buscar o retorno para esses cofres é missão da AGU, então ela não está invadindo ou usurpando a competência de qualquer outra instituição envolvida nisso. O papel do Judiciário é bem definido, do Ministério Público também. A partir do momento em que desenvolvemos um trabalho em conjunto, na verdade, as forças acabam se somando.
Mas o MP não reclamou lá atrás que a CGU queria fazer sozinha os acordos de leniência? Em relação a acordos de leniência, o que se tem?
Uma legislação, hoje, a Lei Anticorrupção, que traz com clareza a competência da CGU. Logo que entramos na AGU, meses atrás, o que vislumbrávamos? Um distanciamento entre os órgãos. A CGU desenvolvia lá todo seu trabalho, ajustava muitas vezes as premissas desse acordo e, ao término, submetia tudo aquilo à AGU e a AGU recebia tudo já bem ajustado e não tinha nenhum espaço. Passamos a constatar a importância de um trabalho conjunto entre a AGU e CGU para evitar que lá no final do procedimento alguma nulidade pudesse ser vislumbrada na perspectiva até jurídica e aí culminar com o retrocesso. A grande preocupação ou a maior virtude quando você fala de acordo de leniência é zelar pelo emprego. A gente está vivendo um momento de crise, o número de desempregados no país está aí, é de conhecimento público. E saber distinguir a figura da pessoa física da pessoa jurídica é elementar para que essa pessoa jurídica tenha suas atividades resguardadas e com isso as pessoas consigam manter seu emprego. Acertamos o passo entre AGU e CGU, precisamos avançar porque não vamos conseguir implementar os acordos de leniência se não tivermos, na nossa visão, a presença do TCU e do MPF desde o início do procedimento.
E qual é o impedimento? Por que isso é tão complicado?
Nós sabemos os projetos de lei que estão em andamento, inclusive a AGU apresentou junto ao Congresso uma sugestão dessa ordem, de trazermos já na lei, uma previsão expressa da presença do TCU e do Ministério Público Federal no início desse procedimento. A AGU se posiciona favoravelmente a isso, essa é a nossa visão. Agora, uma presença efetiva que assegure a cada fase do acordo de leniência a segurança efetiva jurídica. Tem uma divisão em fases em relação ao acordo de leniência. A partir do momento que você traz para o início o MP e o TCU, todo esse procedimento vai sendo chancelado por esses órgãos e, ao final, esse acordo é efetivo. Enquanto não tiver isso, não vamos conseguir viabilizar de maneira plena a política expressa na legislação que prevê os acordos de leniência. Precisamos de lei, de um trabalho mais integrado. Eu própria já tive algumas conversas no TCU e também no MPF.
Mas precisa de uma legislação delimitando isso?
A lei aprovada no Congresso traz a segurança necessária, mas nada impede que os órgãos construam algum nível de entendimento, isso é possível, assim como fizemos na AGU e na CGU. É possível que esse entendimento se estenda ao Ministério Público, em algum termo de cooperação, algum protocolo assinado entre as instituições.
A senhora é a favor do foro privilegiado?
Foro privilegiado tem previsão constitucional, foi nosso legislador constituinte originário que estabeleceu. A premissa do foro privilegiado é beneficiar autoridade? Não. A base do foro privilegiado é a prerrogativa relacionada ao cargo. Ele é inerente a determinados cargos que diante da envergadura, do posicionamento no cenário nacional, acaba por exigir uma prerrogativa, não um privilégio propriamente dito. Quando se fala do foro privilegiado, se tem, às vezes, penso eu, uma visão um pouco distorcida, como se o foro privilegiado fosse igual à impunidade.
Mas o foro não se banalizou? A maioria dos ministros do Supremo é contra o foro, por exemplo.
O STF tem buscado imprimir celeridade a esses julgamentos, isso é uma realidade. Um exemplo disso foi o processo que julgou o mensalão. As pautas mais recentes do Supremo atestam isso, não estou falando só de mensalão, mas de outras ações. A associação direta entre foro privilegiado e privilégio para não ser julgado é equivocada. O Supremo tem tentado cumprir o papel dele. Está sobrecarregado? Não tenha dúvida. É uma realidade do Poder Judiciário brasileiro, como um todo. Conhecemos a realidade do Poder Judiciário, mas não que o foro privilegiado em si signifique, efetivamente, um benefício ao acusado.
Mas o número de processos acaba significando prescrição, não?
Os dados anteriores, mais antigos do Supremo traziam isso. Esse colegiado do Supremo, de um tempo para cá, vem nesse esforço de não permitir que tenha a prescrição. Aliás, é a cautela de todo magistrado, é péssimo para ele saber que no seu gabinete acabou acontecendo uma prescrição.
Qual a diferença entre os processos de Lula e de Moreira Franco. Por que duas decisões?
A AGU é uma instituição que representa os Três Poderes da República. Às vezes, as pessoas não compreendem. Quando a Constituição diz lá no artigo 131 que compete à AGU promover a representação judicial e extrajudicial da União, estamos falando do Executivo, Legislativo e Judiciário. É competência da AGU, por força da Lei Complementar , promover a defesa dos atos do presidente da República, assim como também promover a defesa dos atos do presidente da Câmara, do Senado e do STF. Um eventual ato que seja questionado de agentes dos poderes, a lei impõe à AGU o dever de fazer a defesa. O presidente editou um ato que é o de nomeação, a AGU tem a missão de fazer a defesa do ato. A AGU não fez a defesa do ministro A, B ou C, já falando dos casos, fez a defesa do ato do presidente e justamente por ser seu dever. Foi a AGU que fez a defesa do ato de nomeação que a ex-presidente Dilma fez em relação ao ex-presidente Lula. A AGU fez lá e também aqui, agora.
E qual foi a diferença?
Uma situação ensejou o nível de argumentação jurídica e de tese defendida. E a outra, considerando outra situação, buscou outro nível de argumentação. Não estamos defendendo o ministro A ou B, não é essa a discussão. No ato da então presidente da República, a AGU fez a defesa destacando que não se estava diante de um desvio de finalidade e promoveu a defesa do ato dela de nomeação. A presidente da República poderia, está na Constituição a discricionariedade da escolha dela, não havia, naquele momento, nenhuma restrição legal em relação à nomeação. Aqui, o agora ministro já integrava o governo, lá não se tinha essa integração. Não estou com isso dizendo que a defesa lá não foi feita, ela foi, só que a base argumentativa é outra porque a situação fática é outra. É o ato de nomeação de um ministro que já ocupava uma secretaria, que passou a integrar um novo rol de atribuições, que acabou culminando com uma reorganização estrutural. Faculdade do presidente da República de nomear, esse fundamento jurídico, é o mesmo, ele pode fazer sua escolha quando não existe nenhum tipo de restrição legal quanto ao escolhido. Tanto de um quanto do outro, a AGU fez a defesa, só que lá o ex-presidente não integrava o governo. Aqui, o atual ministro já integrava o governo, lá você tinha uma situação que naquele momento ainda não se tinha declaração de legalidade em relação aos diálogos e toda a discussão em relação a documentação. A AGU, ainda assim, fez a defesa. E aqui, você tinha a citação em delações cujo conteúdo não veio a público, não se tem uma certeza porque as citações precisam ser apuradas.
A senhora foi criticada no episódio dos exministros Geddel e Calero...
 Lá não teve ação da AGU. Na prática, nada chegou na AGU, se teve algum nível de desentendimento ou divergência, isso não veio para a AGU, em nenhuma hipótese. Não existe a menor possibilidade que a AGU possa ou tenha um espaço para construir um parecer para favorecer A, B ou C. Quando ela faz um parecer é estritamente dentro daquilo que a legislação estabelece, sempre no interesse público. É competência da AGU dirimir conflitos entre órgãos? Sim. A lei determina que a AGU resolva a divergência. Só no ano passado, a AGU dirimiu divergência em 64 casos para vocês verem que isso é normal, comum.
A senhora não ficou constrangida de ser citada no caso do Geddel?
Fiquei constrangida, indignada, achei a fala totalmente leviana, fiz uma nota na época em que a informação foi colocada, achei de um nível de irresponsabilidade em relação à fala que envolveu a AGU. Ficou um disse que o outro disse, porque os dois mencionaram.
Temer não chegou a dizer que pediu para eles procurarem a AGU?
O presidente da República nunca erra quando ele diz a um ministro dele para procurar a AGU porque é o órgão que vai trazer a ele a segurança jurídica, o que está certo fazer. Mas supor ou construir uma suposição que crie uma nuvem de dúvida em torno da AGU foi leviano, sim. Foi irresponsável sim, eu disse isso abertamente porque a AGU não atua dessa forma, é uma instituição séria, que tem trazido resultados para o Estado brasileiro, representa os Três Poderes da República, tem competência para dirimir conflitos com base na lei. Não há a menor possibilidade que a AGU faça um parecer para beneficiar um projeto particular de uma determinada autoridade. O meu compromisso, ao longo da minha vida profissional, foi trabalhar muito e com seriedade. Sempre tive muito rigor com o que é certo, correto, o norte do meu trabalho sempre foi esse, não é discurso, é real.
A senhora cogitou deixar o posto?
Deixar o posto, não. Eu cheguei a cogitar o ajuizamento de alguma medida judicial, mas logo observei também que aquela percepção, e a forma como aquela situação foi conduzida, acabou levando a um descrédito do que tinha sido dito e aí eu pensei também que não seria apropriado mais um episódio, até porque nossa atuação é sempre muito tranquila. Nada chegou na AGU, para mim, que eu pudesse dirimir conflito entre ninguém. Tivesse o ministro da Cultura, à época, submetido à AGU, ele teria a resposta na forma da lei que é o correto, como nós sempre fazemos. Por que não submeteu? O questionamento também fica, o certo seria encaminhar para a AGU, não há nenhuma imprecisão. O equivocado foi supor, sem nenhum fundamento, que a AGU faria um parecer dirigido, isso é grave porque não temos espaço para isso na instituição.
A senhora disse que o direito é dinâmico. Temos uma presidente cassada que não perdeu os direitos políticos; presidentes de poderes, da Câmara e do Senado, que não podem entrar na linha sucessória; decisão que ministro pode ser ministro sem foro...
O direito é dinâmico e as interpretações em torno do direito são mais dinâmicas ainda. Uma coisa é o dinamismo do direito, outra coisa é o dinamismo das interpretações que acabam sendo dadas pelos magistrados. Faz parte. Estamos vivendo um momento social, econômico, político, em que as nossas bases estão sendo reavaliadas. Os episódios vivenciados no âmbito do Estado brasileiro, em especial nos últimos tempos, acabaram trazendo algum nível de reflexão para todos. É preciso refletir porque não é possível mais conviver com a Corrupção, com a impunidade, com o desvio de Recursos Públicos porque o que beneficia alguém em nível de desvio está prejudicando diretamente a fila do hospital, a pessoa que está morrendo. Cada recurso desviado tem impacto direto na implementação dos direitos fundamentais. Uma verdadeira sequência de episódios, muitos do passado, mas que só estão vindo à luz agora, que deixaram a sociedade perplexa. Não só a população, mas as autoridades constituídas também, a ponto de que muito do que se tem no âmbito do direito, ser objeto de reflexão.
A PM, apesar de proibida de fazer greve, faz. E afronta a sociedade.
Inadmissível. Afronta diretamente a Constituição. A Advocacia-Geral da União inclusive já se manifestou claramente no recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, que o Supremo deve decidir nos próximos dias. O ministro-relator, Edson Fachin, já liberou o processo para pauta de julgamento. Mas a AGU defendeu exatamente isso, não existe espaço para essa greve nesse ambiente. Quando se trata de militares a Constituição é clara, ela veda. O que se vislumbrou ali foi uma total distorção, ilegalidade, inconstitucionalidade que acabou culminando com o algo, que deixou esse nível de perplexidade em todos: o assassinato de 144 pessoas.
Nesse caso da polícia, a senhora acha que o Estado está refém?
Não acho que o estado esteja refém. É preciso rever que quem é responsável pela segurança, as polícias efetivamente cumpram sua missão e seu papel, exemplarmente. Porque isso não pode se espalhar em todo território nacional é um péssimo exemplo.
Em relação a mudanças na LRF, o governo se viu acuado que algo pior pudesse acontecer no Rio?
Não, é um governo muito consciente em relação ao seu papel dentro do federalismo. Se o nosso federalismo é de cooperação, então é preciso que o nosso governo tenha consciência do papel da união neste federalismo. De que forma a união pode vir a ajudar a auxiliar os demais entes. Aliás o próprio Supremo em vários julgamentos vem destacando isso. O nosso federalismo precisa ser revisto, porque os estados precisam ter uma autonomia maior. Ajudar de maneira efetiva os estados, não somente no que se refere a recursos, mas com políticas públicas mais integradas. Veja a questão da Segurança Pública agora: como fechar os olhos para uma realidade que, muito embora um problema local, acabou se estendendo para o âmbito nacional com muita clareza? Ou seja, é preciso que se tenham políticas muito bem integradas entre governo federal, estadual e municipal.
Quantos estados apresentam um caos financeiro?
São poucos, menos de 10 com certeza. A maioria dos estados tem dificuldades mas estão estabilizados. Pagam as contas e em dia, cumprem os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, então assim, tem algum nível de dificuldade, porém não extrapolaram os limites da lei.
A AGU também está buscando resolver o imbróglio dos planos econômicos?
Na época, no início do julgamento, nós tínhamos um impacto aproximado para todo o sistema financeiro nacional algo em torno de R$ 150 bilhões. Essas ações se arrastam há anos. A gente precisa sempre enxergar a realidade. Não dá pra você analisar hoje a luz da realidade presente. Tem que tentar olhar para trás e vislumbrar que naquele cenário de inflação galopante foi fundamental a implementação de um plano fundado na lei. O que quer dizer que a lei estabeleceu e agora vem todos os questionamentos relacionados à correção monetária que já conhecemos. A par de todo esse tempo, essa questão está no Supremo, julgamento iniciado, mas muitas vezes sabemos da dificuldade de se chegar a um termo nessa discussão. Logo que ingressamos na AGU, começamos a dialogar com os atores envolvidos, Caixa, Banco do Brasil, para compreendermos a realidade efetiva. E com isso tentar ali vislumbrar algum espaço para eventual acordo. Esse espaço foi muito bem recebido pelos bancos federais. Depois tive uma conversa com o presidente do Banco Central, levei a ideia para a concepção de um acordo que pudesse colocar fim a todas essas ações com mais celeridade. O presidente do BC sinalizou de maneira muito positiva. Agora, o nosso grande desafio é a interlocução. Porque quem é a entidade que vai representar numa mesa de negociação todos os poupadores? Digamos assim ,o grande obstáculo agora que estamos trabalhando é justamente a interlocução. Já tem alguma proposta construída? Digamos que já tem alguma perspectiva do que seria possível construir, algum nível de desconto, parcelamento. Tudo isso são ações que no âmbito de uma negociação.
A senhora se desfiliou do PSDB?
Na verdade, serei bem franca com vocês, fui surpreendida com essa minha filiação. Estou sendo absolutamente sincera, nunca tive atuação política partidária na minha vida, nunca. Não sei nem como é uma reunião de diretório partidário. Assumi a AGU, tomei posse em um dia, no dia seguinte, o meu assessor chega e diz: “Você já foi filiada?” Disse nunca, pode negar. Nunca fui filiada a nenhum partido político. E não estou mentindo, pedi até para ver a minha ficha, mas me disseram: “não, deixa isso pra lá.” Foi então que disse, já que estou filiada, vou pedir agora a minha desfiliação.
O que a senhora imagina que houve?
Dezenove anos atrás uma ficha de filiação... Não fui atrás para saber ou apurar.
Acha que esse episódio poderia ter atrapalhado uma indicação da senhora para o Supremo?
Não, acho que é público e notório. Os ministros todos ali sabem do meu trabalho, já atuo no Supremo há 16 anos, sempre cuidando das ações da União. E meu trabalho sempre foi técnico. A senhora teve um papel importante na sustentação da Lei Maria da Penha. Sim, sustentei na tribuna do STF a constitucionalidade da Lei Maria da Penha que acho fundamental para a figura da mulher. É disso que falo. Quando fui convidada para esse cargo de Advogada-Geral da União, senti muito reconhecimento, porque nunca tive atuação política. Já fui em algum gabinete pedir algo? Não, nunca fui. Não farei, porque é questão de convicção pessoal, você tem que ser reconhecido pelo seu trabalho. Tem a Lei Maria da Penha, mas tivemos tantos outros. A primeira Reforma da Previdência na emenda 41, a questão da política diferenciada para os deficientes e idosos, várias questões que sustentamos políticas públicas no Supremo.
A senhora acha que esse governo tem muito homem?
Primeiro, em relação a mulher tem a questão cultural muito forte, é tudo um processo, acho que estamos vivendo uma boa fase neste processo. O trabalho da mulher está sendo enxergado, não a mulher pela mulher, digo o trabalho dela. A mulher também pode contribuir sim para a formação de uma sociedade melhor, digamos com a visão dela, forma de trabalho, com a maneira que ela desenvolve suas concepções e a forma de conduzir as ações. Acredito que é um processo, a mulher ainda tem muito que avançar, não tenho dúvida. Mas acho que ela vem conquistando esses espaços. Questionaram como me senti, sendo a única mulher. Lógico que me senti prestigiada, porque foi um trabalho reconhecido. E até me disseram fui colocada só por ser mulher. Não, acho que fui colocada pelo trabalho. O simples fato de ser mulher não te habilita para desenvolver uma função que tem uma importância dessa, como é o cargo de advogada-geral da união. E então digo assim, me senti muito honrada em saber que a gente acaba representando esse número de mulheres que ainda precisam alcançar seus espaços. Vemos uma bancada feminina no Congresso muito ativa, mais ainda em número reduzido. Então vemos nos âmbitos dos Tribunais Superiores a presença feminina? Sim, porém em número reduzido. Ou seja no âmbito dos poderes há uma presença reduzida das mulheres, mas acho que a presença feminina tende a se ampliar.
A mulher tem que trabalhar seis vezes mais para que seja equiparada aos homens?
Acredito. A realidade tem demonstrado isso, estou sendo muito franca. Porque a posição do homem, nada contra a figura masculina, mas como disse, pela questão cultural, os homens acabaram tendo uma facilidade de ocupar os espaços, o que a mulher acabou não tendo. Muitas vezes, para mulher ser vista como alguém que pode também contribuir , ela tem que se desdobrar.
Que conselho a senhora daria para as jovens que pensam em seguir sua carreira, ou mesmo carreira pública e advocacia?
Quando assumi o cargo recebi inúmeras mensagens, algumas me deixaram até emocionada em especial de mulheres, meninas e universitárias inclusive. Algumas diziam que eu era um exemplo para elas. Isso tem um peso adicional para a gente. E o que posso dar de conselho é justamente que o caminho é o estudo. É estudar e trabalhar. Se você trata o trabalho como algo sério mais cedo ou mais tarde o espaço vem.
O Supremo é um sonho?
O STF é o ápice da carreira jurídica de qualquer profissional do direito. Nunca trabalhei para ocupar uma cadeira no STF, sempre trabalhei para fazer o melhor dentro das competências que me foram atribuídas. Ao longo desses 16 anos atuando no Supremo buscando sempre fazer o melhor para defender a União, para defender as políticas públicas e última análise para defender a sociedade. Porque muitas dessas políticas públicas são convertidas em favor do cidadão. Cada um tem o tempo da sua vida. E se a pessoa é chamada a ocupar uma cadeira do Supremo não tem uma opção, tem uma missão.
“Quando se fala do foro privilegiado, se tem uma visão um pouco distorcida, como se o foro privilegiado fosse igual à impunidade”
“A AGU não fez a defesa do ministro A, B ou C, já falando dos casos, fez a defesa do ato do presidente“
“Não é possível mais conviver com a Corrupção, com a impunidade, com o desvio de Recursos Públicos”
Brasília com um pé em Minas
Sou do norte de Minas, de Januária. Vim para Brasília com meus pais, tinha dois anos. Meu pai era funcionário dos Correios, veio transferido para Brasília. Na época, a cidade estava no início. Minha mãe era professora, veio então para lecionar e depois tornou-se funcionária do Ministério do Trabalho, logo depois passou no concurso, virou funcionária do Senado. Mas sabe como mineiro é, nunca perdemos o contato com a terra, sempre esse vínculo forte com Minas. Fiz escola pública até a oitava série, depois o ensino médio, cursei um ano no Marista e dois anos na Católica de Brasília. Fiz o vestibular passei na UDF e cursei. Era estagiária na Terracap. Quando terminei o curso, me convidaram a permanecer como contratada, advogada celetista. Fiquei por cinco anos, depois recebi um convite para assessorar o subprocurador-geral da República por mais cinco anos. Fiz o concurso da AGU, passei e tomei posse. Casei com 21 anos e agora estou caminhando para os 49 anos de idade. Tenho três filhas. No meu trabalho hoje tem hora para começar, mas não tem hora para acabar. Mas quando estou em casa tenho total dedicação às minhas filhas.

Por Ana Dubeux, Leonardo Cavalcanti e Paulo de Tarso Lyra, no Correio Braziliense

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