sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O embate entre a Câmara e o TCU


Em outubro do ano passado, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEMRJ), questionou o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre um acórdão que tratou da celebração de contratos de gestão com organizações sociais por entes públicos, na área de saúde, especialmente se os gastos deveriam ser incluídos nos limites de despesas com pessoal definidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Maia apresentou embargos ao acórdão, pois considerou que houve omissão do Tribunal e obscuridades na decisão.
Vários Estados e municípios alegam que não conseguem manter ou expandir os serviços de saúde, com o argumento de que estão próximos do limite da despesa com pessoal definido na LRF ou até mesmo acima dele. Para Estados e municípios, esse limite é de 60% da Receita Corrente Líquida (RCL). Dos 184 municípios de Pernambuco, por exemplo, 126 prefeituras (68% do total) tinham extrapolado o limite de gasto com a folha em 2015, de acordo com dados do Tribunal de Contas daquele Estado.
Para contornar o problema da impossibilidade de contratação de novos servidores, alguns Estados e municípios estão fazendo contratos de gestão com organizações sociais, sem fins lucrativos, que garantam a manutenção e ampliação dos serviços de saúde. Eles estão sendo bastante usados no Rio de Janeiro e no Distrito Federal.
Maia pede esclarecimento sobre limite de gastos
Os contratos com organizações sociais são constitucionais e regulados pela lei 9.637/1998. O problema, no entanto, está relacionado à forma de contabilização dos gastos dos entes públicos com os contratos. Como são despesas basicamente com pessoal, elas devem ou não ser computadas no limite definido para o respectivo ente público pela LRF? Não há unanimidade de interpretação dos tribunais de contas estaduais e municipais sobre essa questão.

Os tribunais de contas do Distrito Federal e de Mato Grosso entenderam que os gastos de terceirização de serviço envolvendo o componente mão de obra, que caracteriza substituição de servidor e empregado público, devem ser computados no limite de despesas com pessoal do ente contratante, mesmo que sejam dos contratos de gestão.
Já o Tribunal de Contas de São Paulo entendeu que os gastos com contratos firmados com organizações sociais, para a operacionalização do programa de agentes comunitários de saúde, não se enquadram nos limites estabelecidos pela LRF.
Para aumentar a polêmica, recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os contratos firmados por entes públicos com organizações sociais não representam terceirização de serviços (ADI 1923). Com isso, aparentemente, os gastos com organizações sociais ficariam fora dos limites da LRF, que alcançaria apenas os contratos de terceirização.
É indiscutível, no entanto, que a necessidade de manter e ampliar as ações e serviços de saúde não pode levar os Estados e municípios a lançar mão de alternativas contratuais com a intenção de esquivar-se dos limites impostos pela LRF, pois isso pode representar um elevado risco fiscal. Diante da divergências, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado procurou saber qual é a orientação do TCU.
Em seu acórdão, de setembro de 2016, o Tribunal informou à CAS que não há, no âmbito de sua jurisprudência, deliberações que reconheçam como obrigatória a inclusão de despesas pagas a organizações sociais na verificação dos limites com gastos com pessoal. Lembra a decisão do STF e diz que a LRF exige apenas a contabilização dos gastos com contratos de terceirização de mão de obra que se referem a substituição de servidores.
O acórdão diz ainda ser recomendável, em cenário de retração econômica e de insuficiência de recursos, que o gestor público analise todas as opções postas à disposição pela Constituição para o atendimento dos diretos dos cidadãos. Mas adverte que não se pode olvidar dos riscos "que a utilização abusiva desse instrumento pode acarretar ao equilíbrio fiscal do ente federativo". Diante desses riscos e "da omissão da LRF", o TCU diz que compete ao Congresso Nacional "avaliar a oportunidade e a conveniência de legislar sobre a matéria, de forma a inserir ou não no cômputo de apuração dos limites previstos no artigo 19 da lei complementar 101 (a LRF) as despesas com pessoal das organizações sociais".
O presidente da Câmara considera que o acórdão do TCU tem obscuridades e uma omissão. Para ele, a decisão do Tribunal sugere que os gastos com pessoal realizados pela via de contratos de gestão não podem ser contabilizados como despesas de pessoal para os fins dos limites da LRF, a menos que o Congresso edite norma determinando expressamente o contrário.
Nos embargos de declaração que apresentou, Maia pede que o TCU esclareça se os gastos com organizações sociais devem ou não ser computados nos limites. Caso contrário, ele entende que a decisão do Tribunal "pode estimular uma verdadeira corrida às organizações sociais como estratégia de burla ao limite legal de despesas com pessoal, aumentando o risco de 'colapso financeiro'".
A outra "obscuridade" levantada por Maia diz respeito ao fato de o TCU ter considerado a requisição da CAS apenas como uma solicitação de informações. Para ele, a CAS fez uma consulta e, neste caso, a resposta dada pelo Tribunal teria caráter normativo. Ele pede para que o TCU esclareça que a sua decisão não tem caráter normativo e não constitui prejulgamento da tese sobre a inclusão dos gastos das organizações sociais nos limites da LRF.
Por fim, o presidente da Câmara diz que o Tribunal se esquivou de adotar explicitamente uma tese, sugerindo que caberia ao Congresso fazê-lo por meio de alteração na lei. "Se tal raciocínio estivesse correto, os precedentes em âmbito estadual que determinam o cômputo das despesas de pessoal realizadas por meio de contratos de gestão no limite previsto no artigo 19 da LRF implicariam extrapolação da competência das respectivas cortes de contas, ao impor, sem base legal, restrições ao manejo orçamentário por parte do Poder Executivo", diz o texto.
Embora tenham sido apresentados por Maia em outubro do ano passado, os embargos de declaração "estão pendentes de apreciação pelo relator", o Ministro Bruno Dantas, de acordo com o TCU.

Por Ribamar Oliveira, do Valor Econômico/SP