Em outubro do ano
passado, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEMRJ), questionou
o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre um acórdão que tratou da celebração
de contratos de gestão com organizações sociais por entes públicos, na área de
saúde, especialmente se os gastos deveriam ser incluídos nos limites de
despesas com pessoal definidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Maia
apresentou embargos ao acórdão, pois considerou que houve omissão do Tribunal e
obscuridades na decisão.
Vários Estados e
municípios alegam que não conseguem manter ou expandir os serviços de saúde,
com o argumento de que estão próximos do limite da despesa com pessoal definido
na LRF ou até mesmo acima dele. Para Estados e municípios, esse limite é de 60%
da Receita Corrente Líquida (RCL). Dos 184 municípios de Pernambuco, por
exemplo, 126 prefeituras (68% do total) tinham extrapolado o limite de gasto
com a folha em 2015, de acordo com dados do Tribunal de Contas daquele Estado.
Para contornar o
problema da impossibilidade de contratação de novos servidores, alguns Estados
e municípios estão fazendo contratos de gestão com organizações sociais, sem
fins lucrativos, que garantam a manutenção e ampliação dos serviços de saúde.
Eles estão sendo bastante usados no Rio de Janeiro e no Distrito Federal.
Maia pede esclarecimento sobre limite de gastos
Os contratos com
organizações sociais são constitucionais e regulados pela lei 9.637/1998. O
problema, no entanto, está relacionado à forma de contabilização dos gastos dos
entes públicos com os contratos. Como são despesas basicamente com pessoal,
elas devem ou não ser computadas no limite definido para o respectivo ente
público pela LRF? Não há unanimidade de interpretação dos tribunais de contas
estaduais e municipais sobre essa questão.
Os tribunais de
contas do Distrito Federal e de Mato Grosso entenderam que os gastos de
terceirização de serviço envolvendo o componente mão de obra, que caracteriza
substituição de servidor e empregado público, devem ser computados no limite de
despesas com pessoal do ente contratante, mesmo que sejam dos contratos de
gestão.
Já o Tribunal de
Contas de São Paulo entendeu que os gastos com contratos firmados com
organizações sociais, para a operacionalização do programa de agentes comunitários
de saúde, não se enquadram nos limites estabelecidos pela LRF.
Para aumentar a
polêmica, recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os
contratos firmados por entes públicos com organizações sociais não representam
terceirização de serviços (ADI 1923). Com isso, aparentemente, os gastos com
organizações sociais ficariam fora dos limites da LRF, que alcançaria apenas os
contratos de terceirização.
É indiscutível, no
entanto, que a necessidade de manter e ampliar as ações e serviços de saúde não
pode levar os Estados e municípios a lançar mão de alternativas contratuais com
a intenção de esquivar-se dos limites impostos pela LRF, pois isso pode
representar um elevado risco fiscal. Diante da divergências, a Comissão de
Assuntos Sociais (CAS) do Senado procurou saber qual é a orientação do TCU.
Em seu acórdão, de
setembro de 2016, o Tribunal informou à CAS que não há, no âmbito de sua
jurisprudência, deliberações que reconheçam como obrigatória a inclusão de
despesas pagas a organizações sociais na verificação dos limites com gastos com
pessoal. Lembra a decisão do STF e diz que a LRF exige apenas a contabilização
dos gastos com contratos de terceirização de mão de obra que se referem a
substituição de servidores.
O acórdão diz ainda
ser recomendável, em cenário de retração econômica e de insuficiência de
recursos, que o gestor público analise todas as opções postas à disposição pela
Constituição para o atendimento dos diretos dos cidadãos. Mas adverte que não
se pode olvidar dos riscos "que a utilização abusiva desse instrumento
pode acarretar ao equilíbrio fiscal do ente federativo". Diante desses
riscos e "da omissão da LRF", o TCU diz que compete ao Congresso
Nacional "avaliar a oportunidade e a conveniência de legislar sobre a matéria,
de forma a inserir ou não no cômputo de apuração dos limites previstos no
artigo 19 da lei complementar 101 (a LRF) as despesas com pessoal das
organizações sociais".
O presidente da
Câmara considera que o acórdão do TCU tem obscuridades e uma omissão. Para ele,
a decisão do Tribunal sugere que os gastos com pessoal realizados pela via de
contratos de gestão não podem ser contabilizados como despesas de pessoal para
os fins dos limites da LRF, a menos que o Congresso edite norma determinando
expressamente o contrário.
Nos embargos de
declaração que apresentou, Maia pede que o TCU esclareça se os gastos com
organizações sociais devem ou não ser computados nos limites. Caso contrário,
ele entende que a decisão do Tribunal "pode estimular uma verdadeira
corrida às organizações sociais como estratégia de burla ao limite legal de
despesas com pessoal, aumentando o risco de 'colapso financeiro'".
A outra
"obscuridade" levantada por Maia diz respeito ao fato de o TCU ter
considerado a requisição da CAS apenas como uma solicitação de informações.
Para ele, a CAS fez uma consulta e, neste caso, a resposta dada pelo Tribunal
teria caráter normativo. Ele pede para que o TCU esclareça que a sua decisão
não tem caráter normativo e não constitui prejulgamento da tese sobre a
inclusão dos gastos das organizações sociais nos limites da LRF.
Por fim, o
presidente da Câmara diz que o Tribunal se esquivou de adotar explicitamente
uma tese, sugerindo que caberia ao Congresso fazê-lo por meio de alteração na
lei. "Se tal raciocínio estivesse correto, os precedentes em âmbito
estadual que determinam o cômputo das despesas de pessoal realizadas por meio
de contratos de gestão no limite previsto no artigo 19 da LRF implicariam
extrapolação da competência das respectivas cortes de contas, ao impor, sem
base legal, restrições ao manejo orçamentário por parte do Poder
Executivo", diz o texto.
Embora tenham sido
apresentados por Maia em outubro do ano passado, os embargos de declaração
"estão pendentes de apreciação pelo relator", o Ministro Bruno
Dantas, de acordo com o TCU.
Por Ribamar
Oliveira, do Valor Econômico/SP