A apresentação de
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para extinguir o Tribunal de Contas dos
Municípios do Ceará no último mês de dezembro levantou uma discussão entre os
deputados estaduais sobre a atuação e a composição das Cortes de Contas. As críticas
vão da definição política de parte dos conselheiros aos procedimentos de
fiscalização e imparcialidade para realizar as inspetorias. No âmbito nacional,
o tema também foi alvo de discussão, principalmente após o impeachment da
ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) pelas chamadas "pedaladas fiscais",
o que motivou a tramitação da PEC 40/2016 no Senado Federal.
A proposta,
apresentada pelo senador Ricardo Ferraço (PSDB-SP) e ainda em tramitação na
Casa, visa estabelecer um padrão nacional do processo do Controle Externo dos
tribunais de contas. Dentre os argumentos, estão a uniformização de garantias
processuais às partes, menor insegurança jurídica e mais transparência. No
entanto, os presidentes dos Tribunais de Contas do Estado (TCE) e dos
Municípios do Ceará (TCM) - conselheiros Edilberto Pontes e Domingos Filho,
respectivamente - ponderam que a padronização precisa ser cuidadosa para não
engessar ou retirar a autonomia das Cortes de Contas.
Integração
Os principais
argumentos colocados para essa padronização de procedimentos e de auditorias
são de que o Controle Externo seria mais efetivo se houvesse uma maior
integração entre as Cortes de Contas do País e mesmo com outros órgãos de
controle, inclusive com o compartilhamento de informações entre as instituições.
Além disso, a padronização poderia trazer mais segurança jurídica aos
fiscalizados, com a definição de jurisprudências comuns.
O presidente do
TCM, conselheiro Domingos Filho, avalia que a PEC 40 define uma nova lei
orgânica, com um código de padrões para o Controle Externo. "Isso, a meu
juizo, é importante porque aplica o princípio da simetria. Aquilo que se
aplicar ao TCU (Tribunal de Contas da União) se aplica aos outros 34 tribunais
de contas dos estados e dos municípios. A PEC também conduz a que se tenha a
preocupação de que as inspetorias sejam feitas por servidores de carreira. Isso
já é uma prática do TCM-CE", afirma.
Centralização
Presidente do TCE,
o conselheiro Edilberto Pontes avalia que a padronização de alguns
procedimentos gerais é positiva, mas pondera que não se deve centralizar demais
as normas sob o risco de engessar a atuação das Cortes de Contas dos estados e
dos municípios. "O Brasil já é centralizado demais, e pouca margem se
deixa para os estados. Hoje, cada Tribunal de Contas de Estado tem a sua lei
orgânica. Isso às vezes tem desvantagens, mas a desfederalização deve ser
perseguida", diz.
Para Edilberto, é
preciso deixar margens para que os próprios estados levem em conta as suas
particularidades. "Uma lei que se aplica a um município grande como São
Paulo nem sempre é interessante a uma cidade pequena como Ipueiras. A Lei de
Responsabilidade Fiscal é um exemplo disso. Acho que temos que olhar com muito
cuidado para não engessarmos os tribunais de contas e deixar que tudo seja
definido em Brasília. Isso não seria um avanço e sim um retrocesso",
argumenta.
Uma das
justificativas colocadas pelo senador Ricardo Ferraço é de que a padronização
dos procedimentos e jurisprudências reduziria a insegurança jurídica, evitando
que decisões dos tribunais fossem parar no Supremo Tribunal Federal (STF). O
presidente do TCE, porém, afirma que, de uma maneira geral, não há tantas
diferenças em termos de processos e procedimentos dos tribunais e que não há
casos frequentes enviados ao Supremo Tribunal. Para ele, a grande vantagem que
se fala da padronização seria dar mais previsibilidade aos advogados, que fazem
a defesa de gestores em diferentes estados.
Regimento
"Nisso tenho
acordo, mas não vamos jogar fora a característica de descentralização. Nossos
processos têm que ser iguais aos do TCU? Ao dos tribunais de contas de São
Paulo? Grande parte da ideia é trazer um regimento interno igual nas Cortes de
todos os lugares. Acho que podemos padronizar algumas coisas gerais, mas sem
engessar", defende Edilberto Pontes.
O conselheiro
Domingos Filho, por sua vez, acredita que padronizar algumas normas do Controle
Externo não deve significar, na prática, uma padronização das decisões.
"Os tribunais continuam autônomos para decidir naturalmente e de forma
independente. Uma padronização de normas e procedimentos vai levar a ter mais
transparência e mais comunicação entre os tribunais, levando naturalmente a um
quadro seguinte que seria uma uniformização de algumas jurisprudências. Isso
tende a afastar ações contra decisões dos tribunais ou ações diretas de
inconstitucionalidade, mas cada Tribunal deve continuar tendo liberdade nos
seus entendimentos", explica.
Conforme a PEC 40,
a padronização dos procedimentos dos tribunais de contas do País tornaria
possível criar um sistema unificado - com o compartilhamento de informações e
de procedimentos - e um diálogo maior entre as Cortes, oferecendo menos
insegurança jurídica. Do ponto de vista da atuação, o conselheiro Edilberto
Pontes afirma que já existe um diálogo intenso entre os presidentes das Cortes
de Contas, inclusive com o compartilhamento de uma série de experiências
bem-sucedidas em alguns estados.
Convênios
"Fizemos
recentemente um convênio com o Tribunal de Contas do Espírito Santo, que tem o
melhor manual de consultoria do Brasil. Pedimos que fornecessem pra gente para
adaptarmos à nossa realidade. Estamos utilizando já. Toda hora também estamos
fornecendo nossas experiências a outros estados. A interação é muito intensa
nesse sentido. Agora, não podemos seguir tudo, temos que se levar em conta as
especificidades de cada lugar. A gente fala em federalismo, mas na prática não
tem", diz Edilberto Pontes.
Já o conselheiro
Domingos Filho afirma que a relação entre os tribunais de contas se dá
principalmente por meio das entidades que congregam as Cortes. "Essa
relação existe, mas através das entidades. Ela não tem um instrumento normativo
que facilite essa integração, por exemplo. Acredito que poderia ser facilitado
o intercâmbio entre os tribunais, mas isso não quer dizer que as Cortes deixem
de ter autonomia para decidir, mesmo que haja entendimentos diferentes em
outros estados", opina o presidente do TCM.
Um dos pontos que
costumam ser alvo de críticas em relação às Cortes de Contas é a presença de
ex-políticos e o questionamento sobre a independência deles para julgar contas
de gestores aos quais já foram aliados. A PEC 40/2016 busca contemplar esse
debate ao prever servidores de carreira em espaços estratégicos dos tribunais,
como as inspetorias e auditorias.
Interferências
Sobre essa questão,
Domingos Filho, que também já foi deputado estadual, afirma que não há
interferência na atuação. "Veja o caso do Supremo. Dos 11 membros, sete
foram indicados pelos governos do PT. E esses mesmos juízes prenderam várias
pessoas do Partido dos Trabalhadores. Esses cargos são vitalícios justamente
para dar a independência necessária ao julgador, para que o juiz não fique
rendido", alega o presidente do TCM.
Edilberto Pontes,
por sua vez, vê um tom corporativista na proposta de emenda constitucional que
tramita no Senado. "Quem elaborou a proposta apresentada pelo senador foi
uma entidade de servidores do TCU (Tribunal de Contas da União). Em geral,
todas as categorias querem estar na Constituição. Acredito que esta seja uma
PEC corporativista, com a categoria querendo se fortalecer. Este é um ponto a
ser observado", opina o presidente do TCE.
Já Domingos Filho
acredita que é positivo manter servidores de carreira em cargos estratégicos,
algo que ele diz já ocorrer nas inspetorias do TCM. Sobre a composição dos
tribunais de contas, o conselheiro lembra que as mudanças precisariam ser
feitas na Constituição Federal e aplicadas em todas as Cortes. "Concordo
que o modelo deve ser aperfeiçoado com emenda à Constituição Federal. Como? Não
existe vaga de conselheiro do parlamento? Então que ele não só escolha, mas
faça consultas públicas, que as instituições indiquem o nome e que esse nome
passe por sabatinas públicas", diz.
Leis orgânicas
A organização,
composição e competências de todos os Tribunais de Contas do Brasil estão
definidas na Constituição Federal, o que já garante relativa uniformidade no
âmbito nacional. Isso significa que a lei já determina que os Tribunais de
Contas dos estados e dos municípios adotem o modelo federal de composição,
embora com quantidade menor de conselheiros. Enquanto o TCU é composto por nove
ministros, demais cortes devem ser integradas por apenas sete.
A padronização está
na escolha dos conselheiros. Dessa maneira, o entendimento é de que há cotas
para escolha do governador, da Assembleia Legislativa e dentre os quadros
internos das Cortes. Já os pontos mais específicos da atuação dos Tribunais de
Contas - como por exemplo o trâmite dos processos - são regulados por leis
orgânicas aprovadas no âmbito dos respectivos estados. Conforme defende o
presidente Edilberto Pontes, essa legislação estadual é importante para que a
atuação das Cortes possa ser desenvolvida de acordo com as especificidades de
cada região.
Pedaladas fiscais
A PEC 40/2016 foi
proposta pelo senador Ricardo Ferraço ainda durante a discussão do impeachment
de Dilma Rousseff. Na época, o foco era evitar a prática de "pedaladas
fiscais" - que são atrasos no repasse de recursos federais para bancos
para maquiar as contas do governo -, com a criação de mecanismos para ampliar a
integração entre o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Poder Legislativo.
Conforme a proposta, a Corte passaria a ser obrigada a compartilhar com o
Congresso o resultado da avaliação periódica de variáveis econômicas que podem
comprometer o resultado fiscal.
Mas a PEC 40 acabou
sendo ampliada porque, conforme o autor, há a necessidade de uma lei
complementar nacional para regular a organização do TCU e orientar o
funcionamento dos demais tribunais de contas de todo o País. "Essas
instituições de fiscalização na esfera de Controle Externo devem se organizar
de forma simétrica em todo o País, com a devida neutralidade políticopartidária
e independência em relação àqueles que serão fiscalizados", afirma Ferraço
na justificativa da matéria.
A composição e
mesmo as competências das Cortes têm sido debatidas pelos deputados cearenses
desde o ano passado, quando o deputado Heitor Férrer (PSB) apresentou uma PEC
na Assembleia Legislativa do Ceará para extinguir o TCM sob o argumento de
trazer economia aos cofres estaduais neste momento de crise econômica.
Parlamentares e
conselheiros do Tribunal com posição contrária à proposta argumentaram que a
PEC estava sendo usada pela base governista e que o apoio à extinção do TCM
tinha motivação política. A proposta chegou a ser aprovada e promulgada, porém
foi suspensa no Supremo Tribunal Federal, após ação que argumenta a sua
inconstitucionalidade.
PEC 40/2016
Criação de um
Padrão nacional do processo do Controle Externo dos tribunais de contas do País
Uniformização das
garantias processuais às partes
Organização
simétrica das Cortes de Contas no Brasil
Criação de uma rede
de controle da administração pública, com uniformização dos processos e
procedimentos
Maior integração
entre tribunais de contas e o Legislativo com o compartilhamento do resultado
da avaliação periódica de variáveis econômicas que podem comprometer o
resultado fiscal
Prazo de 60 dias
para o Congresso votar as contas do Presidente da República
Vedação à criação
de mais de um tribunal de contas no âmbito de cada Estado
Por Beatriz Jucá,
no Diário do Nordeste/CE
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