terça-feira, 18 de julho de 2017

Propostas para blindar os tribunais de contas


Escancarada pelo caso do Rio de Janeiro este ano, a crise dos tribunais de contas deve impulsionar uma reforma de normas constitucionais tentada há 10 anos. Desde 2007, cinco propostas de emenda à Constituição (PECs) foram apresentadas para blindar esses órgãos contra influências político-partidárias.
Os tribunais, ligados ao Poder Legislativo, fiscalizam a aplicação de Recursos Públicos e julgam as contas dos governos da União, dos estados e dos municípios. Seus juízes, chamados de ministros no Tribunal de Contas da União e de conselheiros nos demais, deveriam ser pessoas exemplares no cuidado com o dinheiro do povo. Mas nem todos são.
O caso recente mais chocante é o do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ), que teve afastados, por ordem da Justiça, seis dos sete conselheiros. Um delatou e cinco chegaram a ficar em prisão temporária por suspeita de receber propina para fazer vista grossa a irregularidades na gestão do ex-governador Sérgio Cabral, que também foi parar na cadeia.
Nenhuma das PECs chegou ainda ao fim da fase preliminar de tramitação no Congresso, em que se analisa a constitucionalidade. Mas cresceram as chances de a tramitação deslanchar, ressalvado o risco de demora por causa do atual ambiente político. É que os próprios ministros e conselheiros de contas decidiram, por meio da associação que os representa, entrar na briga pela reforma para dar um basta aos que desonram a classe.
A decisão resultou na PEC 22/2017, apresentada em maio deste ano pelo senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), a pedido da Associação de Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon). O texto propõe submeter ministros e conselheiros a controle disciplinar de um órgão externo para prevenir e punir desmandos.
A criação do Conselho Nacional de Tribunais de Contas (CNTC), que exerceria tal controle, já estava na PEC 30/2007, a mais antiga das cinco, apresentada há 10 anos pelo então senador Renato Casagrande (PSB-ES), a pedido da Federação Nacional das Entidades de Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc).
Bispo
Os tribunais têm corregedorias, que deveriam fazer o que se pretende com o CNTC. Mas 'sabe a expressão vá reclamar com o bispo? Pois é. Quando precisamos afastar ministro ou conselheiro, temos que ir ao Judiciário, pois as corregedorias em geral não funcionam', diz Amauri Perusso, presidente da Fenastc. Valdecir Pascoal, presidente da Atricon, confirma a situação.
O órgão de controle dos tribunais de contas seria, não o CTNC, mas o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que hoje já fiscaliza membros do Poder Judiciário, se a opção do Congresso fosse pela PEC 329/2013. A proposição foi apresentada pelo deputado Francisco Praciano (PT-AM) a pedido da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCon).
A solução, supostamente mais barata, por aproveitar órgão existente, tem apoio da Associação Nacional de Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC). Lucieni Pereira da Silva, diretora da entidade, argumenta que, mesmo sendo ligados ao Poder Legislativo, os juízes de contas gozam das mesmas prerrogativas e garantias dos juízes do Poder Judiciário.
Além de ver interferência entre poderes na PEC 329/17, a Atricon pondera que o CNTC não vai aumentar gastos públicos porque terá sede no TCU, suas reuniões serão preferencialmente virtuais, pela internet, e as despesas de viagens de seus integrantes serão custeadas pelas entidades com assento no conselho.
Duas PECs tentam assegurar independência funcional para os auditores de Controle Externo, definindo melhor e padronizando, em nível nacional, atribuições, prerrogativas, impedimentos e nomenclatura da carreira, que é o pilar central da atuação técnica dos tribunais de contas.
Corrupção
A independência da função de auditoria, prevista na PEC 75/2007, tira dos maus conselheiros a possibilidade de praticar corrupção 'vendendo' ou 'engavetando auditorias', explica Amauri Perusso, da Fenastc. Foi da entidade que saiu o texto da proposta, apresentada pela deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).
Também trata mais profundamente da questão a PEC 40/2016, apresentada pelo senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), a pedido da ANTC. Lucieni Pereira da Silva, diretora da entidade, explica que ela vai coibir que carreiras técnicas de apoio façam trabalho que deveria ser exclusivo de auditor. Na visão dela, os desvios de função são risco sério na medida em que abrem brechas para questionamento judicial do trabalho dos tribunais de contas por parte de autoridades fiscalizadas.
Interpretações
As propostas da ANTC, Atricon e AMPcon atacam ainda a falta de padronização de normas processuais internas dos tribunais. A ideia é que o Congresso aprove, a partir de anteprojeto do TCU, uma Lei Nacional Processual de Contas, aplicável aos 34 tribunais. Hoje, cada um tem a sua. A nova lei será uma espécie de 'Código Processual Civil (CPC) de Contas, segundo as entidades.
A padronização reduz espaço para interpretações que beneficiem maus gestores do dinheiro público na instauração, tramitação e julgamento de processos de fiscalização.
A PEC 22/2017 prevê, ainda, a criação, no âmbito do CNTC, de uma câmara de uniformização de jurisprudência sobre matérias julgadas pelos 34 tribunais de contas existentes no país. Valdecir Pascoal, da Atricon, destaca que isso é importante para pacificar, por exemplo, divergências sobre a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Maior espaço para concursados
A mudança na composição dos colegiados dos tribunais de contas também é um dos pilares da reforma constitucional proposta para blindar esses órgãos contra pressões políticopartidárias. A PEC 22/2017 tira dos políticos o poder de indicar a maioria das vagas, muitas das quais, ocupadas por eles mesmos.
Atualmente, parlamentares e chefes de governo escolhem cinco dos nove ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) e quatro dos sete conselheiros de cada um dos demais tribunais. A proposta é inverter a maioria, reservando a maior parte dos colegiados para os eleitos entre profissionais de carreiras técnicas dos tribunais.
A vaga de livre escolha de chefes do Poder Executivo (presidente da República, governadores, prefeitos) simplesmente acabaria. E as de indicação do Poder Legislativo (Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores) seriam reduzidas. Assim, se abriria espaço para aumentar a participação de indicados pelas carreiras de ministro substituto e de conselheiro substituto, que também são servidores concursados.
Auditores, que hoje não têm, passariam a ter uma vaga assegurada, também por indicação de seus pares. Na essência, a Associação Nacional de Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) apoia a mudança de composição dos colegiados. Mas recusa a oferta de cadeira cativa para seus representados. Prefere que a vaga seja preenchida por indicação de entidades da sociedade civil, como a Ordem de Advogados do Brasil (OAB). 'Quem fiscaliza não pode julgar os processos de fiscalização', explica Lucieni Pereira da Silva, diretora da ANTC.
Filtros
Três das PECs apresentadas, a 22/2017, a 329/2013 e a 75/2007, ainda preveem filtros mais rigorosos quanto à habilitação dos indicados. Um exemplo é a exigência de 'quarentena' para políticos. Pela PEC 22/2017, só poderão fazer parte dos colegiados políticos que não tiverem exercido mandato eletivo nos três anos anteriores. Os que foram ministros ou ocuparam outro cargo de gestão em governos não poderão ser indicados se tiverem tido contas reprovadas.
Como forma de aferir os 'notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública' já previstos na Constituição, propõe-se ainda exigir graduação e experiência em uma dessas áreas. Hoje, profissionais de qualquer área e sem graduação superior podem ser indicados.
A falta de norma sobre critério de aferição abre espaço para que qualquer político com 10 anos de mandato eletivo, de qualquer área profissional e mesmo sem escolaridade superior, vire membro de tribunal de contas. O exercício de mandato eletivo por si só é interpretado como notório conhecimento de 'administração pública', expressão que abre a brecha.
Pedaladas
A preocupação de prevenir problemas como as 'pedaladas fiscais' que resultaram no impeachment da presidente Dilma Rousseff também aparece nas PECs sobre os tribunais de contas. A PEC 40/20016 prevê compartilhamento mais rápido de informações pelo TCU sempre que processos de fiscalização detectem indícios ou fatos que comprometam as metas fiscais do governo. A ideia é que, assim, TCU, Congresso e Ministério Público formem uma rede de vigilância permanente da política fiscal. Hoje, o TCU só disponibiliza os resultados das fiscalizações após os processos passarem pelo plenário do tribunal. (MI)
Políticos de carreira
Segundo um levantamento publicado em 2016 pela ONG Transparência Brasil, os membros dos tribunais de contas são, majoritariamente, ex-políticos de carreira, pois 80% ocuparam cargos eletivos ou de destaque na alta administração pública antes de sua nomeação. De acordo com o estudo, 23% deles sofreram processos ou receberam punição na Justiça ou nos próprios tribunais.

Mônica Izaguirre, especial para o Correio Braziliense

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