O custo fiscal do
BNDES, o que é pago pela sociedade, triplicou entre 2007 e 2016. Quem pegou
dinheiro a TJLP, durante a alta recente da inflação, chegou a pagar juros reais
negativos, de -4%. Só para Belo Monte foram dedicados R$ 22,5 bilhões, mais
recursos do que para o financiamento de rodovias em 10 anos. Os dados são do
Livro Verde, em que o banco se defende das críticas.
Há um erro original
nesta discussão. O banco reage como se fosse ofensivo duvidar das decisões
tomadas por seus gestores, como se todo funcionário estivesse sob suspeição.
Numa democracia, qualquer órgão público está submetido ao escrutínio das
instituições e tem que prestar contas. O presidente do BNDES diz que o livro é
uma prestação de contas. Na verdade, é uma defesa da ideia de que o banco nunca
errou.
O tom do livro é
técnico, mas tem premissas equivocadas. O objetivo da apresentação de Paulo
Rabello de Castro é o de ficar bem com os 'benedenses', o que ele conseguiu.
Acusou as críticas de serem 'pós-verdade' e abonou todas as ações do banco ao
longo de seus 65 anos de história. Afirmou que 'resta claro e inequívoco que o
BNDES nunca desperdiçou recursos preciosos do povo nem jamais os aplicou de
forma temerária'. Nas entrevistas, foi além e defendeu até a ditadura.
No governo militar,
o banco fez empréstimos com taxas de juros pré-fixadas, numa inflação em
escalada, que acabou transferindo bilhões aos seus devedores. Colocou recursos
em empresas falidas. Apostou em campeões que acabaram no cemitério das
empresas. Isso é História do Brasil e não pósverdade. No período recente, as
controversas hidrelétricas da Amazônia, Jirau, Santo Antônio e Belo Monte,
receberam R$ 40 bilhões. O livro sustenta que os projetos eram para garantir a
'modicidade tarifária'. Esse é um jargão do governo Dilma, que, com ele, criou
uma crise no setor elétrico.
Ele chamou de
'fantasiosa' a afirmação de que houve uma política de campeões nacionais. Isso
era dito abertamente. Luciano Coutinho chegou a afirmar que a política foi
deixada de lado por falta de candidatos a campeões. Paulo Rabello precisa
conversar com a realidade.
De acordo com o
Livro Verde, os empréstimos tinham o custo fiscal de 0,3% do PIB ao ano em
2007, foi a 0,6% durante a crise e chegou a 0,8% em 2015, e 0,9% em 2016, nas
contas que o banco fez. Pode ser muito mais, porque os dados precisam ser
explicados. Quanto custou ao Brasil se endividar em meio trilhão de reais para
financiar o banco? O ministro Meirelles fala em R$ 117 bilhões em dez anos de
subsídios. Quanto custou sub-remunerar o dinheiro do FAT e do PIS/Pasep? Qual
foi o custo de oportunidade?
O banco escondeu
certas informações até de órgãos controladores, como Ministério Público e TCU,
sob o argumento de que são dados protegidos por sigilo bancário. Quem usa 100%
de dinheiro público pode usar esse biombo? No livro, o banco expõe dados
agregados, mas a natureza das operações continua nebulosa.
O TCU tem tido
dúvidas razoáveis em relação a operações feitas com o JBS. Algumas vão se
esclarecendo, outras permanecem. Por exemplo: em 2008, o banco aportou quase R$
1 bilhão no grupo, através de debêntures, para o grupo comprar a National Beef,
nos Estados Unidos. A operação foi proibida pelos órgãos de defesa da
concorrência americana. Em vez de exercer a opção de pegar o dinheiro de volta
- já que a compra não foi realizada - o banco optou por deixar o dinheiro com o
JBS. Fez um aditivo ao contrato, dando tempo até 2010 para que o grupo
comprasse o ativo que quisesse no exterior. O TCU e a Polícia Federal acham que
isso não faz sentido. E não faz.
É injusto falar que
o JBS foi financiado para virar um 'campeão nacional'. A maioria das operações
foi para comprar ativos no exterior, ampliá-los e criar emprego em outros
países. Nesse aspecto, o sentido do apoio foi bem diferente do que foi dado a
outro controverso empresário, Eike Batista, que bem ou mal investiu no Brasil.
E quando diz quanto foi transferido ao JBS é preciso trazer a valor presente.
Como sabem os economistas, o valor nominal é enganoso. O BNDES é importante
para o Brasil, não é isso que se discute. Mas pode e deve ser questionado,
porque é assim que acontece nas democracias.
Os pontos-chave
1. Segundo
relatório do BNDES, custo fiscal do banco ao Tesouro triplicou em 10 anos
2. Empréstimos do
banco a empresas chegaram a ter juros reais negativos de 4% em algumas linhas
3. Somente o
projeto de Belo Monte recebeu mais recursos do que os aportes em rodovias em 10
anos
Por Miriam Leitão, em O Globo