terça-feira, 4 de julho de 2017

A estratégia de esvaziar os órgãos de fiscalização

Como o governo Temer desidratou o Ministério da Transparência
Temer e Torquato Jardim durante a posse deste no Ministério da Transparência, em junho de 2016

Criada em 2001 no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e fortalecida em 2003, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Controladoria-Geral da União (CGU) atravessa um momento de enfraquecimento e declínio do seu papel desde que Michel Temer (PMDB) chegou ao Planalto.
Transformada no Ministério da Transparência e Controladoria-Geral pelo atual governo, a CGU tem como função o combate à corrupção, fraude e defesa do patrimônio público, e várias ações desenvolvidas pelo órgão nas últimas gestões vinham sendo objeto de reconhecimento internacional.
Dados do relatório de gestão da CGU de 2016 confirmam que houve redução de atividades de fiscalização e auditorias em relação ao ano anterior. O número de municípios fiscalizados, por exemplo, caiu de 105 para 67. As auditorias nos municípios, até 2015, eram feitas parte por sorteio aleatório e parte por "matriz de vulnerabilidade", em cidades com indícios de irregularidades.
As auditorias anuais de contas, em que a CGU fiscaliza a gestão dos administradores públicos, foram reduzidas de 345 em 2015 para 300 - isso considerando 2016 e os primeiros cinco meses de 2017. Também as auditorias de tomadas de contas especiais tiveram queda substancial, de 2.638 para 1.335 em um ano e meio.
Nessas auditorias verifica-se, por exemplo, se contratos e Licitações estão regulares. Caso os Recursos Públicos não estejam sendo devidamente aplicados, as auditorias criam caminho para recuperar o dinheiro. Em 2015, ao identificar falhas e propor correções em políticas públicas, a CGU gerou 2,3 bilhões de reais em benefícios financeiros - um dinheiro que poderia ter ido pelo ralo sem a devida fiscalização.
Além de coibir o desvio do dinheiro público, a CGU também atua na verificação da conduta de servidores. Em 2015, 41 servidores públicos foram destituídos de cargos em comissão (que são ocupados por indicação política, normalmente), por irregularidades. Em 2016, foram 40 destituições. Em 2017, até a primeira quinzena de junho, esse número foi de apenas cinco afastamentos.
O relatório de atividades da CGU em 2016 já foi concluído e encaminhado ao Tribunal de Contas da União. De acordo com o Ministério da Transparência, somente após a análise do TCU é que o documento será publicado na íntegra, mas as informações podem ser consultadas também nas prestações de contas do presidente da República.
O ministério argumentou, por intermédio da assessoria de comunicação, que o ajuste fiscal promovido pelo governo levou à redução no orçamento da pasta e que por isso algumas das atividades tiveram que ser readequadas, mas disse que não houve redução do compromisso com o combate à corrupção.
Política e corrupção
Desde o início da gestão Temer o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral tem sido alvo de polêmicas. O primeiro ministro indicado pelo presidente para o cargo, Fabiano Silveira, permaneceu exatos 20 dias na função.
Silveira era funcionário de carreira do Senado e chegou ao cargo de conselheiro no Conselho Nacional de Justiça por indicação do senador Renan Calheiros (PMDB-AL). O mesmo padrinho político lhe garantiu a indicação para o cargo de ministro.
Flagrado em áudio em que conversa com Calheiros e o ex-presidente da Transpetro Sergio Machado sobre a Operação Lava Jato, Silveira não resistiu no cargo após criticar a postura de procuradores que atuam nas investigações. Seu sucessor foi Torquato Jardim, hoje titular do Ministério da Justiça.
Advogado, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral e amigo do presidente Temer, Jardim foi remanejado para a Justiça em meio à enorme ansiedade de grande parte da classe política brasileira com os rumos da Lava Jato.
Uma das possibilidades aventadas é que Torquato Jardim poderá promover alterações no comando da Polícia Federal, o que o ministro não confirmou nem descartou categoricamente.
O ministro desalojado da Justiça, o deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR), seria transferido para a Transparência, mas rejeitou a oferta de Temer. Parlamentar ligado à bancada do Agronegócio, Serraglio teve seu nome citado na Operação Carne Fraca, em que foi investigado esquema de irregularidades na fiscalização de frigoríficos brasileiros.
O ministro atual, Wagner Rosário, é servidor de carreira da CGU desde 2009 e segue no posto como interino. "Quando houver uma definição sobre a nomeação [do novo ministro], será anunciada prontamente", informou a Secretaria de Imprensa (Secom) da Presidência da República.
A Presidência da República disse, também por intermédio da Secretaria de Imprensa, que não faria comentários sobre os riscos de uma nomeação política comprometer a autonomia e independência do órgão que deve fiscalizar atos de corrupção.
Crítica internacional
A crise política e os rumos dados à CGU já fizeram a Transparência Internacional, organização mundial de combate à corrupção, pedir a renúncia de Temer. Servidores da pasta também têm manifestado incômodo com a politização da CGU num grave momento político do Brasil.
De acordo com Bruno Brandão, representante brasileiro da Transparência Internacional (TI), "o diálogo e a cooperação com a sociedade civil diminuíram e se deterioram" nas últimas gestões do atual ministério.
"A CGU sempre foi o principal ponto de contato e cooperação da Transparência Internacional com o governo brasileiro. Esta boa relação vem desde sua criação. No entanto, a partir da nomeação do ex-ministro Fabiano da Silveira, percebeu-se uma drástica mudança na gestão do órgão", relata Brandão.
As gravações em que o ex-ministro foi flagrado dando instruções a políticos investigados em como driblar a Lava Jato, segundo o membro da Transparência Internacional, foram um "episódio lamentável". Na ocasião, a TI suspendeu o diálogo com o ministério.
Em relação a Torquato Jardim, diz Bruno Brandão, não há nada que o desabone, mas a nomeação significou a continuidade de uma orientação do governo Temer "de colocar na liderança da pasta nomes sem qualquer histórico ou realizações na luta contra a corrupção e na promoção da integridade".
O então ministro, continuou o representante da TI, "nunca havia atuado na área e, ao contrário de seus predecessores, não buscou qualquer diálogo e cooperação com a sociedade civil".

Por Beto Barata, na Carta Capital

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