Acerto
de contas com os tribunais
No aniversário de
Jorge Picciani em 2008, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro encontrou-se com o então governador Sérgio Cabral, com quem travava uma
disputa aberta, pela imprensa, a mais grave que tiveram e que durava oito
meses, sobre os destinos do PMDB fluminense. Cabral convidara o então deputado
federal Eduardo Paes para sair do PSDB, onde era secretário-geral nacional,
para concorrer à prefeitura do Rio pelo PMDB. Cioso da preservação de seu
espaço no partido, Picciani levantou-se contra a candidatura de Paes.
Para reforçar sua
posição, fez uma aliança tática com o então deputado federal Eduardo Cunha para
barrar as pretensões de Cabral. O duelo entre os pesos-pesados do PMDB do Rio
só seria resolvido no almoço de 25 de março organizado na residência do atual presidente
do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Aloysio Neves, então chefe de gabinete
que o aniversariante Picciani herdara ao suceder Cabral na presidência da
Assembleia Legislativa.
Nove anos se
passaram e todos estes personagens estão encalacrados com a Justiça, depois que
a operação "O Quinto do Ouro" da Polícia Federal prendeu na
quarta-feira cinco dos sete conselheiros do TCE fluminense, levou Picciani a
depor coercitivamente e retomou o debate sobre a politização dos tribunais de
Controle Externo no país.
Da casa de Neves,
Picciani e Cabral só sairiam com as contas acertadas, por bem ou por mal. E
assim se fez. O grande projeto de poder que os dois "capos" do PMDB
do Rio haviam desenhado seria mantido. Anfitrião da reconciliação, o advogado e
jornalista Aloysio Neves é oito anos mais velho que Picciani e 16 do que
Cabral. Nunca exerceu um cargo eletivo, mas vem de uma tradicional família de
funcionários públicos que lhe permitiu ser considerado alguém com "grande
visão política". Ingressou no serviço público aos 19 anos e trabalhou nos
gabinetes dos governadores Negrão de Lima, Chagas Freitas e Faria Lima.
Foi por suas mãos
que o jovem Serginho Cabral se iniciou na administração pública, em 1987, na
TurisRio, empresa pública voltada à promoção do turismo no Estado. Quatro anos
antes, Neves havia sido preso quando a Polícia Civil encontrara 200 gramas de
cocaína em seu apartamento em Ipanema. Nada que o impedisse de acompanhar a
ascensão política do ex-subordinado. Em 1991, quando Cabral chegava à Assembleia,
Neves foi rapidamente guindado para ser assessor técnico-legislativo do
recém-eleito deputado. Quatro anos depois, subia mais um degrau, ao assumir
como chefe de gabinete da
presidência da Assembleia, posto que ocuparia por 16 anos consecutivos - oito
com Cabral e oito com Picciani. Com tantos serviços prestados, a fidelidade foi
recompensada com a indicação, em 2010, para o Tribunal de Contas do Estado.
23%
dos integrantes de TCU, TCEs e TCMs são alvos de processo
Aloysio Neves era
(ou é) presidente de um TCE que foi implodido pela operação da PF e que
estendeu o caos fiscal e político do Rio ao campo institucional. Seus colegas
de Corte que o acompanham na cadeia seguem a mesma lógica de recrutamento dos
tribunais de contas Brasil afora: vêm do mundo político. Domingos Brazão foi
vereador e deputado estadual; José Gomes Graciosa foi vereador e prefeito em
Valença e deputado estadual; José Maurício de Lima Nolasco exerceu cargos de
direção em órgãos nas três esferas de governo e ocupou a presidência da Cedae;
Marco Antonio Alencar foi deputado estadual, chefe do Gabinete Civil e, mais
importante, é filho do governador Marcello Alencar, morto em 2014.
É uma composição
que espelha o perfil dos conselheiros das 34 cortes do país - do Tribunal de
Contas da União (TCU), passando pelos 27 tribunais dos Estados (TCEs) e do
Distrito Federal, os Tribunais de Contas dos Municípios dos Estados (Pará,
Goiás, Ceará e Bahia) até os dois TCMs dos municípios de São Paulo e Rio de
Janeiro. Autor de uma tese de doutorado sobre o assunto, o cientista político
Marco Antonio Carvalho Teixeira, da FGV-SP, afirma que o caso do Rio surpreende
apenas pelo tamanho. Não pela novidade, pela gravidade da influência política
ou pelo envolvimento dos conselheiros em escândalos.
Mesmo em extensão, Teixeira lembra que, em
2014, o Superior Tribunal de Justiça afastou cinco dos sete conselheiros do TCE
do Amapá. No mesmo ano, em São Paulo, Robson Marinho, chefe da Casa Civil na
administração Mario Covas, foi afastado da Corte, suspeito de receber propina
da Alstom. "Ele saiu da articulação do governo para a fiscalização desse
mesmo governo. É preciso que o recrutamento para os tribunais de contas tenha
mais distanciamento da política. Hoje, você pode dormir ministro e acordar fiscal
do presidente", critica.
Foi o que aconteceu
com José Múcio Monteiro, entre os dias 21 e 22 de setembro de 2009. Deixava de
ser ministro das Relações Institucionais de Lula para entrar no TCU.
Teixeira cita o
detalhado estudo apresentado, no ano passado, pela Transparência Brasil, que
mostra o perfil dos 233 integrantes de tribunais de contas pelo país. Cerca de
80% ocuparam cargos eletivos ou de destaque na alta administração pública (como
o de dirigente de autarquia ou secretário estadual), 23% são alvos de processos
ou já receberam punição da Justiça e 31% são parentes de políticos. Nos TCEs de
Alagoas e Rio Grande do Norte, 85% dos conselheiros tinham grau de parentesco
com políticos no momento da pesquisa.
Para Marco Antonio
Carvalho Teixeira, há duas grandes reformas necessárias: a criação do Conselho
Nacional dos Tribunais de Contas, que exerça controle e padronização tal como
faz o CNJ sobre o Judiciário (tema da PEC 28/2007); e a mudança do processo de
recrutamento. A composição das cortes, propõe o pesquisador, deveria ter uma
proporção maior de nomeações técnicas - são apenas duas entre os sete
conselheiros de TCEs e entre os nove do TCU -, exigir uma quarentena dos
indicados pelo Executivo e pelo Legislativo, e subir o nível de exigências paraalém
da simples "reputação ilibada" e o "notório conhecimento".
"Isso não quer dizer nada. Precisa fechar melhor o perfil: no primeiro
caso, exigir ficha limpa, que não tenha sido condenado; e que a formação tenha
conexão com áreas afins, como direito, economia, administração e
contabilidade", defende.
Por
Por Cristian Klein, no Valor Econômico
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O livro contém o texto original de Nikolai Gogol, a peça teatral “O inspetor Geral”. E mais um ensaio e 20 artigos discorrendo sobre a realidade brasileira à luz da magnífica obra literária do grande escritor russo. Dessa forma, a Constituição brasileira, os princípios da administração, as referências conceituais da accountability pública, da fiscalização e do controle - conteúdos que embasam a política e o exercício da cidadania – atuam como substrato para o defrontar entre o Brasil atual e a Rússia dos idos de 1.800.
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