Patrocinadores de evento de Gilmar têm ações no STF
Seminário. Três empresas financiadoras de encontro
jurídico em Portugal organizado por instituto que tem ministro como sócio
possuem interesses em processos no Supremo
Os três
patrocinadores de um seminário em Portugal organizado pelo instituto de ensino
que tem o ministro Gilmar Mendes como sócio possuem interesse em processos em
tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF). Em ao menos um deles, o próprio
ministro era o relator do processo até ontem, quando se declarou impedido após
ser questionado pela reportagem sobre a ação. O recurso foi proposto pelo
Estado do Rio de Janeiro contra a Federação do Comércio do Estado
(Fecomércio-RJ), que financia o evento em Lisboa – previsto para ter início no
próximo dia 18. Gilmar se declarou impedido pelo fato de a federação ter como
advogado Sérgio Bermudes. O escritório de advocacia de Bermudes tem no quadro
de advogados em Brasília Guiomar Mendes, esposa do ministro. No entanto, Gilmar
disse que não vê conflito de interesse entre o patrocínio do evento em Lisboa e
sua atuação no Supremo (mais informações nesta página).
Há outras cinco
ações nas quais a FecomércioRJ tem interesse que tramitam no STF. No processo
sob relatoria de Gilmar, a federação não é uma das partes, mas tem interesse no
resultado da causa – o que é chamado de amicus curiae, expressão latina que
significa “amigo da corte”. A Itaipu Binacional, outra patrocinadora do evento,
também já foi representada por Bermudes no STF em um recurso que já teve
sentença definitiva. Há atualmente ao menos oito processos em que a empresa é
parte em tramitação na Corte. Nas últimas duas edições do evento, a Itaipu
também patrocinou o seminário.
Além da
Fecomércio-RJ e da Itaipu Binacional, patrocina o evento de Lisboa em 2017 a
Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento. A Aesbe é amicus
curiae em duas ações no Supremo. O Seminário LusoBrasileiro de Direito é
organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Púbico (IDP), pela Fundação
Getúlio Vargas e pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Gilmar
Mendes figura como um dos sócios do IDP e foi também seu fundador. Participarão
do evento, além de Gilmar, o ministro Dias Toffoli, do Supremo; cinco ministros
do STJ; um ministro do TCU; o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; três
ministros de Estado; e prefeitos, entre eles o de São Paulo, João Doria (PSDB).
Apoio. Questionada pela reportagem, a assessoria do IDP informou que os
palestrantes não são remunerados. Mas aqueles que solicitam recebem “dos
organizadores do evento” passagem aérea e hospedagem referentes à data de cada
palestra. O instituto não informa quais palestrantes solicitaram o apoio.
“Eventuais patrocinadores do evento não remuneram direta ou indiretamente os
palestrantes, ou arcam com as despesas destes.
Apenas contribuem
com a realização e divulgação do seminário”, informou o IDP. O instituto também
afirmou que o seminário é um “evento já tradicional”. Fecomércio-RJ e Itaipu
Binacional também possuem interesse em processos que estão no Tribunal de
Contas da União (TCU) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), cortes que têm
integrantes entre os palestrantes convidados para o evento. Tramita no TCU
processo para analisar possíveis irregularidades na transferência de recursos
do Sesc-RJ e do Senac-RJ para a Fecomércio-RJ, “a título de pagamento de
dívidas”.
A denúncia foi
apresentada pelo Ministério Público de Contas, que atua perante a corte. O TCU
também realiza auditoria na Eletrobrás para avaliar as contas de Itaipu, de
1994 a 2005. Em outro caso em curso, a corte analisa os mecanismos de gestão da
usina. Há ainda um terceiro processo, para acompanhar as providências tomadas
pelo governo para a criação de uma comissão binacional de contas da estatal,
administrada por Brasil e Paraguai. Já no STJ, a Fecomércio-RJ tem ao menos
dois processos ativos, um deles relatado pelo ministro Mauro Campbell,
palestrante no evento de Lisboa. A Itaipu Binacional tem 36 processos ativos no
tribunal. Dos palestrantes do evento, Luís Felipe Salomão e Paulo de Tarso
Sanseverino são relatores de ações no qual a Itaipu possui interesse.
Ministro do Supremo afirma não haver conflito de
interesses
‘A legislação não prevê impedimento ou
suspeição nesses casos’, diz Gilmar Mendes por meio de sua assessoria
BRASÍLIA
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal
Federal, considera que não há conflito no fato de patrocinadores de evento
jurídico possuírem interesse em ações que tramitam nos tribunais onde palestrantes
do seminário atuam. Questionado pela reportagem se a atuação dele, como
ministro, fica prejudicada em casos que têm os patrocinadores do evento em
Lisboa como parte no STF, Gilmar afirmou por meio de sua assessoria que “a
legislação não prevê impedimento ou suspeição nesses casos”.
Sobre a
participação de ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de
Contas da União no encontro, Gilmar disse que “não há qualquer conflito”. Os
três patrocinadores do evento, organizado por instituto de ensino do qual o
ministro é sócio, têm interesse em ações que tramitam no STF. Dois
patrocinadores, a Itaipu Binacional e a Fecomércio-RJ, também possuem processos
do STJ e no TCU. Declaração. Após ser procurado pela reportagem, no entanto,
Gilmar se declarou impedido em uma ação que relatava no Supremo, de interesse
da Fecomércio-RJ. O impedimento foi causado pelo fato de o escritório de Sérgio
Bermudes, no qual a mulher de Mendes trabalha, defender a federação.
“O ministro Gilmar
dá-se por impedido nos casos em que atue o escritório Sergio Bermudes, nos
termos do art. 144 do Código de Processo Civil. De fato, tramitava no gabinete
o RE 850.698 (...) e esta semana o ministro declarou-se impedido para atuar no
feito, assim como em dois outros casos”, informou Gilmar. A declaração de
impedimento foi protocolada ontem. A Itaipu, por meio de nota, afirmou que “não
vislumbra haver qualquer conflito de interesse”. A FecomércioRJ disse que “há 5
anos tem uma parceria institucional e apoia o ciclo de palestras e eventos da
Fundação Getúlio Vargas. É o caso do 5º Seminário Luso-Brasileiro de Direito”.
Procurada, a
Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) não havia se
manifestado até a conclusão desta edição. O Ministro Benjamin Zymler, que vai
participar do evento em Lisboa representando o TCU, informou por meio da
assessoria do tribunal que não vê conflito de interesse na participação no
seminário porque “ na condi- ção de professor de direito constitucional e
administrativo, participará, a convite de três renomadas instituições de ensino
e pesquisa, duas brasileiras e uma portuguesa, de um evento no qual serão
discutidas questões jurídicas relevantes”.
Afirmou também que
“como de praxe em eventos de natureza acadêmica, a organização do evento
custeará as despesas com passagens e hospedagem”. Até a conclusão desta edição,
a assessoria do STJ não havia encaminhado posicionamento dos ministros do
tribunal.
Por Beatriz Bulla e Fábio Fabrini, em O Estado de S. Paulo
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