Marcelo Odebrecht pagou R$ 50 milhões pelo ‘Refis
da Crise’, obra de Lula. Quatro anos depois, repassou a propina à campanha da
chapa Dilma-Temer
Na manhã de segunda-feira 31 de março de 2014, o empresário Marcelo
Odebrecht recebeu uma planilha financeira organizada por Hilberto da Silva,
chefe do Departamento de Operações Estruturadas da empreiteira.
Calvo, dono de um sorriso que lhe repuxa o olho direito, Hilberto era o
terceiro a comandar um dos mais antigos núcleos operacionais da construtora, o
de pagamento de propinas. Norberto, fundador e avô de Marcelo, tivera a
assessoria de Benedito da Luz. Emílio, o pai, nomeara Antonio Ferreira. Marcelo,
o herdeiro, assumiu em 2006, escolheu Hilberto e pôs a unidade no organograma
do grupo, disfarçada como “Operações Estruturadas”. Conferiu a planilha:
restavam R$ 50 milhões na conta, desde 2010. Só ele sabia a origem e o destino
daquele dinheiro. Depois de quatro anos adormecido no caixa paralelo, chegara a
hora de repassá-lo à campanha de reeleição da chapa Dilma Rousseff-Michel
Temer.
“O que eu acho que contamina a campanha de 2014 é esse dinheiro do
Refis”, ele disse em depoimento no Tribunal Superior Eleitoral, no último 1º de
março. “Esse, sim, foi uma contrapartida específica”, acrescentou.
Por trás da propina de R$ 50 milhões à campanha Dilma-Temer, segundo
Marcelo, está a história da compra de uma medida provisória (nº 470, ou “Refis
da Crise”) no fim do governo Lula.
Era 2009. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, negociava com empresas
devedoras da Receita e da Previdência Social. “Eu sei que, no meio dessa
discussão de 2009, aí, sim, nesse caso específico, o Guido me fez uma
solicitação, de que tinha uma expectativa de 50 milhões para a campanha de 2010
dela, tá?” — relatou Marcelo, em juízo. “Foi o único pedido, digamos assim, de
contrapartida específica que o Guido me fez, no contexto de uma negociação,
tá?” A MP chegou ao Congresso com 61 artigos. De lá saiu com 140. O juiz quis
saber se a expectativa fora atendida já na medida provisória ou, depois, no
Congresso. Marcelo explicou: “As coisas nunca são atendidas prontamente. Na
verdade, uma parte se consegue via governo. Depois você tenta incluir algumas
emendas, aí, a Fazenda acaba vetando algumas, então, é o que se consegue. A
gente conseguiu algo que era pelo menos razoável para a gente”. Lula sancionou
o “Refis da Crise” em janeiro de 2010. Reduziu em até 75% nas dívidas
acumuladas com a Receita e o INSS, deu 15 anos para pagamento do saldo e
anistiou as multas. Premiou os devedores, tradicionais financiadores de
campanhas. Puniu quem pagava em dia seus tributos.
A “contrapartida específica” de R$ 50 milhões não foi usada na eleição
de 2010. Ficou na “conta-corrente do governo” — definições do próprio Marcelo
—, no setor de propinas. Em março de 2014, quando acabava o mensalão, e
começava a Lava Jato, ele resolveu aumentar a aposta: aos R$ 50 milhões pelo
“Refis da Crise”, acrescentou R$ 100 milhões. Megalômano, passou a se achar “o
inventor” da reeleição de Dilma-Temer, como disse em juízo.
Habituara-se a comprar leis e governantes, transferindo os custos aos
contratos da Odebrecht com o setor público — os brasileiros pagaram várias
vezes a mesma conta. Até hoje, ninguém se preocupou em construir mecanismos
institucionais para impedir a captura do Executivo e do Legislativo pela
iniciativa privada, como Marcelo e outros fizeram.
Por José Casado, em O Globo
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