Os vídeos das
dezenas de delações da Odebrecht constituem um detalhado roteiro de como e por
onde a corrupção tornou-se parte do dia a dia da administração da empresa e dos
agentes públicos, mediante as obras de infraestrutura e a concepção e
aprovação, no Congresso, de medidas provisórias destinadas a facilitar e
engordar os negócios da empreiteira.
Ainda que os
investimentos públicos em obras de infraestrutura hoje sejam mais restritos do
que no passado, há uma generosa carteira de projetos de concessão e uma vasta
possibilidade de edição de medidas provisórias que mantém amplo espaço para que
essa prática nefasta de fazer negócios no país prossiga, a despeito do que a
Operação LavaJato já desvendou e expôs à Nação.
São notórias as
ofensivas para preservar esses espaços por onde passam o tráfico de influência
e o pagamento de propinas.
Do lado do
Congresso, os políticos tentam conter o raio de ação do Ministério Público
mediante a votação de uma lei que delimita o abuso de autoridade. Pela
economia, são também visíveis os esforços do poder Executivo e das empresas
para restringir os "excessos" dos órgãos de controle caracterizados
pelo sistema "U", quais sejam: o Tribunal de Contas da União, o
Ministério Público da União, a Controladoria Geral da União, a Advocacia Geral
da União, mas, sobretudo o TCU.
Pequenas alterações
em políticas regulatórias mostraram-se lucrativas para partidos políticos. O
enfraquecimento das agências reguladoras no governo da ex-presidente Dilma
Rousseff teria levado a Odebrecht a concentrar na Secretaria de Aviação Civil a
discussão de cláusulas de seu interesse na concessão do aeroporto do Galeão
(RJ). Na ocasião a secretaria estava sob o comando de Moreira Franco que teria,
segundo delação de Paulo Cesena, expresidente da Odebrecht Transport, pedido R$
4 milhões em doações eleitorais à Odebrecht. O executivo contou que acatou a
solicitação de Moreira Franco para manter um canal privilegiado de
interlocução. "Estávamos na época do governo Dilma. As agências
reguladoras estavam bastante enfraquecidas e seguiam basicamente as decisões de
governo", disse Cesena.
Assim, as regras do
leilão saíram com duas mudanças que favoreciam a empreiteira: uma foi a
presença, no consórcio, de um operador estrangeiro com experiência na
administração de aeroporto com pelo menos 22 milhões de passageiros por ano, o
que reduziu o número de potenciais concorrentes; a outra foi a limitação da
participação das empresas vencedores no primeiro leilão de aeroporto, do qual a
Odebrecht saiu sem ter arrematado nenhum dos três oferecidos (Guarulhos,
Viracopos e Brasília). Moreira negou o recebimento da propina e disse que vai
esclarecer esse caso nos autos.
Outro executivo,
Henrique Valladares, expresidente da Odebrecht Energia, também em delação, deu
uma aula de como atuou, a mando de Marcelo Odebrecht, na distribuição de R$ 80
milhões para diversos políticos do PMDB, PT e PSDB se empenharem em favor da
empreiteira nos leilões das usinas do rio Madeira (Santo Antônio e Jirau).
Discute-se, no
Congresso, agora, a MP 752, que trata da renovação e relicitação da concessão
de rodovias, ferrovias e aeroportos. Polêmica, a medida provisória tem sido
objeto de disputas renhidas entre os consórcios que querem estender os prazos
das concessões e o TCU e Ministério Público, que advogam a relicitação.
Interesses bilionários estão em jogo na tramitação da medida provisória e
espera-se que o inescrupuloso esquema exposto pela Odebrechet não se repita
nesse caso.
Certamente é
preciso encontrar um ponto no caminho da moralização dos hábitos e costumes por
onde se entrelaçam os negócios públicos e privados que iniba os excessos e não
seja paralisante. O país já está atrasado demais na construção de uma
infraestrutura que reduza o custo de produzir e comercializar bens e serviços.
No entanto, em meio
às evidências de como mudanças legislativas e regulatórias podem render bilhões
de reais aos agentes de infraestrutura em troca de propina, uma lição imediata
deixada pelas delações da Odebrecht é que não será pela amputação do alcance
dos órgãos de controle, principalmente o TCU, que se encontrará um bom termo.
Do Valor Econômico
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