quinta-feira, 20 de abril de 2017

Ofensivas tentam preservar os espaços para manobras


Os vídeos das dezenas de delações da Odebrecht constituem um detalhado roteiro de como e por onde a corrupção tornou-se parte do dia a dia da administração da empresa e dos agentes públicos, mediante as obras de infraestrutura e a concepção e aprovação, no Congresso, de medidas provisórias destinadas a facilitar e engordar os negócios da empreiteira.
Ainda que os investimentos públicos em obras de infraestrutura hoje sejam mais restritos do que no passado, há uma generosa carteira de projetos de concessão e uma vasta possibilidade de edição de medidas provisórias que mantém amplo espaço para que essa prática nefasta de fazer negócios no país prossiga, a despeito do que a Operação LavaJato já desvendou e expôs à Nação.
São notórias as ofensivas para preservar esses espaços por onde passam o tráfico de influência e o pagamento de propinas.
Do lado do Congresso, os políticos tentam conter o raio de ação do Ministério Público mediante a votação de uma lei que delimita o abuso de autoridade. Pela economia, são também visíveis os esforços do poder Executivo e das empresas para restringir os "excessos" dos órgãos de controle caracterizados pelo sistema "U", quais sejam: o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público da União, a Controladoria Geral da União, a Advocacia Geral da União, mas, sobretudo o TCU.
Pequenas alterações em políticas regulatórias mostraram-se lucrativas para partidos políticos. O enfraquecimento das agências reguladoras no governo da ex-presidente Dilma Rousseff teria levado a Odebrecht a concentrar na Secretaria de Aviação Civil a discussão de cláusulas de seu interesse na concessão do aeroporto do Galeão (RJ). Na ocasião a secretaria estava sob o comando de Moreira Franco que teria, segundo delação de Paulo Cesena, expresidente da Odebrecht Transport, pedido R$ 4 milhões em doações eleitorais à Odebrecht. O executivo contou que acatou a solicitação de Moreira Franco para manter um canal privilegiado de interlocução. "Estávamos na época do governo Dilma. As agências reguladoras estavam bastante enfraquecidas e seguiam basicamente as decisões de governo", disse Cesena.
Assim, as regras do leilão saíram com duas mudanças que favoreciam a empreiteira: uma foi a presença, no consórcio, de um operador estrangeiro com experiência na administração de aeroporto com pelo menos 22 milhões de passageiros por ano, o que reduziu o número de potenciais concorrentes; a outra foi a limitação da participação das empresas vencedores no primeiro leilão de aeroporto, do qual a Odebrecht saiu sem ter arrematado nenhum dos três oferecidos (Guarulhos, Viracopos e Brasília). Moreira negou o recebimento da propina e disse que vai esclarecer esse caso nos autos.
Outro executivo, Henrique Valladares, expresidente da Odebrecht Energia, também em delação, deu uma aula de como atuou, a mando de Marcelo Odebrecht, na distribuição de R$ 80 milhões para diversos políticos do PMDB, PT e PSDB se empenharem em favor da empreiteira nos leilões das usinas do rio Madeira (Santo Antônio e Jirau).
Discute-se, no Congresso, agora, a MP 752, que trata da renovação e relicitação da concessão de rodovias, ferrovias e aeroportos. Polêmica, a medida provisória tem sido objeto de disputas renhidas entre os consórcios que querem estender os prazos das concessões e o TCU e Ministério Público, que advogam a relicitação. Interesses bilionários estão em jogo na tramitação da medida provisória e espera-se que o inescrupuloso esquema exposto pela Odebrechet não se repita nesse caso.
Certamente é preciso encontrar um ponto no caminho da moralização dos hábitos e costumes por onde se entrelaçam os negócios públicos e privados que iniba os excessos e não seja paralisante. O país já está atrasado demais na construção de uma infraestrutura que reduza o custo de produzir e comercializar bens e serviços.
No entanto, em meio às evidências de como mudanças legislativas e regulatórias podem render bilhões de reais aos agentes de infraestrutura em troca de propina, uma lição imediata deixada pelas delações da Odebrecht é que não será pela amputação do alcance dos órgãos de controle, principalmente o TCU, que se encontrará um bom termo.
Do Valor Econômico

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