Entre as
100 pessoas mais influentes do mundo escolhidas este ano pela revista
norte-americana Time figuram dois brasileiros. Um deles é o
mundialmente conhecido jogador de futebol Neymar Jr. A outra é a médica
epidemiologista Celina Turchi, de 64 anos, cientista brasileira nascida em
Goiás que atua como pesquisadora convidada na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
de Pernambuco.
Citada na
categoria Pioneiros, Celina, é professora aposentada da Universidade Federal de
Goiás (UFG) e ganhou o título de influenciadora mundial pelo papel que
desenvolveu na investigação dos casos de microcefalia e a relação com o vírus
Zika. Foi ela a responsável por formar uma rede, com cerca de 30 de profissionais
de diversas especialidades e instituições, reunidos no Merg – Microcephaly
Epidemic Research Group (Grupo de Pesquisa da Epidemia de Microcefalia). O
grupo de pesquisadores conseguiu identificar como o vírus Zika e a microcefalia
estavam associados em apenas três meses – em janeiro de 2016 os estudos
começaram e em abril já havia fortes indícios da relação.
No fim do
ano passado, Celina Turchi foi citada na lista dos dez cientistas mais
importantes de 2016 da revista Nature (uma das publicações
científicas mais importantes do mundo), pelo mesmo motivo. Apesar da
notoriedade no meio científico, a pesquisadora se considera apenas uma
“representante” do setor, que até hoje trabalha em conjunto para responder as
tantas questões ainda em aberto sobre o vírus Zika e suas consequências.
Em
entrevista à Agência Brasil, a cientista fala sobre o
reconhecimento que recebe hoje (25), no Lincoln Center, em Nova Iorque, defende
a manutenção de recursos para o meio científico, opina sobre o setor público de
saúde no Brasil, além, é claro, de comentar sobre o assunto que lhe rendeu fama
internacional: o vírus Zika e a síndrome congênita causada por essa arbovirose.
Agência Brasil: Você foi um dos destaques da revista Nature em 2016 e agora está entre as 100
pessoas mais influentes do mundo, segundo a revista Time. O que passa pela sua cabeça ao
ser reconhecida dessa forma? Até pensando de outro jeito: uma mulher cientista
é uma das representantes brasileiras em listas de pessoas que fazem a diferença
no mundo.
Celina Turchi: Eu gosto quando você coloca “representante”. É isso que eu
me sinto, uma representante do grupo de investidagores e profissionais de saúde
brasileiros que se empenharam tanto, desde o início dos acontecimentos
extraordinários, do ponto de vista científico, que ocorreram no Brasil no
segundo semestre de 2015 e que estamos acompanhando até agora.
Agência Brasil: E para o meio científico brasileiro como um todo, esse
reconhecimento influencia?
Celina Turchi: Eu acho que todo o reconhecimento de algum dos pares é
bem-vindo, porque traz à tona essa possibilidade de visibilidade. Normalmente o
grupo de cientistas almeja, quando muito, o reconhecimento entre os próprios
cientistas. Dificilmente existe esse reconhecimento social. Mas eu acho que
esse reconhecimento é importante principalmente em momentos onde se há menção
de retirada de recursos para a pesquisa. Para que se entenda que a manutenção e
o aprimoramento de instituições de ensino e pesquisa públicas, não só no
Brasil, mas no mundo, são essenciais para dar respostas a ameaças em saúde,
como essa que ocorreu.
Agência Brasil: Você é pesquisadora convidada da Fiocruz e, em outras
entrevistas, falou que tem consciência do investimento feito pelo Estado
brasileiro na formação da sua carreira, já que teve bolsa para estudar no
exterior, trabalhou na Federal de Goiás. Seria possível avançar tão rápido nas
descobertas com o seu grupo, o MERG, sem que o Brasil tivesse uma estrutura
pública na área de saúde que tem atualmente? Como você avalia o setor público
de saúde no país?
Celina Turchi: Eu acho que as evidências que tivemos nessa epidemia é que
o setor público de saúde do Brasil, não só de atendimento, como de pesquisa,
ele têm áreas de excelência. Basta lembrar que os primeiros casos foram
notificados por neurologistas, a doutora Ana Van der Linden e a doutora Vanessa
Van der Linden, que trabalhavam em hospitais públicos do Recife. Também teve a
contribuição enorme do doutor Carlos Brito, um médico infectologista que
formulou essa primeira hipótese, da possibilidade de que uma epidemia [de Zika]
pudesse estar causando microcefalia. E a quantidade de pesquisadores que tinham
uma experiência, um trânsito internacional muito grande com laboratórios
produzindo antígenos, testes laboratoriais que pudessem ser aplicados.
Então, eu vejo que a manutenção de institutos de saúde
públicos, de centros de excelência no país, isso é parte esssencial até de uma
estratégia de segurança. Porque as epidemias, principalmente de saúde pública,
são uma ameaça local e podem ser uma ameaça global, como foi essa, que ainda
persiste. E também por uma de redução do impacto econômico que as epidemias
causam, acho que a gente tem que no mínimo manter e reforçar essas instituições
e a formação de pessoal.
Agência Brasil: O setor privado não conseguiria substituir essa rede?
Celina Turchi: As estruturas que eu conheço de pesquisa no mundo inteiro
são – principalmente em áreas de doenças infecciosas – de responsabilidade e
considerada estratégicas para o país. Os Estados Unidos têm uma rede, um Centro
para Controle e Prevenções de Doenças, o CDC [na sigla em inglês], que é quem
dá as diretrizes e normativas, que é uma instituição pública gerenciada pelo
governo, porque isso faz parte da segurança do país.
Agência Brasil: Você falou sobre a epidemia de vírus Zika como uma ameaça
que ainda persiste. Como ela está se configurando atualmente? A gente pode
considerar que houve um pico no passado e existem menos casos de fato, ou ainda
não chegou o tempo de uma nova epidemia?
Celina Turchi: Acho, sim, que houve uma redução de casos, em relação ao
Nordeste. As epidemias virais se traduzem por aumentos e depois reduções do
número de casos, então essa redução pós epidêmica é esperada. Mas como isso vai
evoluir, se a gente vai ter outros picos epidêmicos, só vamos saber com um
monitoramento. Nós não temos ainda todos os elementos para fazer uma predição:
população infectada, introdução de outros vírus que podem potencializar a ação
deste, quantidade de vetores, como as pessoas se mobilizam.
Agora, eu não tenho dúvida nenhuma de que as arboviroses
[como a dengue e a zika] passaram a ser uma ameça nas cidades pela
desigualdade, por esse mosaico que a gente tem nas nossas cidades, de ilhas de
riqueza rodeadas por extrema pobreza e habitação muito precária, o que facilita
a proliferação de vetores em áreas urbanas.
Agência Brasil: Essa seria uma das questões para entender como foi o
surgimento da microcefalia em diferentes regiões do país? Porque o Nordeste foi
mais afetado, registrou mais casos.
Celina Turchi: Nós não temos ainda muita clareza... esse parece ser um
dos fatores, mas não temos ainda evidências muito sólidas. Temos alguns estudos
que mostram que existem diferenças intraurbanas na distribuição dos casos da
síndrome de zika congênita, sendo que os locais com mais casos têm piores
condições socioeconômicas. Isso ficou muito claro pra cidade do Recife.
Agência Brasil: Quais as outras questões que o grupo que você coordena
estão tentando responder atualmente? Existe alguma resposta nova? Por exemplo:
por que o vírus afeta alguns bebes e outros não?
Celina Turchi: Atualmente tem um grupo coordenado pelo doutor Ricardo
Ximenes [professor da Universidade Federal e da Universidade Estadual de
Pernambuco] que está acompanhando um grupo grande de gestantes para responder
perguntas em relação a que semestre ou trimestre gestacional a infecção viral
afeta mais o bebê. Essas crianças nascidas de mães infectadas durante a
gestação, independente de ter ou não microcefalia, estão sendo acompanhadas em
outros projetos. Esses projetos são grandes consórcios internacionais. Um deles
é o Zika Plan, com 25 universidades e instituições de pesquisa públicas do
mundo. Outro grupo - o CNPQ junto com o Ministério da Saúde e a Capes - também
fez um grande esforço colaborativo para projetos que estão sendo coordenados em
diferentes áreas por outros membros desse grupo, que estão investigando o que
acontece com essas crianças nascidas de mães infectadas, independentemente se
apresentam alterações ou não no momento do nascimento, para saber se, a longo
prazo, serão afetadas.
Agência Brasil: As descobertas feitas pelo grupo que você coordena
ajudaram os serviços de saúde do mundo e, no Brasil, a gente teve um momento de
expansão de serviços do SUS para atender gestantes e bebês que não estavam
somente na capitais. Mas ainda há limitações. Mães que entrevistei este ano
falam da dificuldade de encontrar serviços especializados no interior, por
exemplo, ainda mais porque novas consequências do vírus são descobertas na
medida em que os bebês vão crescendo.
Celina Turchi: Exatamente.
Agência Brasil: Que resposta o Estado brasileiro, pensando em governo
federal, estadual e municipal, devem dar daqui pra frente? Qual o grande
desafio da organização do atendimento?
Celina Turchi: Eu acho que é inserir o atendimento às crianças não só com
infecção congênita por zika, mas também por sífilis. Um programa de atendimento
que tenha continuidade, que seja adequado e entenda também essa necessidade de
apoio aos familiares. Essas crianças são um impacto de grande monta na vida das
famílias, principalmente das mulheres.
Agência Brasil: E uma pergunta para inspirar pessoas, especialmente
mulheres fora do eixo Rio-São Paulo, que queiram seguir carreira científica:
como foi sua trajetória até se deparar com esse desafio histórico?
Celina Turchi: Eu diria que a vida das mulheres da minha geração não foi
diferente. Eu casei, tive filhos, tive que em algum momento interromper a minha
formação. Contei, durante a minha trajetória acadêmica, com o apoio
incondicional dos meus familiares e dos meu filhos. Fui bolsista do CNPq na
London School como o que eles chamam de “mature student”, um estudante não tão
jovem. Então eu diria para os mais jovens e, especialmente para as mulheres,
que embora as carreiras femininas possam não parecer às vezes tão linerares
quanto às masculinas, por causa da gestação, de alguns anos de menor
produtividade, que a vida é sempre surpreendente.
É isso, não sei se... não me sinto exemplo, mas sinto
muito orgulho de fazer parte desse grupo de pessoas que trabalha, na maioria
das vezes no anonimato, e que vez por outra se vêem em situações
extraordinárias. Poder contribuir numa situação extraordinária, do ponto de
vista científico, e numa situação trágica, do ponto de vista social, e se
sentir fazendo parte dos eventos, acho que é tudo que a gente pode almejar de
uma trajetória profissional.
Por Sumaia Villela, da Agência Brasil
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O homem que desafiou tudo e todos: Giordano
Bruno
Ex monge dominicano, nos oito anos em que padeceu na prisão foi submetido a todo tipo de violência e opressão para que se retratasse, renegando suas convicções. O brutalizaram em vão. A congregação católica não logrou o êxito que obteria, poucos anos depois, com Galileu Galilei. Este, para não morrer na fogueira, teve que, de joelhos, abjurar toda a sua consistente obra científica e filosófica.
A ortodoxia da Igreja Católica de então concebia a terra como um planeta único no universo, resultado da intervenção direta de Deus. Um axioma que – em hipótese alguma – poderia ser questionado.
Mas, Giordano Bruno descortinou, antes da invenção do telescópio, a infinitude do universo. E que na imensidão do cosmos, existia não um, mas um número infinito de planetas. Sendo assim – questionaram os guardiões da fé – “cada planeta teria o seu próprio Jesus? Heresia! Blasfêmia! Sacrilégio! ”.
Suas ideias, formulações e livros foram proibidos, incinerados e incluídos no Index Librorum Prohibitorum, o Índice dos Livros Proibidos.
Num ato de misericórdia, os condenados, antes de arderem no fogo da santa fogueira, eram estrangulados e mortos. Mas com Giordano Bruno foi diferente. Suas formulações representavam uma ameaça de tal dimensão aos alicerces da doutrina católica que a sentença estabeleceu que morresse diretamente em decorrência das chamas, línguas de fogo e labaredas originárias da fogueira. Seu pecado? Declarar que a terra não era o único planeta criado por Deus.
Este é o esteio de onde emerge a peça teatral “Giordano Bruno, a fogueira que incendeia é a mesma que ilumina”.
A trama se desenrola no intervalo entre a condenação do filósofo italiano e a aplicação da pena de morte. A ficção contextualiza o ambiente de transição entre a baixa idade média e a idade moderna. O ambiente de ‘caça às bruxas’, o absolutismo e o autoritarismo políticos, a corrupção endêmica, o feudalismo e a ascensão da burguesia, a ortodoxia e os paradigmas religiosos, o racionalismo e o iluminismo compõem o substrato por onde se movimentam as personagens da peça.
O conselheiro do papa Clemente VIII, o octogenário Giovanni Archetti, comanda - do Palácio do Vaticano - uma intrincada rede de corrupção e, através dela, planeja desposar a mais bela jovem da Europa, Donabella de Monferrato. A formosa mulher admira e integra um grupo de seguidores de Giordano Bruno. Para convencê-la acerca do matrimônio, o poderoso velhaco tenta ludibriá-la e mente, afirmando que promoverá a revisão do julgamento do famoso filósofo, anulando a pena de morte imposta. Sem ser correspondido, o poderoso Giovanni Archetti ama Donabella, que é amada pelo noviço Enrico Belinazzo, um jovem frade de corpo atlético que, por sua vez, é amado pelo vetusto padre Lorenzo, o diretor do seminário.
De modo que conflitos secundários são explorados evidenciando os paradigmas da baixa idade média, os fundamentos dos novos modelos, dos novos arquétipos que surgiam em oposição ao poder do imperador do Sacro Império, do Papa e dos reis; o ocaso do feudalismo, suplantado pela burguesia que emerge como a nova classe dominante; a degeneração da política e a degradação moral e dos costumes.
Adentre este universo povoado por conflitos, disputas, cizânias e querelas. Um enredo que, lançando mão de episódios verídicos da narrativa histórica, ambienta novelos densos e provocativos instigando os leitores a responder se o autoritarismo e a corrupção que vincaram o interim entre os séculos XVI e XVII não seriam equivalentes – em extensão, volume e vilania - aos verificados nos dias de hoje.
A ortodoxia da Igreja Católica de então concebia a terra como um planeta único no universo, resultado da intervenção direta de Deus. Um axioma que – em hipótese alguma – poderia ser questionado.
Mas, Giordano Bruno descortinou, antes da invenção do telescópio, a infinitude do universo. E que na imensidão do cosmos, existia não um, mas um número infinito de planetas. Sendo assim – questionaram os guardiões da fé – “cada planeta teria o seu próprio Jesus? Heresia! Blasfêmia! Sacrilégio! ”.
Suas ideias, formulações e livros foram proibidos, incinerados e incluídos no Index Librorum Prohibitorum, o Índice dos Livros Proibidos.
Num ato de misericórdia, os condenados, antes de arderem no fogo da santa fogueira, eram estrangulados e mortos. Mas com Giordano Bruno foi diferente. Suas formulações representavam uma ameaça de tal dimensão aos alicerces da doutrina católica que a sentença estabeleceu que morresse diretamente em decorrência das chamas, línguas de fogo e labaredas originárias da fogueira. Seu pecado? Declarar que a terra não era o único planeta criado por Deus.
Este é o esteio de onde emerge a peça teatral “Giordano Bruno, a fogueira que incendeia é a mesma que ilumina”.
A trama se desenrola no intervalo entre a condenação do filósofo italiano e a aplicação da pena de morte. A ficção contextualiza o ambiente de transição entre a baixa idade média e a idade moderna. O ambiente de ‘caça às bruxas’, o absolutismo e o autoritarismo políticos, a corrupção endêmica, o feudalismo e a ascensão da burguesia, a ortodoxia e os paradigmas religiosos, o racionalismo e o iluminismo compõem o substrato por onde se movimentam as personagens da peça.
O conselheiro do papa Clemente VIII, o octogenário Giovanni Archetti, comanda - do Palácio do Vaticano - uma intrincada rede de corrupção e, através dela, planeja desposar a mais bela jovem da Europa, Donabella de Monferrato. A formosa mulher admira e integra um grupo de seguidores de Giordano Bruno. Para convencê-la acerca do matrimônio, o poderoso velhaco tenta ludibriá-la e mente, afirmando que promoverá a revisão do julgamento do famoso filósofo, anulando a pena de morte imposta. Sem ser correspondido, o poderoso Giovanni Archetti ama Donabella, que é amada pelo noviço Enrico Belinazzo, um jovem frade de corpo atlético que, por sua vez, é amado pelo vetusto padre Lorenzo, o diretor do seminário.
De modo que conflitos secundários são explorados evidenciando os paradigmas da baixa idade média, os fundamentos dos novos modelos, dos novos arquétipos que surgiam em oposição ao poder do imperador do Sacro Império, do Papa e dos reis; o ocaso do feudalismo, suplantado pela burguesia que emerge como a nova classe dominante; a degeneração da política e a degradação moral e dos costumes.
Adentre este universo povoado por conflitos, disputas, cizânias e querelas. Um enredo que, lançando mão de episódios verídicos da narrativa histórica, ambienta novelos densos e provocativos instigando os leitores a responder se o autoritarismo e a corrupção que vincaram o interim entre os séculos XVI e XVII não seriam equivalentes – em extensão, volume e vilania - aos verificados nos dias de hoje.
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