Governar dentro da lei pode ser complicado,
e o presidente Jair Bolsonaro, há quase 20 meses no posto, ainda está
descobrindo essa obviedade.
Não há outra explicação para o suspense em torno da
proposta orçamentária. Até o fim do mês ele terá de enviar ao Congresso o
projeto do Orçamento Geral da União, cumprindo um ritual seguido, ano após
ano, por todo chefe do Executivo. Mas ele e sua equipe realizaram uma façanha
quase olímpica. Chegaram à segunda quinzena de agosto sem responder com clareza
a algumas perguntas básicas: 1. Como se cuidará do teto de gastos? 2. Como
ficará o ajuste das contas públicas? 3. Será cumprida a Lei de
Responsabilidade Fiscal?
Não há como evitar essas questões. Para cuidar seriamente do assunto, o
presidente e sua equipe deveriam dar atenção aos economistas da Instituição
Fiscal Independente (IFI), entidade técnica vinculada ao Senado. Os gastos
federais provavelmente romperão o limite constitucional, no próximo ano, e é
preciso, recomendam esses especialistas, buscar saídas legais, seguras e
transparentes para esse problema.
Pela regra do teto, o limite de expansão da despesa nominal em cada ano é dado
por uma taxa de inflação definida no ano anterior e tomada como base para a
elaboração do Orçamento. Furar o teto, simplesmente, será uma solução
inaceitável, mas o presidente parece desconhecer esse detalhe.
"Qual o problema?", perguntou ele, há poucos dias, depois de
mencionar as discussões sobre a ruptura do limite. A resposta é simples:
ninguém tem o direito - e muito menos um chefe de governo - de violar um
dispositivo constitucional.
Além disso, esse dispositivo, ao fixar uma regra para as finanças públicas,
se vincula à Lei de Responsabilidade Fiscal. Violar essa lei envolve
riscos nada desprezíveis. Não haveria problema numa discussão meramente
abstrata, mas o debate está claramente em outro domínio. Quando se propõe furar
o teto ou contornar a regra com um truque malandro, toma-se um caminho
duplamente perigoso.
Em primeiro lugar, há o risco penal para a autoridade envolvida no crime de
responsabilidade. Mas o risco maior envolve o País. Quando as contas públicas
são geridas de forma irresponsável, o Tesouro é desacreditado, seus
compromissos ficam mais caros, o temor de calote se espalha pelo mercado e a
vida se torna difícil para o chamado cidadão comum, mesmo para o menos
envolvido nas complicações do mundo financeiro.
Quando isso ocorre, os juros sobem, a economia se enfraquece e a criação de
empregos é prejudicada. Todos esses perigos são desprezados por quem defende a
gastança pública, nas condições de hoje, para servir aos objetivos eleitorais
do presidente e aos interesses fisiológicos de seus aliados.
As estratégias para contornar o limite constitucional de gastos são conhecidas,
ninguém será enganado. O caminho sugerido pelos técnicos da Instituição Fiscal
Independente é muito mais seguro para o governo e para o País. Se é
praticamente certo o rompimento do teto em 2021, é preciso reconhecer o desafio
e dele cuidar com clareza.
A sugestão é incluir esse dado na proposta orçamentária, acrescentar o
possível acionamento de gatilhos para a contenção de certos gastos e buscar a
segurança legal por meio de consultas ao Tribunal de Contas da União (TCU)
e ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição provê elementos para a
solução. Com base nisso, pode-se compor uma estratégia tecnicamente viável e
juridicamente sustentada.
Para acionar os gatilhos o mais seguro será dispor de um acordo amplo com
o TCU e com o STF, disse o diretor executivo da IFI, Felipe Salto,
citado em reportagem do Estado. Não é necessária, avalia o economista, a
aprovação de uma proposta de reforma constitucional, como têm proposto alguns
envolvidos na discussão.
De toda forma, a solução só será genuína se for associada a um esforço de
retomada do ajuste das contas públicas, prejudicado pelas medidas emergenciais.
Isso será impossível se o presidente quiser subordinar o Orçamento à sua
campanha eleitoral.
Em O Estado de
S. Paulo
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