O embaixador americano em Brasília teria pedido que
as tarifas de importação fossem zeradas. O objetivo seria fortalecer a
reeleição de Trump no estado-chave de Iowa, e a recompensa para Bolsonaro seria
um segundo mandato para seu maior aliado
Nas relações entre o Brasil e os
Estados Unidos, desde a criação do Programa Proálcool em 1975 o etanol tem sido
sempre uma questão tão perigosa quanto areia movediça. Todd Chapman, o
recém-chegado embaixador americano em Brasília, acaba de aprender essa lição
importante a sua própria custa. Mas não foi o primeiro — e nem será o último —
a ser emboscado por um assunto cuja aparente natureza puramente técnica esconde
um complicado jogo de orgulho nacional e interesses econômicos.
Segundo O GLOBO, em contatos com parlamentares brasileiros e funcionários de
alto escalão, Chapman teria pedido que as tarifas de importação de etanol
fossem zeradas. O objetivo seria fortalecer a reeleição de Trump no
estado-chave de Iowa, maior produtor de milho nos Estados Unidos e baluarte da
indústria do etanol americana, e a recompensa para Bolsonaro seria um segundo
mandato para seu maior aliado.
O programa americano de etanol não tem o mínimo sentido econômico; sua lógica é
política. Não somos um grande produtor de açúcar, então tivemos de recorrer ao
milho. Só que o milho, quando comparado ao açúcar, é pouco eficiente: cada
unidade de energia empregada na produção de etanol à base de açúcar gera ao
menos oito unidades de energia, enquanto a proporção com milho nem chega a
dois.
Mesmo assim, presidentes americanos de ambos os partidos têm apoiado o esforço,
que requer enormes subsídios para sobreviver e desencadeou uma guerra de
tarifas com um país amigo. As justificativas variam de um governo para outro: a
segurança nacional, a proteção do mítico pequeno agricultor, a criação de novos
empregos em novas indústrias etc.
Em 2008, quando terminei uma década como correspondente no Brasil, fui
diretamente para a cobertura da campanha presidencial americana. Acompanhei
Hillary Clinton, John McCain e Barack Obama e logo percebi a potência do lobby
do milho. Até Obama, supostamente o mais progressista, se curvava ante sua
força: “Não serve a nossa segurança nacional ou econômica substituir petróleo importado
com etanol brasileiro”, declarou o então senador de Illinois, estado que é o
segundo maior produtor de milho no país.
Fiquei surpreso ao ler do envolvimento de Chapman nessa polêmica. Mais de 40%
dos embaixadores nomeados no governo Trump não são diplomatas, são amigos dele
ou doadores de fundos de campanha, e se mostraram especialistas em confusões. O
embaixador na Grã-Bretanha pediu que o governo escocês encaminhasse um torneio
de golfe para um resort de Trump, o embaixador na Alemanha vivia se
intrometendo em política interna alemã, e o embaixador na União Europeia foi
peça essencial na secreta campanha de chantagem da Ucrânia que resultou no
impeachment de Trump.
Mas Todd Chapman não é marinheiro de primeira viagem no Brasil. Quando criança,
morava e estudava em São Paulo, fala português fluentemente e também trabalhou
como o número dois na embaixada em Brasília no começo da década passada. É um
profissional, capaz e normalmente discreto, e é por isso que desconfio do papel
dele nesse imbróglio.
Em nota oficial de 3 de agosto, Chapman afirmou que “em nenhum momento
solicitei aos representantes brasileiros que tomassem quaisquer medidas em
apoio a qualquer candidato presidencial”. Tudo bem. Acredito que não tenha sido
a intenção explícita dele ajudar Trump a triunfar em Iowa. Mas o efeito prático
de qualquer suspensão, quatro meses antes da nossa eleição presidencial, das
tarifas sobre o etanol americano seria dar a Trump uma vitória comercial e
fortalecer as chances dele no estado. Todo mundo sabe disso, sobretudo um
diplomata experimentado.
No mínimo, o timing foi muito inoportuno. Se o objetivo foi, como declara, a
“defesa de interesses comerciais de longa data”, qual a urgência em buscar uma
solução neste exato momento, numa conjuntura política altamente delicada? Por
que não podia esperar até novembro, depois da eleição? Por acaso Bolsonaro e
sua turma ainda não estarão no poder daqui a quatro meses? Foram os seus chefes
no Departamento de Estado em Washington que mandaram botar o assunto na pauta
de suas reuniões com brasileiros?
Com todas as incógnitas, é fácil entender por que o Comitê de Relações
Exteriores da Câmara americana, controlada pela oposição democrata, pediu
explicações ao diplomata e exige que “apresente cópias completas e sem
supressões de todo e qualquer documento relacionado a qualquer discussão” sobre
etanol. Tomara que o Congresso e um novo presidente também tenham a coragem de
acabar quanto antes com o gigantesco sorvedouro financeiro que é o programa
americano de etanol.
Por Larry Rohter, Revista Época
-----------