Pesquisa da
PUC-Rio calculou dano indireto; governo diz que impactos serão avaliados no
estudo ambiental
O projeto da ferrovia Ferrogrão,
recentemente encaminhado para análise do Tribunal de Contas da
União (TCU), poderá provocar o desmatamento de 2.043 quilômetros quadrados
apenas no Estado do Mato Grosso, segundo um estudo da Climate Policy
Initiative, organização internacional que atua no Brasil com base na
PUC-Rio.
O governo federal planeja uma parceria com o setor privado para viabilizar a
construção da ferrovia, de 933 km, entre Sinop (MT) e Miritituba (PA). A
ideia é criar um novo corredor para escoar a produção agrícola do Centro-Oeste.
Na avaliação dos pesquisadores, a ferrovia terá sucesso nessa tarefa
e, justamente por isso, poderá ter um impacto maior do que o esperado. Para
além dos potenciais danos com a construção em si da ferrovia — que
atravessará a Amazônia —, o estudo apontou o efeito indireto do projeto: o
desmatamento gerado a partir da alta na produção de grãos.
A Ferrogrão irá reduzir os custos de transporte, o que terá como consequência
um ganho de, em média, 8% no acesso a mercados nacionais e internacionais, por
parte de produtores em 38 municípios do Estado.
A partir desse incentivo econômico, calcula-se que o aumento da produção
provoque a remoção da vegetação nativa em uma área de 2.043 km² — o equivalente
a 285 mil campos de futebol. A estimativa tem certo grau de incerteza, mas há
uma confiança de 95% de que o desmatamento ficará entre 1,671 km²e 2.416 km²—
ou seja, o impacto abrangerá, no mínimo, a área total da cidade de São Paulo,
segundo a projeção.
Uma pessoa que trabalha na estruturação do projeto, porém, rebate a visão de
que o aumento de produção no Estado será um fruto direto da Ferrogrão. A
percepção é que esse avanço já existe, independentemente da ferrovia. A
ideia do governo, diz, é criar uma alternativa de escoamento dessa carga, com impacto
menor do que a BR-163. O Ministério de Infraestrutura calcula que a Ferrogrão
emitiria 78% menos CO2 do que a rodovia já existente.
O estudo do CPI não necessariamente se opõe ao projeto, destaca o
economista Arthur Bragança, pesquisador da organização. A ideia é trazer à tona
riscos ambientais que hoje não estão sendo discutidos. “Há um problema real de
logística, não estamos desconsiderando os benefícios. Mas existe um risco
ambiental. A questão é como você trata isso, considerando que a maior parte do
desmatamento é ilegal.”
As ferramentas para mitigar os riscos são principalmente duas: as de controle,
como o monitoramento via satélite, e a implementação do Código Florestal, que
permitiria uma maior governança da vegetação dentro das fazendas, diz
Juliano Assunção, diretor do CPI e professor da PUC-Rio.
Para ele, o mapeamento adequado dos riscos ambientais dá mais segurança aos
próprios investidores. Mas, para isso, é preciso que o debate seja feito em um
estágio preliminar. “A discussão ambiental no Brasil ocorre muito ao fim dos
processos. Cria-se uma situação, até artificial, em que o meio ambiente impede
o desenvolvimento. A ideia é chamar a atenção para esses potenciais danos
em um momento inicial. Quando os impactos são constatados tardiamente, há
atrasos na obra, aumento no custo”, afirma.
A proposta de construir a Ferrogrão nasceu em 2012, concebida pela Estação da
Luz Participações (EDPL) e grandes tradings de grãos. Em 2016, o projeto foi
incluído na carteira do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), do
governo federal. Após anos de discussões e ajustes no projeto, o governo
federal enviou, em julho, os documentos para a análise do Tribunal de
Contas da União (TCU). O plano é de uma concessão de 69 anos, com
investimento previsto de R$ 8,4 bilhões.
O Ministério da Infraestrutura diz que o Estudo de Impacto Ambiental levará em
consideração tanto a área diretamente afetada pela ferrovia quanto as
áreas de influência do projeto. As análises serão entregues ao Ibama (órgão
responsável pelo licenciamento ambiental) em novembro. Nesses estudos, serão
apontadas medidas para mitigar os riscos.
Consultoria e investidores questionam viabilidade econômica
Para além dos riscos ambientais, a Ferrogrão traz questionamentos quanto à
viabilidade econômico-financeira do projeto, segundo Claudio Frischtak, sócio
da consultoria Inter.B, que fez um estudo recente sobre o tema, com apoio da
Climate Policy Initiative/PUC-Rio.
O especialista em infraestrutura questiona os estudos do empreendimento, que,
segundo ele, não avaliam de forma adequada a concorrência de outros projetos
logísticos, como a implantação da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste
(Fico), a conclusão do tramo central da Norte-Sul, assim como a modernização da
BR-163, cuja pavimentação foi concluída pelo atual governo.
“Além disso, não foi considerada a reação dos demais operadores diante da
construção. Foi feita a modelagem considerando que os agentes vão ficar
parados”, diz.
O Ministério da Infraestrutura, porém, refuta essa visão e afirma que os
estudos já consideram a pavimentação da BR-163. Em um cenário para 2035, também
foi levada em conta a construção da Fico entre Lucas do Rio Verde (MT) e
Campinorte (GO), além da ampliação da Norte-Sul entre Açailândia (MA) e
Barcarena (PA). Para 2045, projetou-se também a ampliação da Fico até Porto
Velho (RO), diz a pasta.
O ministério também nega que não tenham sido traçadas possíveis reações de
outros agentes do mercado. “Foram analisados os principais produtos
movimentados na Rumo Malha Norte, que é a única ferrovia que passa
pelo Estado do Mato Grosso, sendo uma concorrente da Ferrogrão.” A pasta diz
ainda que foram avaliadas diversas “alternativas logísticas
utilizando hidrovias, rodovias e ferrovias, assim como os custos
de transbordo entre modos”.
Os questionamentos de Frischtak também foram manifestados por investidores em
potencial, que se reuniram com o governo no início de agosto para discutir a
Ferrogrão. Entre os grupos ouvidos estiveram o Pátria Investimentos, a CCR , a
espanhola Sacyr, a China Communications Construction Company (CCCC), a China
Railway Group, entre outros.
Uma das grandes preocupações em relação ao projeto, além do tema ambiental, é
justamente o risco de demanda. Nas reuniões, os grupos pediram uma avaliação
sobre a entrada em operação de outras ferrovias no Estado e apresentaram
dúvidas sobre como outros agentes do mercado atuariam a partir da construção
da ferrovia.
Para Frischtak, é importante haver uma avaliação minuciosa desses riscos não só
para atrair um parceiro privado, mas pelo peso que o poder público deverá ter
em um megaprojeto como esse, que provavelmente contará com financiamento
público e compartilhamento de riscos. “Não queremos repetir o caso da
Transnordestina e o de outros projetos de infraestrutura que hoje estão
parados”, diz.
Fonte: Ministério da Infraestrutura
Por Taís Hirata, no Valor Econômico
-----------