Pesquisa inédita com produtores e empresas de todo
o Brasil, publicada com exclusividade pela Globo Rural, revela que a Covid-19
acelerou o uso de novas tecnologias nas fazendas
O agricultor Sérgio Luis
Viudes, de 56 anos, mantém fechada a porteira do Sitio Barra Grande, no
município de Rolândia, no norte do Paraná, desde março, quando o novo
coronavírus se tornou ameaça no Brasil. As visitas, antes constantes, agora
estão proibidas. Ele só libera a entrada para receber a assistência técnica do
engenheiro agrônomo da Cocamar, cooperativa à qual é associado. O trabalho do
profissional é feito respeitando as normas de isolamento social, sem contato
físico com ninguém. Ele vai até o campo, vistoria a lavoura, analisa tudo e
depois manda um relatório por WhatsApp. com todas as recomendações necessárias,
sem se encontrar com o produtor ou os funcionários.
As limitações impostas pela pandemia fizeram Viudes recorrer ainda mais às
soluções digitais, que já usava antes, tendo na rotina a consulta a aplicativos
de monitoramento de clima e outras ferramentas de agricultura de precisão, para
elaborar mapa de colheita, via georreferenciamento. e eliminar sobreposição e
falhas na pulverização. Quando necessário, recorre aos drones para vistoriar a
saúde das lavouras.
Viudes planta atualmente 150 hectares. No verão, opta pela soja. No inverno,
vai de trigo, milho e aveia. Depois que começou a pandemia, para retirar
insumos na cooperativa, ele agenda um horário e evita contato com outras
pessoas. E os aplicativos de bancos e da própria Cocamar são utilizados nas
transações online - e até na comercialização da safra. Também tornou-se um
habitual espectador das lives (nome em inglês dado a transmissões ao vivo pela
internet) para produtores rurais.
Engenheiro mecânico de formação e agricultor desde 2006, casado e sem filhos.
Viudes acredita que a Covid-19 antecipou em alguns anos a digitalização que
seria inevitável também para a agricultura. "Muita coisa veio para ficar.
Encurta distâncias, agiliza processos. Mas também é verdade que às vezes a
gente sente falta da proximidade com os funcionários, com os parceiros, amigos
e vizinhos de propriedade. Eram pessoas que a gente via quase
diariamente."
Na avaliação de Viudes, a adoção de tecnologias digitais e inevitável.
"Não tem como retroceder. O grande problema atual é o custo. Os
equipamentos ainda são caros. Mas vamos evoluindo e implementando
gradativamente. avaliando investimento versus incremento na produção. Outro
gargalo é a conectividade, que ainda não é boa, mesmo estando perto de grandes
centros urbanos, como é o meu caso. Isso tem de melhorar. Na sede, tive de
recorrer à internet via satélite."
As soluções digitais também entraram de vez na vida do administrador Marcos
Henrique Sereniski, que desde março mantém fechada a porteira da Fazenda
Brangus Brawir, que pertence ao Grupo Inquima, no distrito de Guaravera, em
Londrína, norte do Paraná.
Antes, ele já utilizava ferramentas digitais importantes, como medições por GPS
e imagens via satélite, para calcular tamanhos de áreas em projetos de reforma
de pastagens ou medição de talhões para plantios. Com drones, avaliava a
necessidade de aumentar a adubação ou corrigir o solo de forma localizada e com
precisão.
Agora, Sereniski usa a conexão via satélite, instalada na sede da fazenda, para
conversar, em tempo real, com o médico-veterinário Gustavo Gomes dos Santos,
que fica a 100 quilômetros, numa fazenda em Assai, também no norte paranaense.
Especialista em reprodução animal, Santos cuida das fertilizações in vitro das
vacas e presta consultoria na criação do gado brangus. Usando a tecnologia, os
dois conversam sobre estratégias de negócios e detalhes técnicos, com o
veterinário podendo visualizar alguns animais mesmo estando distante. Antes da
pandemia, Santos iria até a fazenda. Sereniski é categórico sobre o
coronavírus. “Não queremos o vírus aqui. Além dos funcionários, outras pessoas
só entram em casos de última necessidade. É uma forma de proteger os
colaboradores e evitar a interrupção de nossa operação. Se alguém for
contaminado, teremos de isolar todos os contatos, o que inviabiliza o
trabalho."
Nos 600 hectares da propriedade, são criados 2.100 animais em sistema de recria
e engorda. Parte da área é ocupada com soja no verão e milho no inverno,
consorciado com braquiária. Com os veterinários distantes, os peões e os
encarregados foram treinados para fotografar os animais, fazer vídeos e
interagir com os especialistas, tudo por meio das redes sociais.
Sereniski reconhece que são novos tempos. “E muita coisa veio para ficar. Mesmo
quando a pandemia passar, deslocamentos desnecessários, que antes aconteciam,
serão evitados. Isso vai gerar mais rapidez e economia." Ele próprio agora
faz todo o serviço de administração de forma online: compra, vende e paga
contas. Nem ao escritório do Grupo Inquima, que fica a 50 quilômetros, ele vai.
"Todo cuidado é pouco,” resume.
Sobre as dificuldades que ainda devem ser vencidas para que a fazenda seja cada
vez mais hi-tech, ele cita os custos e a conectividade. "O custo ainda é
alto para o pequeno e o médio produtor e inviabiliza alguns investimentos. Nós
somos médios e, em alguns casos, o retorno é a muito longo prazo, pelo volume
que trabalhamos. Além disso, no nosso caso, o principal desafio é o acesso à
internet. A que temos, via satélite, tem velocidade baixa e nos deixa travados
aos limites da sede. Queremos acesso em toda a fazenda", diz o
administrador.
Com sede em Maringá (PR), a cooperativa Cocamar também está se adaptando aos
tempos de pandemia. Leandro Cézar Teixeira, superintendente de relação com o
cooperado, conta que as tradicionais reuniões de prestação de contas da
Cocamar, que aconteciam em 70 unidades, sempre no meio do ano. reunindo de 30 a
200 pessoas em cada uma, em 2020 foram substituídas por conferências virtuais.
Teixeira observa que a média de idade dos cooperados é de 58 anos. “Não podemos
colocá-los em risco. Além disso, temos de proteger nossos funcionários. Há
municípios em que só a Cocamar recebe a produção do homem do campo. Se há uma
contaminação e temos de fechar por lá, prejudica muita gente”, diz ele.
Os produtores rurais brasileiros estão se reinventando para manter o agro em
plena atividade, sem poder receber as visitas de fornecedores, compradores e
dos técnicos que prestam assistência. O isolamento social abriu de vez o
caminho para a “agricultura digital", conceito amplo que abrange desde
ferramentas simples, como uso de internet ou de agricultura de precisão, até
tecnologias avançadas no campo, como a inteligência artificial ou os superdrones.
É o agro sendo controlado cada vez mais na ponta dos dedos, de forma remota e
em tempo real. O avanço da tecnologia digital no campo, impulsionado pela
necessidade de contornar os obstáculos impostos pelo distanciamento social, foi
revelado por uma pesquisa inédita realizada durante a pandemia pela Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceria com o Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Entre os dias 17 de abril e 2 de junho, por meio de questionários online, os
pesquisadores consultaram 753 pessoas em todo o país - das quais .504 eram
produtores rurais e 249 empresários que atuam na agricultura digital. A revista
Globo Rural teve acesso aos resultados da pesquisa com exclusividade.
Edson Bolfe, pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária e coordenador do
estudo, diz que os números surpreenderam: 84% dos produtores rurais consultados
pela pesquisa já usam algum tipo de tecnologia digital associada à atividade
agropecuária. O mais interessante é que a adesão às soluções digitais ocorre ao
longo das cadeias de produção do agro - antes, dentro e depois da porteira. “O
uso já vinha crescendo. Mas certamente toda essa situação de distanciamento
social acelerou - e muito - esse processo", diz Bolfe.
Por WILHAN SANTI (COM FILIPE BORIN), na Revista
Globo Rural
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