sexta-feira, 14 de agosto de 2020

AGRICULTURA DIGITAL - o campo em tempo real


Pesquisa inédita com produtores e empresas de todo o Brasil, publicada com exclusividade pela Globo Rural, revela que a Covid-19 acelerou o uso de novas tecnologias nas fazendas

O agricultor Sérgio Luis Viudes, de 56 anos, mantém fechada a porteira do Sitio Barra Grande, no município de Rolândia, no norte do Paraná, desde março, quando o novo coronavírus se tornou ameaça no Brasil. As visitas, antes constantes, agora estão proibidas. Ele só libera a entrada para receber a assistência técnica do engenheiro agrônomo da Cocamar, cooperativa à qual é associado. O trabalho do profissional é feito respeitando as normas de isolamento social, sem contato físico com ninguém. Ele vai até o campo, vistoria a lavoura, analisa tudo e depois manda um relatório por WhatsApp. com todas as recomendações necessárias, sem se encontrar com o produtor ou os funcionários.

As limitações impostas pela pandemia fizeram Viudes recorrer ainda mais às soluções digitais, que já usava antes, tendo na rotina a consulta a aplicativos de monitoramento de clima e outras ferramentas de agricultura de precisão, para elaborar mapa de colheita, via georreferenciamento. e eliminar sobreposição e falhas na pulverização. Quando necessário, recorre aos drones para vistoriar a saúde das lavouras.

Viudes planta atualmente 150 hectares. No verão, opta pela soja. No inverno, vai de trigo, milho e aveia. Depois que começou a pandemia, para retirar insumos na cooperativa, ele agenda um horário e evita contato com outras pessoas. E os aplicativos de bancos e da própria Cocamar são utilizados nas transações online - e até na comercialização da safra. Também tornou-se um habitual espectador das lives (nome em inglês dado a transmissões ao vivo pela internet) para produtores rurais.

Engenheiro mecânico de formação e agricultor desde 2006, casado e sem filhos. Viudes acredita que a Covid-19 antecipou em alguns anos a digitalização que seria inevitável também para a agricultura. "Muita coisa veio para ficar. Encurta distâncias, agiliza processos. Mas também é verdade que às vezes a gente sente falta da proximidade com os funcionários, com os parceiros, amigos e vizinhos de propriedade. Eram pessoas que a gente via quase diariamente."

Na avaliação de Viudes, a adoção de tecnologias digitais e inevitável. "Não tem como retroceder. O grande problema atual é o custo. Os equipamentos ainda são caros. Mas vamos evoluindo e implementando gradativamente. avaliando investimento versus incremento na produção. Outro gargalo é a conectividade, que ainda não é boa, mesmo estando perto de grandes centros urbanos, como é o meu caso. Isso tem de melhorar. Na sede, tive de recorrer à internet via satélite."

As soluções digitais também entraram de vez na vida do administrador Marcos Henrique Sereniski, que desde março mantém fechada a porteira da Fazenda Brangus Brawir, que pertence ao Grupo Inquima, no distrito de Guaravera, em Londrína, norte do Paraná.

Antes, ele já utilizava ferramentas digitais importantes, como medições por GPS e imagens via satélite, para calcular tamanhos de áreas em projetos de reforma de pastagens ou medição de talhões para plantios. Com drones, avaliava a necessidade de aumentar a adubação ou corrigir o solo de forma localizada e com precisão.

Agora, Sereniski usa a conexão via satélite, instalada na sede da fazenda, para conversar, em tempo real, com o médico-veterinário Gustavo Gomes dos Santos, que fica a 100 quilômetros, numa fazenda em Assai, também no norte paranaense. Especialista em reprodução animal, Santos cuida das fertilizações in vitro das vacas e presta consultoria na criação do gado brangus. Usando a tecnologia, os dois conversam sobre estratégias de negócios e detalhes técnicos, com o veterinário podendo visualizar alguns animais mesmo estando distante. Antes da pandemia, Santos iria até a fazenda. Sereniski é categórico sobre o coronavírus. “Não queremos o vírus aqui. Além dos funcionários, outras pessoas só entram em casos de última necessidade. É uma forma de proteger os colaboradores e evitar a interrupção de nossa operação. Se alguém for contaminado, teremos de isolar todos os contatos, o que inviabiliza o trabalho."

Nos 600 hectares da propriedade, são criados 2.100 animais em sistema de recria e engorda. Parte da área é ocupada com soja no verão e milho no inverno, consorciado com braquiária. Com os veterinários distantes, os peões e os encarregados foram treinados para fotografar os animais, fazer vídeos e interagir com os especialistas, tudo por meio das redes sociais.

Sereniski reconhece que são novos tempos. “E muita coisa veio para ficar. Mesmo quando a pandemia passar, deslocamentos desnecessários, que antes aconteciam, serão evitados. Isso vai gerar mais rapidez e economia." Ele próprio agora faz todo o serviço de administração de forma online: compra, vende e paga contas. Nem ao escritório do Grupo Inquima, que fica a 50 quilômetros, ele vai. "Todo cuidado é pouco,” resume.

Sobre as dificuldades que ainda devem ser vencidas para que a fazenda seja cada vez mais hi-tech, ele cita os custos e a conectividade. "O custo ainda é alto para o pequeno e o médio produtor e inviabiliza alguns investimentos. Nós somos médios e, em alguns casos, o retorno é a muito longo prazo, pelo volume que trabalhamos. Além disso, no nosso caso, o principal desafio é o acesso à internet. A que temos, via satélite, tem velocidade baixa e nos deixa travados aos limites da sede. Queremos acesso em toda a fazenda", diz o administrador.

Com sede em Maringá (PR), a cooperativa Cocamar também está se adaptando aos tempos de pandemia. Leandro Cézar Teixeira, superintendente de relação com o cooperado, conta que as tradicionais reuniões de prestação de contas da Cocamar, que aconteciam em 70 unidades, sempre no meio do ano. reunindo de 30 a 200 pessoas em cada uma, em 2020 foram substituídas por conferências virtuais.

Teixeira observa que a média de idade dos cooperados é de 58 anos. “Não podemos colocá-los em risco. Além disso, temos de proteger nossos funcionários. Há municípios em que só a Cocamar recebe a produção do homem do campo. Se há uma contaminação e temos de fechar por lá, prejudica muita gente”, diz ele.

Os produtores rurais brasileiros estão se reinventando para manter o agro em plena atividade, sem poder receber as visitas de fornecedores, compradores e dos técnicos que prestam assistência. O isolamento social abriu de vez o caminho para a “agricultura digital", conceito amplo que abrange desde ferramentas simples, como uso de internet ou de agricultura de precisão, até tecnologias avançadas no campo, como a inteligência artificial ou os superdrones. É o agro sendo controlado cada vez mais na ponta dos dedos, de forma remota e em tempo real. O avanço da tecnologia digital no campo, impulsionado pela necessidade de contornar os obstáculos impostos pelo distanciamento social, foi revelado por uma pesquisa inédita realizada durante a pandemia pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Entre os dias 17 de abril e 2 de junho, por meio de questionários online, os pesquisadores consultaram 753 pessoas em todo o país - das quais .504 eram produtores rurais e 249 empresários que atuam na agricultura digital. A revista Globo Rural teve acesso aos resultados da pesquisa com exclusividade.

Edson Bolfe, pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária e coordenador do estudo, diz que os números surpreenderam: 84% dos produtores rurais consultados pela pesquisa já usam algum tipo de tecnologia digital associada à atividade agropecuária. O mais interessante é que a adesão às soluções digitais ocorre ao longo das cadeias de produção do agro - antes, dentro e depois da porteira. “O uso já vinha crescendo. Mas certamente toda essa situação de distanciamento social acelerou - e muito - esse processo", diz Bolfe.

Por WILHAN SANTI (COM FILIPE BORIN), na Revista Globo Rural  


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