Depois do boom das lives,
setor adapta modelo digital, pensa no retorno das atividades com público e
estuda modelo híbrido, com transmissão virtual gratuita e cobrança de conteúdos
exclusivos.
O Brasil ficou 140 dias sem realizar, com a presença de
público, shows musicais, espetáculos teatrais e outras atividades que giram a
roda do entretenimento. Um setor que em 2019 movimentou R$ 305 bilhões, segundo
a Associação Brasileira dos Produtores de Eventos (Abrape), emprega 2 milhões
de profissionais diretamente e promove renda a outros 4 milhões de informais.
Aos poucos, bem devagar e em algumas regiões do País, alguns eventos estão
sendo retomados. Mas muito longe do ideal. Os grandes eventos mudaram o formato
e passaram a ser exibidos em plataformas digitais para as pessoas assistirem de
casa. Entre março e abril, as lives de artistas da música, principalmente,
caíram no gosto dos brasileiros e alcançaram números estrondosos de audiência.
Começaram improvisadas e ganharam contornos de superprodução. A sertaneja
Marília Mendonça fez no dia 8 de abril a maior transmissão ao vivo do YouTube,
com 3,3 milhões de acessos simultâneos – hoje a apresentação tem 55 milhões de
visualizações. Hoje, quatro meses depois, as lives não são mais novidade,
registraram queda significativa de espectadores, mas ainda continuam com
público cativo na casa dos 500 mil a 1 milhão de fãs conectados ao mesmo tempo
nas maiores apresentações. Tudo de graça, com grandes patrocínios de empresas
do ramo alimentício, de bebidas, vestuário e apoio de fintechs para arrecadar
doações.
O modelo passa por constante adaptação. O formato do entretenimento não deve
permanecer assim com a volta dos shows com público. Mas as atrações digitais
não serão abandonadas por completo. “Acredito no modelo híbrido, assim como vai
acontecer com os escritórios administrativos”, afirmou Gui Marconi, sócio da
Diverti, empresa responsável pelo Circuito Brahma Live, que já realizou mais de
250 eventos virtuais durante a pandemia.
O formato vislumbrado por Marconi é a volta dos eventos com público, seguindo
protocolos. Ao mesmo tempo em que haverá transmissão ao vivo pela internet,
numa plataforma gratuita, com possibilidade de alguns conteúdos exclusivos
cobrados, como imagens ao vivo dos bastidores. Há, porém, muitas variáveis que
devem ser levadas em consideração para colocar em prática um evento desse tipo,
da segurança do público ao fechamento financeiro do negócio.
As lives passaram por mudanças no curto período de quatro meses desde que
ficaram populares. Cachês para os artistas no valor de R$ 100 mil, com
exposição de marcas e produtos, ficou barato diante de 2 milhões de pessoas
assistindo simultaneamente. Houve aumento no repasse para os
artistas, ao mesmo tempo em que diminuiu o número de internautas ligados na
transmissão. Ficou caro. Hoje já há equilíbrio para fechar a conta dos eventos
no azul, mesmo com as grandes produções, como as lives do Skank, no estádio do
Mineirão, e de Zé Neto e Cristiano, no Parque do Peão, em Barretos (SP), ambos
patrocinados pela Brahma, da Ambev, com atuação da Diverti, de Gui Marconi.
A força desse formato neste momento de quarentena é comprovado pelos
resultados. A Brahma lançou sua versão Duplo Malte durante as lives. E tem
vendido o produto seis vezes mais do que o previsto. “A publicidade durante as
transmissões ao vivo, com o artista falando das marcas, tem grande influência
no público”, disse Marconi. Riachuelo e a fintech Ame, que nunca tinham
apostado no sertanejo, estão satisfeitas com o retorno e já negociam parcerias
com artistas e produtores para os próximos 3 anos. Segundo mapeamento da
Diverti, 65% das lives do Brasil e 80% da audiência dessas transmissões foram
de música sertaneja. “É representativo.”
Resultados de um modelo gratuito para o público. O mercado discute se deve
cobrar ou não pelo acesso aos shows on-line, o que poderia aumentar a
arrecadação, porém, diminuir o alcance e afastar patrocinadores. Enquanto os
produtores fazem as contas, pesquisa realizada pela empresa de Gui Marconi
revelou que 56% dos participantes pagariam para assistir a um evento de forma
virtual.
O primeiro teste desse formato é neste sábado (15), às 18h, com a cantora
Alcione no projeto Vivo Rio em Casa, elaborado como uma primeira etapa de
retorno das atividades. O show será completo, com cenário e banda na casa de
espetáculos do Rio de Janeiro – celebra os 48 anos de carreira da Marrom. Mas
não haverá plateia presencial. As pessoas pagam de R$ 10 a R$ 500 para assistir
em casa. Ao adquirir o ingresso virtual, o fã recebe um ticket com um link e um
código. No dia e horário marcados da apresentação, é possível abrir o link no
dispositivo que preferir, inserir o código e assistir “um show com qualidade de
som e imagem, como se você estivesse na plateia”, promete a Vivo Rio, que
preparou o formato em parceria com a Eventim Brasil e terá a Onstage como
plataforma de transmissão.
Modelo que estava esquecido e que tem ganhado relevância na quarentena é o
Drive-in. Na volta dos espetáculos com público, deve perder força. Mas abre-se
oportunidade para ser executado em temporadas, por exemplo. “Assim como as
lives têm se adaptado, o Drive-in encontrará seu nicho”, disse Doreni Caramori
Júnior, presidente da Abrape. Com aglomeração ou sem, virtual ou presencial, o “show
tem que continuar”, já dizia o samba de 1988 composto por Arlindo Cruz,
Sombrinha e Luiz Carlos da Vila.
Por Beto Silva, na Revista
Isto É Dinheiro
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