A Operação Bullish,
da Polícia Federal, que investiga o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) à JBS, colocou a instituição na berlinda. O corpo
técnico do BNDES foi fortemente abalado e uma semana depois da operação,
realizada na sextafeira, a diretoria ainda busca entender as razões que levaram
31 empregados e ex-servidores do banco a se tornarem alvo de condução
coercitiva e de mandados de busca e apreensão de documentos pela PF. Não há
consenso entre especialistas sobre os efeitos da operação policial para o
futuro do banco, cujo desempenho está em declínio há meses como resultado da
recessão.
Há quem entenda que
a Operação Bullish vai dificultar ainda mais a vida do banco, uma vez que
acentuou a insegurança jurídica dos empregados para assinar documentos. Há
também quem discorde e avalie que, quando os detalhes da operação forem
revelados, o BNDES poderá sair fortalecido dessa "incômoda" situação.
Ontem o diretor de
controladoria e gestão de riscos do BNDES, Ricardo Baldin, encaminhou petição à
Polícia Federal para ter acesso ao inquérito da Bullish. O BNDES desconhece
detalhes da investigação. Na noite de quarta, Baldin afirmou ao Valor: "A
partir de amanhã [ontem] vou providenciar ofício [à PF] pedindo as informações
que tem no inquérito para que possamos dar ponto de partida [entender melhor a
situação]."
Nos bastidores,
relatos de pessoas levadas a depor sugerem que o foco dos investigadores recaiu
sobre suposta influência do ex-ministro Antonio Palocci no BNDES e na relação
do banco com a JBS, disseram fontes. "Jogaram a rede larga para fazer
checagem dupla", disse aposentado do banco que conversou com excolegas
levados a depor. Segundo interlocutores, entre as 31 pessoas alvo da PF havia
servidores que nem participaram das operações financeiras com a JBS.
A lista da condução
coercitiva incluiu funcionários que já passaram pelos mais variados níveis
hierárquicos na instituição. A lista incluiu um ex-diretor da área de mercado
de capitais que assinou, pela BNDESPar, o braço de participações societárias do
banco, um aumento de capital de R$ 1,853 bilhões em contrato da J&F
participações, a holding da JBS, em 2007. Também foram levados a depor um
ex-diretor da BNDESPar e pessoas que ocuparam cargos de gerentes da área de
mercado de capitais e de outras instâncias decisórias do banco; diretores e
chefes de departamento, economistas e engenheiros.
"Atiraram para
tudo que é lado", disse outra fonte.
A extensão e a
forma da operação, via condução coercitiva, provocaram "revolta" dos
funcionários, que cobram defesa "enfática" da presidente do BNDES,
Maria Silvia Bastos Marques, em favor do corpo funcional. Ameaçam, inclusive,
paralisar atividades. Depois da operação, Maria Silvia se manifestou em apoio
aos empregados.
Baldin disse que
todos os funcionários do BNDES estão incluídos em uma apólice de seguro de
responsabilidade que cobre atos de gestão. É o chamado seguro D&O (do
inglês director and officers), instrumento que protege executivos de eventuais
perdas financeiras pessoais decorrentes de seus atos de administração. No caso
do BNDES, o seguro é extensivo a todos os funcionários. Por meio da apólice, os
funcionários têm garantida a rentabilidade de suas aplicações financeiras e
também têm assegurada eventual defesa em processos por advogados pagos pelo
banco, disse Baldin. "Não é coerente as pessoas [do BNDES] acharem que têm
que parar de trabalhar", afirmou Baldin.
Ele negou que o
banco esteja virtualmente paralisado como consequência da Bullish. "Aqui
todo mundo está trabalhando." Nos bastidores, funcionários dizem que a
operação da PF ampliou a insegurança jurídica das pessoas que trabalham em
áreas operacionais do banco, que ficaram ainda mais reticentes em assinar
documentos de operações em tramitação com receio de serem alvo de eventuais
novas operações da Polícia Federal. Antes da Bullish, o clima no BNDES era de
insegurança, como consequência dos efeitos da Lava-Jato, uma vez que diversas
empreiteiras que fizeram delação premiada têm projetos de financiamento com o
BNDES, dizem fontes
A insegurança
jurídica dos funcionários para aprovar os projetos é um dos elementos que pode
pesar no desempenho do banco, segundo avaliação da associação de funcionários
(AFBNDES). No acumulado de 12 meses até abril, as consultas caíram 27,21%, os
enquadramentos encolheram 26,47%, os desembolsos tiveram desempenho pior, com
queda de 33,03%, enquanto as aprovações caíram 24,61%. Os funcionários citam
outros elementos que justificam o desempenho do banco: a crise econômica e a
nova visão da administração da instituição sobre o que deve ser o papel de um
banco de desenvolvimento.
José Roberto
Afonso, professor do Instituto Brasiliense do Direito Público (IDP), disse que
historicamente a tramitação de projetos no BNDES envolve processo
"complexo e intrincado" para evitar risco de má avaliação e de
eventual corrupção de funcionário. "Sempre que se cobrou maior agilidade e
simplicidade do BNDES nunca gostei pois poderia dar margem a tornar esse
processo mais vulnerável a pressões externas", disse Afonso. Ele trabalhou
no banco por 30 anos e diz que nenhuma outra instituição pública no país foi
tão supervisionada, fiscalizada e vigiada pelo Tribunal de Contas da União
(TCU), pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.
"Até hoje não
veio a público uma acusação concreta contra um funcionário de carreira do
BNDES, o que mostra que esse processo complexo, mas colegiado, de funcionamento
do BNDES funcionou como uma blindagem", afirmou Afonso. Um aposentado do
banco ouvido pela reportagem citou supostos casos de corrupção na ditadura
militar no BNDES e disse que, embora seja difícil fazer corrupção "por
dentro" no banco, já houve casos na democracia em que alguém "por
fora" tentou mostrar suposta influência sobre as decisões do banco para
conseguir eventuais vantagens com empresas tomadoras de empréstimos.
A fonte chamou a
atenção para participação relevante que a JBS ganhou na carteira da BNDESPar.
Segundo dados de 2016, a JBS responde por 9,2% da carteira de participações
societárias da BNDESPar só atrás de Petrobras e Vale. "Se eu fosse sentar
na cadeira de Maria Silvia é claro que eu faria uma auditoria nas operações da
JBS", disse este interlocutor. O BNDES instituiu uma comissão de apuração
interna para avaliar as operações com a JBS. A comissão deve concluir seus
trabalhos em 45 dias. O banco disse que coopera regularmente com todas as
autoridades públicas e órgãos de controle.
Um ex-presidente do
banco disse que no período em que o Tesouro aportou recursos no BNDES o banco
optou diversas vezes por fazer operações de participação acionária sozinho, sem
a participação de bancos privados. "A operação de compra de participação
acionária feita junto com o mercado dá mais segurança ao BNDES, reduz riscos e
evita questionamentos futuros", disse o expresidente. Avaliou que na
administração anterior o banco também perdeu oportunidade de vender ações da
carteira com lucro.
Sérgio Lazzarini,
do Insper, disse não ver justificativa econômica para o investimento na JBS.
Segundo ele, o BNDES tem que seguir a estratégia de ser criterioso na concessão
de financiamentos. "A dúvida, em uma eventual troca de governo, é se o
banco vai manter a direção atual", disse Lazzarini. Em nota, o BNDES disse
que foi a primeira estatal federal a adequar integralmente seu estatuto social
aos novos padrões de governança exigidos pela nova Lei das Estatais.
Baldin, o diretor
do BNDES, negou que as apurações internas feitas pelo banco e os maiores
controles que estão sendo feitos pela atual administração sejam resultado das
investigações promovidas pela Lava-Jato. A atual administração criou uma
diretoria jurídica e uma diretoria de controladoria, dirigida por Baldin.
Segundo ele, essa nova estrutura responde a uma necessidade de melhoria na
governança do banco. "A controladoria está junto a várias áreas do banco,
passou a dar uma metodologia, um rol de atividades que levam a fornecimento de
ações importantes para a tomada de decisões. Esse é o papel da
controladoria", disse Baldin.
Afirmou que esse
trabalho vem acompanhado de outras medidas, incluindo a criação de uma área
"compliance" (conformidade) que substituiu uma área de controles
internos. "Hoje temos todas as políticas escritas, monitoradas e testadas,
políticas de anticorrupção, política contra lavagem de dinheiro. Todas essas
coisas estão em conjunto com medidas de aprimoramento da governança do
banco." E completou: "Muitas dessas coisas existiam, mas estavam mais
dispersas na estrutura do banco. Fizemos um rearranjo para que tivessem
funcionamento melhor."
Por Francisco Góes
e Heloisa Magalhães, no Valor Econômico
Conforme o momento histórico, Shakespeare foi construindo nuvens com peças dotadas de diferentes características, propriedades específicas para cada fase de sua produção literária. “Medida por Medida” e “Bem está o que bem acaba” integram o que se convencionou denominar “comédias sombrias”, peças onde tensão e situações cômicas as categorizam em desacordo com outras comédias do dramaturgo como “A comédia dos erros”, “As alegres comadres de Windsor” e “Sonho de uma noite de verão”. E a explicação é singela: foram elaboradas no mesmo período em que o autor escreveu Hamlet e Otelo, grandes obras da literatura universal que elevam a tragédia ao ápice do gênero teatral.
Na peça “Medida por Medida”, com inusitada habilidade, Shakespeare discute administração pública, direito e corrupção de maneira magistral.
O universo da administração pública adotado na peça é largo e profundo. Entrelaçados às cenas emergem assuntos como
- o autoritarismo oriundo do poder divino do rei, as prerrogativas do monarca e a antecipação do liberalismo;
- a descentralização administrativa;
- o abuso do poder na administração pública;
- os limites da delegação de competência;
- accountability, fiscalização e controle;
Quanto ao direito, lança um forte debate sobre quesitos por demais importantes para a humanidade:
- a aplicabilidade das leis mesmo quando se apresentam fora de uso por um longo tempo, gerando disfunções de toda ordem;
- a execução da pena quando esta resulta de uma lei extremamente dura;
- a discricionariedade do juiz na aplicação da lei, a subjetividade do magistrado e a fragilidade dos paradigmas que orientam o sistema de decisões no judiciário;
- a distribuição da justiça.
Especial enfoque o Bardo dá ao tema da corrupção, mostrando:
- a moral e a ética corroídas pelos interesses pessoais e pelo tráfico de influência;
- a força do poder para alterar o caráter dos administradores.
Neste aspecto Shakespeare nos faz refletir sobre a utilização do Estado enquanto instrumento de satisfação dos interesses pessoais.
E todo este universo é entrecortado por discussões sobre o amor e o ódio, a moral e o imoral, o sexo e a abstinência, a clausura e a liberdade, a prisão e a salvação, a vida e a morte.
O presente livro, além de disponibilizar a versão original de “Medida por medida” de Shakespeare, apresenta um conjunto de ensaios contextualizando a peça teatral às questões que incendeiam os panoramas contemporâneos brasileiro e latino-americano como corrupção, estado e administração pública; controle e accountability; direito e administração da justiça.
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