Nos vídeos
divulgados da delação de Marcelo Odebrecht à força-tarefa da Operação Lava
Jato, o empresário relata uma série de supostos ilícitos, envolvendo um sem
número de servidores públicos, políticos, e outros empresários. Há acusações de
cartel em Licitação, vantagens indevidas a agentes públicos, organização
criminosa, improbidade administrativa, entre outros. Este emaranhado reflete
também a diversidade de autoridades competentes para investigar e punir as
condutas, o que cria um ambiente de multiplicidade institucional.
Hoje, há ao menos
quatro órgãos legitimados para investigação dessas empresas e empresários: o
Ministério Público, a Controladoria-Geral da União (CGU), o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o Tribunal de Contas da União (TCU)
- isso sem falar em Advocacia-Geral da União e no próprio Judiciário. A questão
se torna ainda mais complexa pelo fato de que tais autoridades coordenam não só
atividades de investigação como também a negociação de acordos, como a delação
premiada.
Com o advento da
Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), o Brasil passou a punir empresas (e não
só empresários) por atos de corrupção. Com isso, atendeu a uma demanda antiga
da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já incorporada
por muitos outros países ao redor do mundo. Ao mesmo tempo, a lei instituiu o
acordo de leniência nesta seara. No mesmo ano, foi promulgada a Lei de
Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013), que criou a hoje famosa
colaboração premiada.
O resultado, em
muitos sentidos, tem sido positivo. Aprimoraram-se os mecanismos de detecção e
punição de condutas lesivas. Para se ter uma ideia, somente no âmbito da
operação Lava Jato foram celebrados mais de 160 acordos, entre delações e
leniências. No entanto, ainda há questões importantes a serem resolvidas.
Embora tenha havido
inegáveis avanços, não há plena clareza sobre os procedimentos a serem seguidos
em casos que possam envolver aplicação de mais de uma lei. Isso tem gerado
insegurança no setor privado e dificuldades para o setor público. A
multiplicidade de autoridades competentes para avaliar as repercussões
criminais e administrativas das condutas pode gerar falta de segurança ao
empresário ou à empresa que pretende colaborar - que não sabe quais autoridades
procurar, quais são efetivamente os critérios para assinatura de um acordo e se
a celebração de acordo com uma das autoridades repercutirá em todas as esferas
relevantes. Tanto é assim que até o momento nenhuma leniência foi assinada pela
CGU, mas sete foram assinadas pelo Cade e três pelo Ministério Público.
Resolver essa
questão certamente não é simples. É preciso que as instituições públicas se
inspirem em experiências anteriores e colaborem entre si para estabelecer um
cenário propício para a assinatura de acordos que preserve suas funções de
robustecer as investigações por meio de provas sólidas e de desestabilizar os
esquemas ilícitos, ao dar ao infrator a possibilidade de confessar sua conduta.
No que compete às
empresas, uma ferramenta fundamental para a negociação de acordos é a adoção de
programas de compliance. Esses programas buscam garantir o cumprimento da lei
pela organização privada, e não só ajudam a prevenir ilícitos, como auxiliam na
rápida identificação de irregularidades e, consequentemente, em sua rápida
remediação. Na perspectiva de negociação de acordos, isso é primordial. A
assinatura desses termos depende não apenas de um depoimento. Requer a
apresentação de provas, a construção de um contexto que explique às autoridades
qual era a prática ilícita e efetivamente auxilie nas investigações. Para isso,
é preciso conduzir uma coleta de material dentro da própria empresa, algo que o
compliance ajuda a estruturar. O programa, quando robusto e bem estruturado, é
ainda uma forma efetiva de demonstrar à autoridade o comprometimento da empresa
em não mais descumprir a lei.
No entanto, a
tarefa de desenhar e implementar um programa efetivo não é trivial. A
multiplicidade de autoridades públicas aptas a investigar as condutas e assinar
acordos também implica em diversos entes competentes para analisar os sistemas
de cumprimento colocados em prática pelo setor privado. Isso é especialmente
sensível já que a Lei Anticorrupção e também normas do Cade consideram os
programas efetivos de compliance como critérios para atenuar eventuais punições
a empresas por condutas corruptas ou anticompetitivas. Nada garante que tais
autoridades farão o mesmo tipo de avaliação sobre o programas e que as análises
serão convergentes.
Tal fragilidade não
decorre necessariamente da falta de coordenação entre elas, mas do simples fato
de que a controvérsia a respeito do que é um programa adequado é grande. Ao
redor do mundo, o tema está em pauta há algum tempo. Órgãos como a Autorité de
la Concurrence, órgão antitruste francês, entendem que o programa de compliance
só merece ser considerado para fins de redução de penalidade se for
implementado após descoberta a conduta pela autoridade. Outros órgãos, como o
Departamento de Justiça americano, evoluíram seu posicionamento - que antes
considerava que compliance não é mais que a obrigação da empresa e não deve ser
de qualquer forma recompensado - e hoje veem com bons olhos programas que levam
a empresa a colaborar com a autoridade.
Os incentivos à
adoção de programas de compliance decorrem de uma visão de que não é tarefa
exclusiva do Estado detectar e reprimir ilícitos. A legislação de diversos
países, inclusive do Brasil, já reflete a noção de que também é papel das
empresas desenvolver mecanismos para proteger os mercados de práticas nocivas.
A repressão a
ilícitos econômicos entrou em definitivo na pauta das autoridades e da
sociedade brasileira, e consequentemente também no horizonte do setor privado.
Há sim desafios a serem superados, que passam tanto pela coordenação do setor
público na condução de investigações e negociações de acordos quanto pela
adequação do setor privado a essa nova realidade. O compliance pode equalizar
essas variáveis e auxiliar na construção de um ambiente competitivo saudável e
na tomada de decisões bem informadas. No entanto, só o será se o processo de
estruturação do programa for bem conduzido, atentar para as particularidades
dos casos concretos, e compreender o ambiente institucional em que está
inserido.
Por Francisco
Schertel Mendes e Vinicius Marques de Carvalho, em O Estado de São Paulo
__________________
Nikolai Gogol: O inspetor geral.
O livro contém o texto original de Nicolai Gogol, a peça teatral “O inspetor Geral”. E mais um ensaio e 20 artigos discorrendo sobre a realidade brasileira à luz da magnífica obra literária do grande escritor russo. Dessa forma, a Constituição brasileira, os princípios da administração, as referências conceituais da accountability pública, da fiscalização e do controle - conteúdos que embasam a política e o exercício da cidadania – atuam como substrato para o defrontar entre o Brasil atual e a Rússia dos idos de 1.800.
Desbravar a alma humana através de Gogol é enveredar por uma aventura extraordinária, navegar por universos paralelos, descobrir mundos mantidos em planos ocultos, acobertados por interesses nem sempre aceitáveis.
A cada diálogo, a cada cena e ato, a graça e o humor vão embalando uma tragédia social bastante familiar a povos de diferentes culturas, atravessando a história com plena indiferença ao tempo.
O teatro exerce este fascínio de alinhavar os diferentes universos: o cáustico, o bárbaro, o inculto que assaltam a realidade, que obliteram o dia a dia; e o lúdico, o onírico, o utópico-fantástico que habitam o imaginário popular.
“O inspetor geral” é um clássico da literatura universal. Neste contexto, qualquer esforço ou tentativa de explicá-lo seria tarefa das mais frívolas e inócuas. E a razão é simples, frugal: nos dizeres de Rodoux Faugh “os clássicos se sustentam ao longo dos tempos porque revestem-se da misteriosa qualidade de explicar o comportamento humano e, ao deslindar a conduta, as idiossincrasias e o caráter da espécie, culminam por desvendar a própria alma da sociedade”.
Esta é a razão deste livro não aspirar à crítica literária, à análise estilística e, sim, possibilitar que o leitor estabeleça relações de causa e efeito sobre os fatos e realidade que assolavam o Império Russo de 1.800 com os que amarguram e asfixiam o Brasil dos limiares do século XXI.
Do início ao final da peça teatral, as similaridades com o Brasil atual inquietam, perturbam, assustam... Caracteriza a literatura clássica o distanciamento da efemeridade, o olhar de soslaio para com o passadiço pois que se incrusta nos marcos da perenidade. Daí a dramaturgia de Nicolai Gogol manter-se plena de beleza, harmonia, plástica, humor e atualidade.
Nesta expedição histórica, a literatura de um dos maiores escritores russos enfoca uma questão que devasta a humanidade desde os seus primórdios, finca âncoras no presente e avança, insaciavelmente, sobre o futuro. O dramaturgo, com maestria, mergulha nas profundezas do caráter humano tratando a corrupção, não como uma característica estanque, intrínseca exclusivamente à esfera individual, mas como uma chaga exposta que se alastrou para deteriorar todas as construções sociais, corroer as instituições e derrocar as organizações humanas.
É o mesmo contexto que compartilham Luís Vaz de Camões e Miguel de Cervantes, William Shakespeare e Leon Tolstoi, Thomas Mann e Machado de Assis.
Mergulhar neste mundo auspicioso e dele extrair abordagens impregnadas de accountability pública é o desafio estabelecido. É para esta jornada que o leitor é convidado de honra.
O livro integra a Coleção Quasar K+:
Livro 1: Quasar K+ Planejamento Estratégico;
Livro 2: Shakespeare: Medida por medida. Ensaios sobre corrupção, administração pública e administração da justiça;
Livro 3: Nikolai Gogol: O inspetor geral. Accountability pública; Fiscalização e controle;
Livro 4: Liebe und Hass: nicht vergessen Aylan Kurdi. A visão de futuro, a missão, as políticas e as estratégias; os objetivos e as metas.
Para saber mais sobre o livro "Nikolai Gogol: O inspetor geral - Accountability pública; Fiscalização e controle", clique aqui.