Muitos perguntam
como a reforma da Previdência, que acaba de passar na comissão especial da
Câmara dos Deputados, pode ser boa para os mais pobres, como vive repetindo o
governo, se ela retira direitos de todos. Com efeito, a Constituição de 1988
mandou que os direitos previdenciários fossem ampliados significativamente, daí
o forte crescimento dos gastos nos últimos anos, e até aumentou fortemente as
receitas cativas da área conhecida como 'social'. Tanto assim que o discurso
mais comum entre os porta-vozes do movimento antirreforma é de que não existe
déficit algum na Previdência Social, pois a receita foi ampliada. O problema é
que a mesma Constituição também enfatizou - e mandou pagar com o mesmo
suborçamento cativo - maiores gastos em saúde (um direito de todos) e
assistência social, caso em que, em relação ao PIB, se gasta bem mais que a
média do mundo emergente, e talvez até mesmo em comparação com Europa e Estados
Unidos. Assim, na hora de fechar a conta, o cobertor fica bem curto.
Esse problema tende
a piorar rapidamente, por um fenômeno pouco percebido, que é o processo de
rápido envelhecimento da população brasileira. Dentro de uns 30 ou 40 anos,
conforme estimativas da ONU, o percentual de idosos do Brasil superará o da
Europa e dos Estados Unidos. Assim, haverá bem mais idosos relativamente aos
que contribuem, o que tornará o sistema ainda menos sustentável.
Nesses termos, se
não houver reforma, o gasto, medido em porcentagem do PIB, dobrará até 2060,
segundo cálculos da equipe de Marcelo Caetano, o 'papa' no assunto, o que teria
de ser financiado por impostos, algo impossível diante da alta carga tributária
que já temos, ou via emissão monetária, o que levaria à volta da hiperinflação,
e tudo de ruim que isso implica, inclusive por prejudicar particularmente os
mais pobres. Só que convencer a população desse tipo de coisa é tarefa muito
difícil, especialmente para um governo com a baixa popularidade do atual.
No meio de tudo
isso, têm crescido fortemente as pressões antirreforma de parte de vários
segmentos afetados, levando a sucessivas alterações da proposta original,
atenuando seus efeitos.
Nesse sentido, o
maior problema enfrentado pelo governo no momento é convencer os mercados
financiadores da dívida pública de que as crescentes alterações na proposta não
a terão desfigurado demasiadamente no final da votação, que muitos ainda
estimam vitoriosa para o governo, a exemplo do que acaba de se ver na comissão
especial.
Ao refazer sua
estratégia de ação nesse assunto, Temer deveria ter conclamado a ajuda dos
governadores, aliados naturais na difícil tarefa de equacionar os gigantescos
déficits previdenciários de todos os regimes e que possuem óbvia influência
sobre as respectivas bancadas, de forma mais enfática. Em troca, poderia
ajudá-los a financiar os gigantescos déficits de caixa decorrentes da pior
recessão de nossa história, adiantando recursos da venda de ativos e outros
recebíveis direcionados para os fundos próprios de pensão.
No XXIX Fórum
Nacional, em 18 e 19 de maio, (veja em inae.org.br), que contará com o apoio de
sempre do BNDES, palco habitual dos debates mais importantes sobre o futuro do
país, discutirei com vários painelistas destacados tanto a questão
macroeconômica, em que o tema previdência se destacará naturalmente com o depoimento
de Marcelo Caetano, como dois temas básicos do momento, a crise financeira
estadual e a crise da infraestrutura, que, por último, passaram a ocupar papel
de destaque no debate nacional. Sem desmerecer o importante papel dos demais
participantes, cuja lista completa seria impossível incluir aqui, lá estará o
senador Ricardo Ferraço, que acaba de assumir a condução do processo de votação
da essencial reforma trabalhista no Senado Federal. Contaremos também com
outros líderes de peso, como Marcos Cintra (Finep) e Afif Domingos (Sebrae),
que discutirão os rumos do país do ponto de vista de suas áreas de atuação
(tecnologia e pequena empresa).
O presidente
Rodrigo Maia, da Câmara, presidirá o painel sobre a crise dos estados, na
presença dos governadores talvez mais importantes do país, enquanto o Ministro
Bruno Dantas, responsável pela área no TCU, acompanhado do secretário Adalberto
Vasconcelos, do PPI, coordenará o debate dos temas relacionados com as agruras
da infraestrutura brasileira.
Nesse particular,
deixo para debater no Fórum a aprovação da Medida Provisória 752, que acaba de
ser anunciada, e que poderia ter encaminhado uma solução adequada para as
concessões rodoviárias que foram abaladas pela maior recessão da história do
país, em curso, mas que, na última hora, foi desfigurada no processo de
aprovação no Congresso Nacional.
Concluo destacando
que as reformas estruturais são obviamente prioritárias e deveriam merecer toda
a atenção da classe política, mas questões relevantes como as que citei acima
não podem ficar de fora do debate nacional e da busca de soluções cada vez mais
urgentes para problemas cruciais do país.
Por RAUL VELLOSO,
em O Globo