AGU atrapalha
Lava-Jato, diz procurador
Acordos de
leniência com empresas envolvidas em grandes casos de corrupção não devem ser
negociados por órgãos de governo, onde a influência política compromete
sensivelmente a independência necessária para a celebração desse tipo de
instrumento. No caso específico da Lava-Jato, a atuação da Advocacia-Geral da
União (AGU) estaria prejudicando as investigações.
Quem afirma é o
procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da
força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba. Ele avalia que os interesses políticos
do governo sacrificam os esforços para a obtenção de novas provas no momento em
que a AGU insiste em processar empreiteiras que já assinaram acordo de
leniência com o Ministério Público Federal (MPF).
Na avaliação do
procurador, somente o MPF detém a independência necessária para assinar
leniência. Por essa razão, ele defende que o acordo com o Ministério Público
deve prevalecer sobre os demais. Além do MPF, o Ministério da Transparência e
Controladoria-Geral da União (CGU) e o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) negociam com as empresas da Lava-Jato.
"Em casos
simples, os acordos poderiam ser complementares. Mas na Lava-Jato, como o
noticiário nos revela a cada dia, somente um órgão com independência pode
encaminhar acordos complexos que envolvem crimes e improbidades
administrativas. E o único órgão com visão orgânica de todos os aspectos dessa
criminalidade é o Ministério Público", disse o procurador ao Valor.
A força-tarefa
endurece o discurso contra os órgãos federais à medida em que novas ações de
improbidade vão sendo ajuizadas. No final do mês passado, a AGU pediu a
devolução de R$ 11 bilhões a várias empresas da Lava-Jato. A ação se somou a
outras cinco, totalizando mais de R$ 40 bilhões em ressarcimento. As empresas
que assinaram leniência com o MPF - Odebrecht, Camargo Correa e Andrade
Gutierrez - alegam que a execução das ações pode resultar em falência.
"Temos que
fazer valer no Judiciário o entendimento que o Estado brasileiro é único e não
pode se comportar como um ente esquizofrênico, com múltiplas personalidades,
umas buscando o interesse público e outras defendendo interesses
político-partidários", disse o procurador. "Assim, reitero que a
representação do Estado brasileiro em uma situação de corrupção política
sistêmica só pode ser feita pelo Ministério Público", completou.
Empresas que
negociam acordo de leniência têm como objetivo principal a retomada de suas
operações com o poder público, seja participando de Licitações ou tomando
empréstimo em bancos federais. O problema é que os acordos assinados com o MPF
não foram suficientes para a obtenção da "ficha limpa", obrigando as
empresas a se acertarem também com o governo.
Enquanto a CGU
busca ressarcir o dano aos cofres públicos, o MPF prioriza a produção de provas
de novos crimes. A diferença de interesses prejudica a troca de informações.
"A revelação de fatos, especialmente daqueles que envolvem os próprios
políticos que estão no governo, ou que dão suporte a esse governo, não pode ser
feita a órgãos que não possuam independência", sustenta o procurador da
Lava-Jato.
"Pelo menos
enquanto houver interesse investigativo, especialmente do Supremo Tribunal
Federal, não é possível o compartilhamento de documentos. A representação
adequada do Estado brasileiro é realizada pelo Ministério Público Federal, pois
ele defende o interesse primário da União, enquanto os demais órgãos defendem
apenas o interesse secundário desta", completou.
Outro ponto de
atrito entre o MPF e os órgãos do Executivo trata dos valores a serem cobrados.
Integrantes do governo alegam que os procuradores não adotam nenhum critério
para o cálculo dos valores. "Eles estão preocupados com a gorjeta do
garçom, mas somos nós que vamos cobrar a conta do restaurante", compara
uma autoridade da CGU que pediu anonimato.
Segundo o
procurador, existem várias formas de se chegar à quantia que deverá ser cobrada
no acordo de leniência. Carlos Fernando cita métodos adotados pelo governo dos
Estados Unidos e pela OCDE, mas conta que a LavaJato considerou principalmente
o tamanho da empresa, a capacidade de pagamento e o "timing" das
confissões.
Ele argumenta que é
o próprio acordo de leniência e os fatos dele decorrentes que vão ajudar o MPF
a determinar um valor justo a ser cobrado das empresas. "Não há como
estabelecer qualquer parâmetro a priori", explicou.
Em uma reunião
recente, o ministro da Transparência, Torquato Jardim, chegou a sugerir que o
MPF adotasse o cálculo da CGU ou que pelo menos fosse criada uma metodologia em
conjunto, mas a ideia não prosperou.
"Acompanhamos
com interesse o desenvolvimento de uma metodologia pela CGU. Infelizmente, os
esforços desse órgão esbarram em discussões com o TCU e AGU, o que até agora os
fez ficar bloqueados na condução de acordos de leniência. Não cabe ao Ministério
Público Federal discutir os méritos das posições de cada um desses órgãos,
mesmo porque o seu acordo é independente e se sobrepõe aos demais",
afirmou o procurador.
Por Murillo
Camarotto, no Valor Econômico
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