Uma
nova política operacional é adotada pelo banco estatal, em meio a resistências.
E as empresas brasileiras correm atrás de alternativas para financiar seus
negócios
OS
EXECUTIVOS DA MONTADORA DE CAMINHÕES AMERICANA DAF aguardam ansiosos a
autorização para a abertura de seu
banco
no país -o pedido já foi feito e em 30 dias o plano de negócios será
apresentado ao Banco Central. Assim como faz em outros mercados, o banco da
montadora, parte do grupo Paccar, com receita global de 17 bilhões de dólares,
vai ajudar a financiar os clientes na aquisição de veículos. Por aqui, essa não
era uma necessidade urgente quando a empresa chegou, em 2011, e investiu 1
bilhão de reais na construção de uma fábrica na cidade de Ponta Grossa, no Paraná,
com capacidade para produzir 10 000 unidades por ano. Na época, a economia
brasileira crescia 4% ao ano, a venda de caminhões batia recorde e o crédito
era farto e barato. Passados alguns anos, já com a fábrica em operação, o
cenário é outro. A economia encolheu e os clientes cortaram as encomendas. Como
se não bastasse, desde 2015 o acesso ao crédito ficou mais difícil. O Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que chegou a oferecer 77% do
dinheiro para a compra de caminhões no país a uma taxa de juro de 2,5% ao ano,
mudou de estratégia. O BNDES passou a financiar uma fatia menor do valor dos
veículos. E quem dependia do crédito também teve de mudar. Com seu banco, a DAF
espera vender mais caminhões ?' hoje são 1500 por ano. 'Queremos estar com
nosso banco pronto para quando o mercado reagir', diz Luis Gambim, diretor
comercial da DAF. Nos cálculos da DAF, em 2022 os recursos do BNDES vão
representar metade do valor usado na compra de caminhões no país, abrindo
espaço para o banco da montadora gradualmente crescer nos empréstimos ?' parte
com repasses do BNDES, parte com capital próprio.
Não
foi só a DAF que teve de encontrar uma saída diante do recuo do BNDES. Empresas
dos setores de energia, máquinas, autopeças e outros estão convivendo com o
fato de o banco não ser mais aquela fonte abundante de distribuição de dinheiro
público a taxas camaradas. A ideia do governo é afastar o BNDES da orientação
reforçada em 2009, após a crise econômica mundial, de anabolizar o setor
produtivo. De 2007 a 2014, a carteira do banco cresceu mais de quatro vezes,
atingindo 11% do produto interno bruto e um quinto do crédito do país. Para um
grupo seleto de empresas, as chamadas 'campeãs nacionais', foram destinados 40
bilhões de reais, em crédito e em participação acionária. O objetivo era que
elas crescessem e representassem o Brasil pelo mundo. O avanço só foi possível
porque o Tesouro Nacional aportou mais de 400 bilhões de reais no banco, em
operações que embutiam subsídios também bilionários. O fluxo de dinheiro era
tanto que o BNDES chegou a financiar anualmente um valor três vezes maior do
que o do Banco Mundial ?' organização multilateral que atende dezenas de países
de renda média e baixa. Com a nomeação da economista Maria Silvia Bastos
Marques para a presidência do BNDES em junho de 2016, o governo Michel Temer
deu um basta ao crescimento exponencial que contribuiu para ampliar o rombo das
contas públicas e não elevou o nível de investimento no país. 'A mudança é
positiva porque a política anterior trazia problemas fiscais e não se
sustentaria no médio prazo', diz Ricardo Carvalho, diretor da agência de
classificação de risco Fitch.
De
fato, não tinha como durar muito. Por isso, a política do BNDES começou a ser
revista já em 2015, quando o ex- -ministro da Fazenda Joaquim Levy decidiu
fechar a torneira. A recessão também foi determinante para reduzir a demanda
por empréstimos subsidiados. Por fim, o avanço da Operação Lava-Jato, que
colocou no olho do furacão muitos dos grandes clientes do banco, ajudou a
encolher ainda mais a atuação do BNDES ?' aos poucos, as delações de executivos
da Odebrecht
levantaram
suspeitas de favorecimento envolvendo o banco durante os anos PT. No começo de
abril, Emílio Odebrecht, principal acionista do grupo, narrou que pediu ao
expresidente Luiz Inácio Lula da Silva para 'prestigiar' e evitar
'dificuldades' na extensão do valor de uma linha de crédito do BNDES para um
serviço da empreiteira em Angola. O expresidente Marcelo Odebrecht e o
ex-diretor de infra- estrutura da construtora João Nogueira contaram que a
empreiteira pagou 12 milhões de reais à empresa DM Desenvolvimento de Negócios
Internacionais, indicada pelo exassessor do Ministério da Fazenda Luiz Eduardo
Melin, para que ela ajudasse o grupo com informações nas demandas de
financiamento para obras no exterior. Em nota pública, o BNDES informou que
instaurou uma comissão interna para apurar o caso. É fato, de todo modo, que o
banco financiou quase 10 bilhões de dólares de empreitadas internacionais da
Odebrecht, sobretudo na América Latina. Um dos exemplos foi o crédito de 682
milhões concedido à Odebrecht para a construção do porto de Mariel, em Cuba. No
Peru, as investigações apontam que a distribuição de propina da Odebrecht
envolve três ex- -presidentes da República.
Independentemente
de novos enroscos que o banco tenha ter de apurar no futuro, sob o comando de
Maria Silvia foi colocada em curso uma nova política operacional que limita o
acesso a dinheiro barato. O BNDES estipulou que sua participação nos empréstimos
com taxas subsidiadas será de, no máximo, 80% do valor do projeto ou do bem a
ser adquirido. Há gradações, dependendo do negócio ?' esse máximo é para
projetos considerados de bom retorno social ou ambiental. O restante terá de
ser bancado pelo tomador ou por outras fontes de financiamento. 'Daremos ênfase
a uma atuação focada em projetos, e não mais em setores', respondeu Maria
Silvia a EXAME por e-mail. A taxa de longo prazo cobrada pelo banco, principal
instrumento para financiamentos desse tipo no país, também vai mudar. Até
dezembro, continuará valendo a Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP), que é fixada
pelo Conselho Monetário Nacional e hoje está em 7% ao ano. Segundo o economista
Roberto Castello Branco, diretor do centro de estudos Crescimento & Desenvolvimento
da Fundação Getulio Vargas, a TJLP foi concebida para flutuar ao longo do
tempo, mas foi alterada apenas nove vezes de 2007 a 2016. Em quase todo esse
período, ela ficou muito abaixo da taxa básica da economia ?' e daí surgia um
subsídio implícito do governo nessas operações, já que o Tesouro captava os
recursos a uma taxa superior àquela que era cobrada ao emprestar. Em seu lugar,
entrará gradualmente nos próximos cinco anos a nova taxa de longo prazo, a TLP,
que seguirá um título público com prazo de cinco anos que rende um juro fixo
mais a taxa de inflação. Um estudo feito pela economista Adriana Dupita, do
banco Santander, mostra que, ao final dos cinco anos de transição da regra, a
TLP deverá estar em 8,5% ao ano, acima da taxa básica de juro.
Por
isso, muitas companhias já começaram a se movimentar diante das novas
políticas. No ano passado, pela primeira vez em uma década, o mercado de
capitais superou o banco de desenvolvimento como fonte de financiamento das
empresas, segundo o Centro de Estudos do Instituto Ibmec. Dados da consultoria
Inter.B mostram que, no financiamento à inFRaestrutura, a participação do BNDES
caiu de 73%, em 2014, para 62%, em 2016 ?' já a emissão de títulos de dívida
para financiar a infraestrutura subiu de 11% para 15% no período. 'Há muito
tempo as emissões no mercado de capitais como um todo estão no patamar de 100
bilhões de reais', diz José Eduardo Laloni, diretor da AssociaçãoBrasileira das
Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. 'Com as mudanças no BNDES, os
investidores podem ter mais apetite para financiar projetos de longo prazo.' Um
exemplo ocorreu nos leilões recentes de infraestrutura. A empresa espanhola
Arteris venceu no final de abril a disputa para administrar os 720 quilômetros
da rodovia dos Calçados, entre as cidades de Itaporanga e Franca, no interior
de São Paulo. A concessão do governo paulista prevê investimentos de 5 bilhões
de reais em 30 anos. Num projeto desse, no passado, o BNDES chegava a financiar
70% do valor com taxas subsidiadas. Agora, a fatia é de até 50%. Porém, bancos
internacionais se interessaram pelo projeto. Isso porque foi criada uma regra
que permite ao concessionário abater a variação cambial do valor da outorga
devida, numa espécie de proteção cambial. O International Finance Corporation,
uma instituição do Banco Mundial, ofereceu 400 milhões de dólares à
concessionária. 'Temos mais alternativas e estamos avaliando todas as
possibilidades', afirma David Diaz, presidente da Arteris.
Com
menos dinheiro barato do BNDES, as concessionárias terão de acessar fontes de
crédito mais custosas, e o efeito será um pedágio mais caro. Estudos acadêmicos
mostram que a retirada da TJLP poderia encarecer 20% as tarifas ?' e isso tem
sido uma das críticas em relação ao recuo do BNDES. 'O problema maior é que
antes eram criadas tarifas artificialmente baixas, mas toda a sociedade pagava
a conta dos subsídios do BNDES', diz Diogo Berger, chefe da área de projetos de
infraestrutura do Santander.
É
verdade que muita gente aproveitou os tempos de dinheiro fácil para atualizar e
ampliar sua estrutura. A fabricante gaúcha de carrocerias para caminhões Randon
investiu nos últimos anos para expandir a capacidade de produção para 26 000
semirreboques por ano em suas três fábricas. No entanto, as vendas anuais da
empresa estão em 10 000 unidades. 'Nossa capacidade seria suficiente para
abastecer todo o mercado brasileiro de semirreboques hoje', afirma Geraldo
Santa Catharina, diretor financeiro da Randon. 'Olhando no retrovisor, houve um
exagero.' Apesar de reconhecer a necessidade de mudanças, os empresários
reclamam da velocidade, do formato e da dose das mudanças em curso. Com o BNDES
no futuro oferecendo juros de mercado, parte da indústria argumenta que as
margens, já apertadas, serão ainda mais espremidas. A Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo elaborou um estudo em que mostra que, com a adoção da
nova modalidade de juros, os financiamentos com recursos do BNDES ficarão mais
caros a ponto de fazer cair em 0,5 ponto do PIB o investimento médio anual das
empresas no país. Com isso, deixariam de ser criados 500 000 empregos, sempre
segundo a Fiesp. 'Sem a participação do BNDES, a vida será muito mais difícil e
a retomada da produção industrial para níveis sustentáveis não acontecerá', diz
Alcides Braga, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Implementos
Rodoviários. No setor de infraestrutura, há reclamações sobre a alta exigência
de garantias por parte do banco, deixando pouco para os demais financiadores do
projeto. Em resposta, o BNDES diz que está em estágio avançado de negociação
com os bancos para compartilhar garantias.
LENTIDÃO NOS
EMPRÉSTIMOS
Outra
frente de insatisfação é a demora na liberação dos empréstimos, o que obriga os
empresários a buscar recursos temporários nos bancos privados, pagando juros
altos. 'A morosidade do BNDES aumentou nos últimos dois anos', diz Eduardo
Sattamini, presidenteda geradora de energia Engie. 'Temòs casos em que
recebemos os recursos juntamente com a entrada em operação comercial.' No
Complexo Eólico Santa Mônica, um projeto de 460 milhões de reais da Engie no
município de Trairi, no Ceará, a entrada em funcionamento se deu no segundo
semestre do ano passado, mas os recursos do BNDES só chegaram em fevereiro
deste ano. Um levantamento feito pelo próprio BNDES mostra que, nas operações
não automáticas (o que exclui as feitas por agentes financeiros e de até 20
milhões de reais), o prazo médio de liberação é de 315 dias, podendo chegar a 2
518 dias. A meta do BNDES é já neste ano fechar pelo menos metade das
liberações em até 180 dias, aprimorando os processos.
Para
que os planos de Maria Silvia de fato se concretizem, ela tem o desafio de
convencer os próprios funcionários de carreira do banco das mudanças que estão
sendo feitas. Segundo EXAME apurou, muitos técnicos reclamam da nova diretoria.
Um exemplo da resistência foi a mobilização de 600 funcionários contra a nova
taxa de longo prazo, a TLP, em assembléia realizada em fevereiro. Na cultura do
banco, a hierarquia sempre foi seguida à risca e esse tipo de manifestação é
considerado inédito. 'Seja no setor público, seja no privado, é natural que o
que é novo cause resistência, principalmente nos funcionários mais antigos',
diz Eliane Lustosa, diretora da área de mercado de capitais do BNDES. 'Mas
nossa avaliação é que o banco precisa discutir as melhores formas para que se
torne mais eficiente.' Os críticos reclamam que não houve diálogo com os
técnicos nem apresentação de pesquisas que justifiquem a TLP. Dizem ainda que a
nova diretoria teria alegado que a mudança seria feita via projeto de lei,
garantindo uma discussão mais aprofundada sobre a nova metodologia. No dia 26
de abril, porém, o presidente Michel Temer editou uma medida provisória
instituindo a nova taxa, o que enfurece parte do corpo técnico do banco.
Em
nada melhora o clima entre os funcionários o fato de operações consideradas
nebulosas voltarem à tona. Além das pressões que envolvem os novos
desdobramentos da LavaJato (a rodada de depoimentos de executivos da empreiteira
OAS deve ocorrer em breve), em abril, o Tribunal de Contas da União avançou em
outro ponto sensível: determinou que se investigue o empréstimo de 750 milhões
de dólares do BNDES à JBS, uma das empresas eleitas da política de campeões
nacionais, para a compra do frigorífico americano Swift em 2007. De acordo com
o tribunal, há indícios de favorecimento à JBS na liberação do recurso. O banco
alegou que ajuda nas investigações. A JBS diz que as operações foram feitas com
lisura. As investigações têm efeito dentro do BNDES: geram um temor de técnicos
em assinar documentos, reduzindo a celeridade dos processos. Desde janeiro,
quando a Justiça Federal de Mato Grosso do Sul confirmou uma liminar de
bloqueio de bens de 23 funcionários do BNDES, entre técnicos, diretores e até o
expresidente Lucia- no Coutinho, no caso do financiamento à Usina São Fernando,
do pecuarista José Carlos Bumlai, há tensão pelos corredores do banco.
Que
a vida ficou mais dura para quem depende do BNDES é óbvio. Mas, no longo prazo,
as mudanças trarão impactos positivos para a economia. Um desses benefícios
está na política de combate à inflação. Economistas apontam que o crédito
subsidiado torna a política monetária menos eficiente. Metade do crédito no
Brasil é de alguma forma subsidiado, sendo 42% operados pelo BNDES. Isso exige
que o Banco Central tenha de fazer movimentos mais fortes na taxa básica de
juros para conseguir efeito sobre a outra metade dovolume de crédito, que
responde à flutuação dos juros de mercado. O governo estima que a taxa Selic
poderá cair 1 ponto com uma nova postura do BNDES. 'Mexer no juro cobra- lo
pelo banco foi uma das maneiras encontradas de arrumar essa distorção na
política monetária e fazer o juro básico cair', diz um técnico da equipe
econômica que participou da decisão. Também há impactos na política fiscal: o
Tesouro Nacional economiza 5 bilhões de reais a cada 1 ponto de redução da
diferença entre o juro do BNDES e a taxa básica da economia, segundo um estudo
do banco Santander.
Assim
como em outros aspectos da economia, a mudança no BNDES expõe as disfunções do
país nos últimos anos. A medida que o Banco Central puder reduzir mais o juro
básico, investidores antes acomodados pelos retornos altos dos títulos públicos
temo de buscar a rentabilidade no financiamento aos negócios. É fato também que
reduzir apenas a participação do BNDES na economia não resolve todos ps
problemas da nação. 'Se o governo não fizesse nada do ponto de vista fiscal,
encolher o BNDES seria negativo para a atividade', diz Solange Srour,
economista-chefe da gestora de recursos ARX. 'Por isso, outras coisas precisam
andar juntas. A agenda de reformas também precisa passar para reduzir o risco
do país.' Parece coerente que a política fiscal e a monetária caminhem juntas,
o que não aconteceu nos últimos anos. O novo BNDES é apenas mais uma peça nesse
processo de reorganização do Brasil.
A FESTA DO CAQUI
ACABOU
A
ÁREA DE INVESTIMENTOS EM EMPRESAS DO BNDES AJUDOU A CRIAR OS 'CAMPEÕES
NACIONAIS'. É HORA DE CONSERTAR O ESTRAGO Ana Paula Ragazzi
Nos
últimos oito anos de governo do PT, o BNDESPar, área do BNDES dedicada ao
investimento em empresas, virou talvez o principal braço de atuação do governo
na economia real ?' sempre com dinheiro público. De 2007 a 2014, destinou 40
bilhões de reais, em crédito e participações acionárias, a um grupo de empresas
escolhidas para ser as 'campeãs nacionais', capazes de operar em setores
supostamente 'estratégicos' e conquistar o mundo. Com a participação do BNDES,
o governo apoiou a fúsão entre as teles Oi e Brasil Telecom; financiou o
crescimento acelerado do Grupo J&F, dono da gigante de alimentos JBS e da
fabricante de celulose Eldorado, e também entrou no sonho do empresário Eike
Batista. Em outra frente, o BNDESPar tomou viável a fusão da Aracruz com a VCP,
criando a líder de celulose Fibria, e da Sadia com a Perdigão, hoje BRF. Mas
alguns desses negócios deram muito errado e, para piorar um pouco, parte dessas
empresas e operações está hoje sob investigação da Polícia Federal.
Após
tantos anos de investimento desenfreado, o BNDESPar tem hoje perto de 90
bilhões de reais em ativos sob gestão, o que o transforma no maior investidor
institucional do país. A maior parte desse total, cerca de 85%, está investida
em ações, em muitos casos de empresas hoje com operações em dificuldades ou já
em recuperação judicial, como a tele Oi e as empresas de Eike Batista. Os bons
investimentos, pelo tamanho que têm, também geram outro problema ?' como vender
essas ações sem, com isso, causar sua queda na bolsa? Eis, em suma, o en- rosco
cuja solução está a cargo da economista Eliane Lustosa, que assumiu em junho do
ano passado a diretoria de mercado de capitais do BNDES e a área de relações
com os investidores do BNDESPar.
Eliane
trabalhou com Maria Silvia Bastos Marques, presidente do banco, no Ministério
da Fazenda no governo Collor. Depois disso, foi diretora de investimentos da
Petros, fundo de pensão da Petrobras, de 1999 a 2003. Ela tem duas missões. A
primeira é resolver, aos poucos, o legado de quase uma década de investimentos
que obedeceram a uma lógica por vezes mais política do que econômica. A segunda
é tentar entender qual é o verdadeiro papel do BNDESPar numa economia que se
pretende de mercado.
Em
dezembro, o BNDES abriu em seu site o histórico de dez anos de sua carteira de
investimentos. Lá estão descritos os papéis que o banco comprou, quanto valem
hoje e em quais empresas participa do controle. Ao mesmo tempo, trocou a
politica de indicação de conselheiros nas empresas que investe. Agora, as vagas
não são mais ocupadas por funcionários do BNDES, mas, sim, por conselheiros
profissionais, que, pelo menos em tese, podem ajudar as empresas e levar às
reuniões discussões sobre o incremento de governança. Sem esperar por eleições,
no ano passado o BNDES trocou suas indicações para os conselhos de 15 empresas,
entre elas Oi, Vale, Fibria, Eletrobras e JBS. Com a conclusão das assembléias
anuais, nos próximos dias esse número deverá alcançar 40 companhias em que tem
direito a vagas no conselho. Os novos conselheiros já têm conseguido algumas
vitórias. O BNDES vetou o processo de internacionalização pretendido pela JBS.
A 'campeã nacional' da carne queria transferir sua sede para a Irlanda. O BNDES
considerou que essa não seria a melhor opção para o futuro da companhia e
barrou o processo. O banco também foi à Comissão de Valores Mobiliários para
tentar abrir espaço para participação dos minoritários no conselho da elétrica
Cemig. Na mine- radora Vale ainda não teve esse êxito, mas pretende trabalhar
para que os minoritários tenham vaga no conselho nas próximas eleições, além de
questionar a política de reuniões prévias dos controladores antes dos encontros
do conselho. Na Odebrecht Transport, chamou os demais acionistas para definir
uma reestruturação financeira e societária da empresa. Diferentemente do
silêncio de outros tempos, o BNDES tem dado publicidade às suas decisões. 'Não
podemos deixar de falar. Pelo nosso tamanho e por sermos um banco público,
nossa voz também tem a missão de aprimorar o mercado', diz Eliane.
É
parte da missão de Eliane investir mais com base em outros instrumentos, como
títulos de dívida, e tentar democratizar o acesso ao mercado de empresas de
menor porte. Eliane deverá apresentar, até junho, uma nova orientação para o
investimento em participações de empresas. A idéia é prestar mais atenção em
segmentos fundamentais para o desenvolvimento do pais, como infraestrutura e
inovação, dar mais transparência às decisões e, principalmente, abrir espaço
para o investidor privado participar de novos projetos.
Qual
o papel que o BNDES terá daqui para a frente? Numa economia cujos principais
atores pareciam viciados nos juros camaradas do banco estatal de fomento,
talvez a principal tarefa de Eliane seja fazer, aos poucos, uma transição.
Diminuir a participação de juros subsidiados na carteira do banco, criando, ao
mesmo tempo, um mercado de negociação de títulos de dívida privada, o que na
prática não existe hoje. Até o ano passado era comum o banco apoiar projetos
com linhas de crédito atreladas à TJLP, a ultrassubsidiada taxa de juro de
longo prazo. A meta é, daqui para a frente, que apenas 20% dos empréstimos
sejam atrelados à TJLP. O banco pretende quintuplicar em dois anos o total de
recursos
que
destina a debêntures emitidas para financiar operações e quer que investidores
privados participem desse processo. Em vez de deixar esses títulos em carteira,
vai colocá-los à venda em momentos favoráveis do mercado para estimular a
negociação desses papéis e criar um mercado secundário, como já existe para as
ações. Num país sem poupança, o banco continuará tendo seu papel. Mas fica a
torcida para que os tempos de festa do caqui tenham mesmo ficado para trás.
'O FOCO É NOS PROJETOS'
SEGUNDO
MARIA SILVIA BASTOS MARQUES, PRESIDENTE DO BNDES, A APROVAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS
VOLTOU A CRESCER. MAS COM REGRAS DIFERENTES
A
economista Maria Silvia Bastos Marques tornou-se, em junho do ano passado, a
primeira mulher a integrar o alto escalão do governo Michel Temer, até então
criticado por ser uma espécie de clube do Bolinha. Escolhida para guiar uma
transformação no BNDES, Maria Silvia já havia trabalhado no banco nos anos 90
como assessora de desestatização. Depois foi secretária da Fazenda da
prefeitura do Rio de Janeiro e presidiu a Companhia Siderúrgica Nacional de
1999 a 2002. Seu último cargo antes do posto atual foi à frente da Empresa
Olímpica Municipal. No comando do BNDES, ela tem sido criticada por tornar os
créditos mais rígidos e demorados. Empresários já teriam pedido sua cabeça a
Temer. De acordo com Maria Silvia, a queda nos empréstimos foi causada pela
crise e há sinais de que a procura por financiamento voltou a crescer. EXAME
ouviu nas últimas semanas funcionários e clientes do banco. Os questionamentos
foram submetidos à própria Maria Silvia. Abaixo estão suas respostas dadas por
e-mail.
Quais
são as diretrizes da nova política operacional do BNDES?
Nossa
ênfase é uma atuação mais horizontal, com foco em projetos, e não mais em
setores. Determinamos os atributos que definirão quanto haverá de taxa de juro
de longo prazo nos financiamentos. A prioridade será dada a projetos que
apresentem inovação, pouco impacto no meio ambiente, aumento das exportações,
ampliação da infraestrutura e promovam a saúde pública e a educação. Outro
atributo será o acesso a médias, pequenas e microempresas.
Em
2018, passará a vigorar uma nova taxa de longo prazo. Quais os impactos para os
clientes?
A
TJLP é uma taxa definida nas reuniões do Conselho Monetário Nacional, sem uma
regra clara. Por isso, há um alto grau de incerteza agregado a ela. A nova TLP
dará mais previsibilidade aos contratos e, portanto, uma segurança maior,
podendo inclusive contar com instrumentos de proteção. No cenário de
convergência das taxas de juro, o banco já trabalha no sentido de atuar com
novos instrumentos de financiamento.
Os
empresários têm criticado a morosidade na liberação de créditos. Por que ela
tem ocorrido?
Temos
uma modalidade de operação não automática, aquela que não é feita por meio de
agentes financeiros credenciados, com valores de até 20 milhões de reais. Essas
operações necessitam de análise prévia do BNDES para contratação e liberação.
Um levantamento feito com base em mais de 2 000 projetos aprovados pelo banco
desde 2011 até outubro de 2016 aponta que o prazo médio deaprovação é de 315
dias, chegando a 2 518 dias. A meta é fechar 2017 com, pelo menos, metade das
operações aprovadas em até 180 dias. Para isso, estamos aprimorando processos
em todas as áreas visando agilizar a tramitação das operações. A redução de
prazos tornou-se uma meta corporativa.
No
setor de infraestrutura, o banco está disposto a compartilhar garantias dos
projetos?
O
BNDES está em estágio avançado de negociação com os bancos para compartilhar
garantias. O objetivo é reduzir custos e prazos na concessão de empréstimos de
longo prazo. O foco maior é na fase anterior à conclusão das obras. Entendemos
que isso serve para melhorar o financiamento dos projetos de infraestrutura.
Houve
uma forte queda nas liberações de recursos do BNDES no último ano. Continua
assim?
O
Brasil passou pelo mais grave período recessivo da história e, por isso, os
desembolsos do banco caíram. Eles refletem consultas que entraram em anos
anteriores. As estatísticas de liberação de recursos, portanto, demoram mais a
reagir, apesar de a economia já estar dando sinais de recuperação. Nesse
sentido, há dados positivos no primeiro trimestre: a expansão de 25% nas
consultas de projetos de infraestrutura, o aumento de 32% nas aprovações para
financiar a compra de máquinas e a redução do ritmo de queda dos desembolsos.
Qual
a previsão para a liberação do crédito à exportação de serviços de engenharia
para as empresas envolvidas na Lava-Jato?
Esses
financiamentos, suspensos em maio de 2016, eram referentes a 25 operações em
nove países e somavam 7 bilhões de dólares, dos quais 2,3 bilhões já haviam
sido liberados. De lá para cá, quatro casos foram solucionados. A retomada dos
demais financiamentos será avaliada caso a caso, condicionada a exigências: a
assinatura de um compromisso de importador e exportador sobre a aplicação dos
recursos, o progresso da obra, o nível de aporte de recursos de outros
financiadores e o risco de crédito do BNDES em cada país.
Por
FLÁVIA FURLAN E LUCIANO PÁDUA, na Revista Exame