Ex-executivos da
Odebrecht afirmam que empresa de sondas Sete Brasil, usina de Belo Monte, Arena
Itaquera e Porto de Mariel são fruto de corrupção
Se não fossem a
pressão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o interesse da Odebrecht
em manter o esquema de corrupção montado com o governo, não teriam nem saído do
papel obras e empreendimentos que, somados, chegam a um valor total de R$ 120
bilhões. De acordo com a delação de ex-executivos da empreiteira na Operação
Lava-Jato, a empresa de sondas Sete Brasil, a usina de Belo Monte, a Arena
Itaquera e o Porto de Mariel, em Cuba, nasceram como fruto da corrupção.
Marcelo Odebrecht, por exemplo, disse que foi contra a usina e o estádio, mas
Lula apelou a seu pai, Emílio. Alguns desses empreendimentos, como a Sete
Brasil, enfrentam graves problemas financeiros e devem resultar em prejuízo
bilionário. A Arena Itaquera, orçada inicialmente em R$ 400 milhões, deverá ter
um custo final de R$ 1,7 bilhão. Aos olhos de Emílio e Marcelo Odebrecht, a
empreiteira da família se envolveu em quatro empreendimentos que não teriam ido
adiante se não houvesse tráfico de influência ou se o objetivo não fosse o de
alimentar o esquema de corrupção no governo petista, revelam as delações.
Juntos, esses investimentos — Sete Brasil, Belo Monte, Arena Itaquera e Porto
de Mariel, em Cuba — somam quase R$ 120 bilhões.
Os dois últimos já
estão de pé e em funcionamento. Belo Monte deve ser inaugurada em 2019, com
quatro anos de atraso. Já o futuro da Sete Brasil é incerto. Criada em 2010
para gerenciar a construção de 28 sondas para o pré- sal e entregálas à
Petrobras, a empresa enfrenta graves dificuldades financeiras. Das 28 sondas,
estimadas em US$ 27 bilhões ou R$ 85,6 bilhões, apenas cinco estão em
construção. A conclusão depende do plano de recuperação judicial, que será
votado em assembleia de credores nesta semana.
Fontes do setor
avaliam que, no caso da Sete Brasil, são fortes os indícios de que a criação da
companhia visava a irrigar o sistema de propina da Petrobras. Em outubro de
2009, a Petrobras chegou a enviar cartas-convite a estaleiros para que
participassem da Licitação das duas primeiras sondas, segundo documento ao qual
o GLOBO teve acesso. Pouco tempo depois, o leilão foi cancelado, e a Sete foi
criada para intermediar as encomendas.
A Enseada Paraguaçu
(BA), que pertence à Enseada Indústria Naval, empresa da qual a Odebrecht é
sócia, foi erguida para atender a Sete. Hoje em recuperação extrajudicial, a
Enseada também tem como sócios a OAS e a UTC, ambas investigadas pela
Lava-Jato, e a japonesa Kawasaki. De acordo com fontes, a Odebrecht não tinha
interesse na construção das sondas, tamanha sua complexidade, mas queria
operá-las. Por isso, acabou aderindo à sociedade da Enseada.
— Era um jogo de
cartas marcadas, para favorecer aqueles que aceitavam entrar no esquema de
corrupção — diz um exexecutivo de um estaleiro que foi barrado na Licitação.
O núcleo duro da
Sete era comandado por João Carlos Ferraz e Pedro Barusco, exexecutivos da
Petrobras que estão entre os primeiros delatores da Lava-Jato. Barusco já
devolveu mais de R$ 180 milhões aos cofres da estatal. Ele é apontado como uma
pessoachave no petrolão, com tentáculos que se estendiam à Sete. De acordo com
delatores, enquanto as diretorias e a propina da Petrobras eram divididas com
PMDB e PP, na Sete os recursos iam direto para o PT, num esquema sob
coordenação de João Vaccari, extesoureiro do partido.
O modelo de
negócios da empresa, que pretendia encomendar sondas com 55% a 65% de conteúdo
nacional, foi questionado por Marcelo Odebrecht em sua delação. A política de
conteúdo local havia sido uma promessa de campanha do ex-presidente Lula para
reativar a indústria naval. Executivos e especialistas do setor dizem que a
política em si não era um problema. Mas questionam o fato de o Brasil não ter
experiência na construção de sondas, usadas na fase exploratória, quando é
preciso perfurar poços e dimensionar reservas.
— A Coreia do Sul,
país que lidera a construção desses equipamentos, trabalha com índices de
conteúdo local de 35% a 40%. Faria sentido termos um índice de conteúdo local
de 20% talvez, jamais de 60% ou 65% — disse Maurício Almeida, presidente da
Associação Brasileira de Engenharia de Construção Onshore, Offshore e Naval
(Abecoon) e sócio da Sigma Consultoria.
Segundo a Sete
Brasil, sua atual direção, que assumiu em maio de 2014, “tem todo o interesse
que os fatos em apuração pela LavaJato sejam A empresa informou que as cinco
sondas em construção têm conteúdo local médio de 58%. A Petrobras não comentou.
Com dívida superior
a R$ 19 bilhões, a Sete Brasil pediu recuperação judicial há um ano. Seus
sócios, que incluem grandes bancos como Santander, BTG e Bradesco, além de
fundos de pensão de funcionários da Caixa Econômica Federal (Funcef ) e
Petrobras (Petros), acumulam perdas bilionárias. Em depoimento, Marcelo estimou
prejuízo de até R$ 2 bilhões com o projeto. A Enseada Indústria Naval ressaltou,
no entanto, que a unidade de Paraguaçu continua operando.
Marcelo Odebrecht
também cita a Arena Itaquera e o Porto de Mariel, em Cuba, como projetos nos
quais a empresa não tinha interesse e em que teria se envolvido após conversas
entre Lula e seu pai. As obras no porto foram feitas pelo grupo Odebrecht para
ampliar e modernizar o terminal. O investimento teve financiamento do BNDES de
US$ 682 milhões (R$ 2,1 bilhões), com juros entre 4,44% e 6,91% ao ano e 25
anos de prazo de amortização, o mais longo já concedido na linha que financia
projetos de engenharia no exterior, segundo dados do site do banco que remontam
a 1998. O crédito foi concedido em cinco parcelas, contratadas entre fevereiro
de 2009 e maio de 2013.
Em depoimento na
Lava-Jato, Emílio Odebrecht conta que teve uma primeira conversa sobre o
projeto com o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que tinha interesse
no porto pelo fato de Cuba ser um governo aliado. Ao responder se Lula teve
ingerência sobre o BNDES para liberar o financiamento, Emílio disse que “não
tem dúvida” de que isso ocorreu. A suspeita de tráfico de influência de Lula em
favor da Odebrecht é alvo de inquérito do Ministério Público Federal em
Brasília.
Segundo o BNDES, o
prazo de 25 anos para o crédito do porto foi aprovado no âmbito da Câmara de
Comércio Exterior (Camex). O banco diz ainda que “a operação contou com
cobertura de Seguro de Crédito à Exportação (SCE) para 100% dos riscos
políticos e extraordinários” e que a concessão do SCE teve lastro no Fundo de Garantia
às Exportações (FGE), tendo sido aprovada pelo Comitê de Financiamento e
Garantia das Exportações (Cofig) e pela Camex. O Cofig é o órgão
interministerial que avalia financiamento a exportações brasileiras.
Recentemente o BNDES criou uma comissão interna para apurar denúncias feitas no
âmbito da LavaJato e que constam em duas petições do Supremo Tribunal Federal
(STF), mas nenhuma delas está relacionada ao Porto de Mariel.
O investimento na
Arena Itaquera, do Corinthias, seria inicialmente de R$ 400 milhões, segundo
depoimento de Marcelo Odebrecht. Mas as obras acabaram tomando proporções
maiores quando o estádio entrou na lista da Copa de 2014 e teve orçamento mais
que triplicado. Na versão do executivo, o envolvimento da empreiteira no
empreendimento teria sido um pedido pessoal de Lula a seu pai:
— Basicamente um
pedido de Lula para meu pai: ‘Ó, ajude o Corinthians a construir, que é o time
do meu coração’ — relatou Marcelo.
Presidente do
Corinthians entre 2007 e 2011, Andres Sanchez, hoje deputado federal (PTSP), e
o ex-diretor de marketing do clube Luís Paulo Rosenberg rejeitam a declaração
do executivo. Seesclarecidos”. gundo eles, a empreiteira sempre teve interesse
em construir ou se associar ao clube por um estádio próprio. Os dois argumentam
que construir uma arena para a Copa, porém, não era interesse do clube e que o
fracasso das negociações com o São Paulo, dono do estádio do Morumbi, primeira
opção analisada pela Fifa, elevou a pressão dos políticos pela construção de um
novo estádio.
— Aí, quando
descartaram o Morumbi, veio todo mundo para cima. A Fifa, o governo do estado,
o governo municipal e, indiretamente, o governo federal. Eu disse que aceitava,
desde que não pagasse mais de R$ 400 milhões — disse Sanchez ao GLOBO,
recordando conversas de 2011.
ARENA CORINTHIANS:
DÍVIDA DE R$ 985 MILHÕES O casamento entre empreiteira e clube foi consumado
numa reunião no apartamento de Marcelo Odebrecht, em São Paulo, quando ficou
definido que o Corinthians assumiria o financiamento de R$ 400 milhões junto ao
BNDES. A Odebrecht daria as garantias bancárias. E a prefeitura viabilizaria a
isenção tributária de R$ 450 milhões e pagaria o overlay, infraestrutura
necessária para a abertura da Copa.
Um atraso na
apresentação das garantias bancárias para a liberação do empréstimo do BNDES
(via Caixa Econômica Federal) obrigou o clube a buscar recursos no sistema
bancário privado, o que elevou em R$ 110 milhões o custo da nova arena. O
Corinthians ainda arcou com mais R$ 90 milhões com infraestrutura necessária
para abrigar o jogo de abertura do Mundial. O resultado é que o estádio
idealizado pelos corintianos, com custo máximo de R$ 400 milhões, gerou uma
dívida de cerca de R$ 985 milhões. Porém, ao final do financiamento, a conta
será bem mais salgada. O Corinthians paga cerca de R$ 5,2 milhões por mês à
Caixa. O custo total da arena deve ser de R$ 1,7 bilhão, na estimativa de
Sanchez.
Odebrecht só fez
Belo Monte e Itaquerão por pedido de Lula a Emílio (Ex-presidente da
empreiteira disse ser contrário à usina de R$ 30 bilhões)
Em seu depoimento
ao juiz Sergio Moro, Marcelo Odebrecht afirmou que era contra a hidrelétrica de
Belo Monte (PA) e que teria até se desentendido com seu pai, Emílio Odebrecht,
sobre o assunto. A polêmica sobre o leilão da usina, feito em 2010, e o desenho
final do consórcio responsável pela construção, no entanto, indicam apetite da
empreiteira pelo projeto, segundo fontes do setor. Apesar de ter desistido de
participar do leilão às vésperas do certame, a Odebrecht integra o grupo de
construtoras responsáveis pela obra.
Instalada no Rio
Xingu, em plena Floresta Amazônica, Belo Monte é estudada desde a década de
1970. Mas o projeto só acabou saindo do papel nos anos 2000, quando pressões
ambientais e uma legislação mais restritiva levaram a uma revisão no projeto
original, com a eliminação dos reservatórios existentes em hidrelétricas
tradicionais.
Com capacidade
instalada de 11.233 MW, Belo Monte será a segunda maior do Brasil quando
estiver pronta, em 2019 - com quatro anos de atraso -, atrás de Itaipu. Sua
construção, embora polêmica, é apontada como necessária por especialistas do
setor elétrico.
- Na época em que
foi tomada a decisão de levá-la a leilão, o país crescia. Havia perspectiva de
aumento da demanda por energia. E a fonte hidrelétrica é uma fonte renovável,
importante para o Brasil - avalia Nivalde de Castro, do Grupo de Estudos do
Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ.
Na delação, Marcelo
Odebrecht, disse ser contrário à obra:
- Eu tinha uma
relação meio complicada com Lula porque muitas vezes eu discordava das coisas.
Exemplo típico foi Belo Monte, Arena Corinthians, dois projetos que eu fui
contra, e aí Lula acabava recorrendo ao meu pai como última instância.
Segundo fontes do
setor, Odebrecht e Camargo Corrêa, que se uniriam em um consórcio para disputar
a usina, pressionavam o governo para subir o preço teto da tarifa. O Planalto
não cedeu. A menos de 15 dias da Licitação, a dupla de empreiteiras desistiu do
negócio, irritando o então presidente Lula, e deixando o consórcio liderado
pela Andrade Gutierrez como o único candidato.
Lula e seus
advogados têm negado o conteúdo das delações, inclusive sobre o estádio do
Corinthians, afirmando que não há provas, apenas especulações.
O governo, então,
formou um consórcio às pressas, o Norte Energia, liderado pela Chesf,
subsidiária da Eletrobras. Ao lado da estatal estava a Queiroz Galvão, o grupo
Bertin e várias pequenas empreiteiras, que acabariam sendo substituídas mais
tarde. Queiroz Galvão e Bertin também deixaram a sociedade. Odebrecht e Camargo
Corrêa voltariam à cena como integrantes do consórcio construtor, ao lado da
Andrade Gutierrez, que perdera o leilão, e outras construtoras.
Belo Monte foi
orçada em R$ 16 bilhões e leiloada a R$ 19 bilhões. Hoje, o investimento está
perto de R$ 30 bilhões, com acusações de superfaturamento. O Tribunal de Contas
da União identificou sobrepreço de R$ 3,2 bilhões. A Norte Energia, que venceu
o leilão, não retornou as ligações nem o e-mail do GLOBO. A Andrade Gutierrez,
maior acionista do consórcio construtor, evitou comentar os dados do TCU. Disse
apenas que colabora com investigações do Ministério Público Federal 'dentro do
acordo de leniência' e que tem compromisso de 'esclarecer e corrigir fatos
irregulares do passado'.
Por Danielle Nogueira Jeferson Ribeiro em O Globo
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