A permissão do Supremo para que Demóstenes Torres -
cassado pelo Senado pelas ligações com o bicheiro Cachoeira - concorra
contraria espírito da lei moralizadora
Q uando investigações e a Justiça chegam, no Brasil, a desbaratar esquemas de corrupção em altos escalões, é natural que venham reações de todos os lados. O país, enfim, tem longa história de práticas não republicanas em que ricos e poderosos costumam, ou costumavam, ser tratados com benevolência na aplicação da lei.
Felizmente, esta cultura deletéria vem sendo combatida com razoável êxito por meio de instituições do Estado revigoradas, inclusive do ponto de vista geracional. Mas não é um processo simples, e nele a chamada sociedade civil tem papelchave, na vigilância - também função da imprensa profissional - e na denúncia de riscos de retrocessos nesta experiência civilizatória. Sempre, evidente, dentro dos limites institucionais.
Neste sentido, o fato de um ex-presidente da República com trajetória de popularidade estar preso por corrupção e lavagem de dinheiro - demonstração do vigor que o surto de republicanismo atingiu - justifica preocupações com a possibilidade de recuos em marcos legais estratégicos que ajudam a balizar o atual enfrentamento da corrupção nos escalões elevados, para que ele se torne prática no cotidiano da nação. Como acontece em países desenvolvidos.
Um caso é o da prisão após a condenação em segunda instância, jusrisprudência do Supremo que sustenta o encarceramento de Lula, por isso mesmo alvo prioritário de reclamações na própria Corte. Mas não é norma exclusiva: apenas Sergio Moro, em dois anos, decretou a prisão de 114 condenados em segunda instância,12 da Lava-Jato. Outro ponto neste contexto é a Lei da Ficha Limpa, resultado de importante mobilização popular que levou este projeto ao Congresso sustentado em mais de um milhão de assinaturas de eleitores. A proposta terminou vingando, e quem for condenado em segunda instância fica inelegível por oito anos.
Caso também de Lula. Daí o fato de liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli ao senador cassado Demóstenes Torres, para que ele possa ser candidato este ano, avalizada terça-feira pela Primeira Turma do Supremo, causar preocupação. Não que sejam situações comparáveis. Lula está inelegível por se enquadrar de forma indiscutível na Ficha Limpa. Já Demóstenes, representante do bicheiro Carlinhos Cachoeira em Brasília e no Congresso, ficou inelegível na cassação. Há, ainda, em benefício a Demóstenes, erros técnicos cometidos em grampos e provas levantadas a partir deles, todos anulados pela Corte. Mas a proximidade entre Cachoeira e o senador existiu.
A questão é que, de alguma forma, o princípio da Ficha Limpa vai ficando arranhado. Afinal, Demóstenes foi cassado pelos seus pares, que o tornaram inelegível até 2027. Em um momento como este, em que a sociedade clama para que a ética e a moralidade sejam estabelecidas na vida pública, e a resistência a isso é enorme, qualquer fissura pode destruir uma muralha.
Q uando investigações e a Justiça chegam, no Brasil, a desbaratar esquemas de corrupção em altos escalões, é natural que venham reações de todos os lados. O país, enfim, tem longa história de práticas não republicanas em que ricos e poderosos costumam, ou costumavam, ser tratados com benevolência na aplicação da lei.
Felizmente, esta cultura deletéria vem sendo combatida com razoável êxito por meio de instituições do Estado revigoradas, inclusive do ponto de vista geracional. Mas não é um processo simples, e nele a chamada sociedade civil tem papelchave, na vigilância - também função da imprensa profissional - e na denúncia de riscos de retrocessos nesta experiência civilizatória. Sempre, evidente, dentro dos limites institucionais.
Neste sentido, o fato de um ex-presidente da República com trajetória de popularidade estar preso por corrupção e lavagem de dinheiro - demonstração do vigor que o surto de republicanismo atingiu - justifica preocupações com a possibilidade de recuos em marcos legais estratégicos que ajudam a balizar o atual enfrentamento da corrupção nos escalões elevados, para que ele se torne prática no cotidiano da nação. Como acontece em países desenvolvidos.
Um caso é o da prisão após a condenação em segunda instância, jusrisprudência do Supremo que sustenta o encarceramento de Lula, por isso mesmo alvo prioritário de reclamações na própria Corte. Mas não é norma exclusiva: apenas Sergio Moro, em dois anos, decretou a prisão de 114 condenados em segunda instância,12 da Lava-Jato. Outro ponto neste contexto é a Lei da Ficha Limpa, resultado de importante mobilização popular que levou este projeto ao Congresso sustentado em mais de um milhão de assinaturas de eleitores. A proposta terminou vingando, e quem for condenado em segunda instância fica inelegível por oito anos.
Caso também de Lula. Daí o fato de liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli ao senador cassado Demóstenes Torres, para que ele possa ser candidato este ano, avalizada terça-feira pela Primeira Turma do Supremo, causar preocupação. Não que sejam situações comparáveis. Lula está inelegível por se enquadrar de forma indiscutível na Ficha Limpa. Já Demóstenes, representante do bicheiro Carlinhos Cachoeira em Brasília e no Congresso, ficou inelegível na cassação. Há, ainda, em benefício a Demóstenes, erros técnicos cometidos em grampos e provas levantadas a partir deles, todos anulados pela Corte. Mas a proximidade entre Cachoeira e o senador existiu.
A questão é que, de alguma forma, o princípio da Ficha Limpa vai ficando arranhado. Afinal, Demóstenes foi cassado pelos seus pares, que o tornaram inelegível até 2027. Em um momento como este, em que a sociedade clama para que a ética e a moralidade sejam estabelecidas na vida pública, e a resistência a isso é enorme, qualquer fissura pode destruir uma muralha.
O Globo
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