terça-feira, 24 de abril de 2018

A sanha arrecadatória



Um conjunto de fatores sobrecarrega a distribuidora, que deve repassar aos consumidores os custos

As revisões tarifárias das distribuidoras de eletricidade, realizadas até então, revelaram índices de ajuste das tarifas aos consumidores finais, em sua maioria, de dois dígitos. Tal fato denota que o setor elétrico caiu em um ciclo vicioso, no qual, apesar da grande disponibilidade de fontes energéticas, a preocupação com a falta de energia e a consequente elevação das tarifas é recorrente.

O reajuste tarifário anual visa a restabelecer o poder de compra das concessionárias de distribuição. Ou seja, seu cálculo considera a variação de custos com a compra de energia para atendimento do mercado, a transmissão dessa energia até a área da distribuidora e os encargos setoriais, agregados como Parcela A. A tarifa, ainda, contempla os custos com a atividade de distribuição em si, definidos como Parcela B. Estes últimos são revisados a cada quatro anos, mas há uma correção anual feita pelo índice de inflação presente no contrato de concessão, deduzido o Fator X (índice que representa o ganho de produtividade decorrente do crescimento do mercado e do consumo).

A tarifa vem refletindo as condições do setor elétrico, que convalesce do recente ápice da crise e carece de soluções sólidas para uma recuperação definitiva. Nota-se isso na elevada precificação da energia ao consumidor final, que resulta de dois movimentos: o conjuntural, explicado pela baixa hidrologia, que vem impactando os reservatórios desde 2012; e o estrutural, que inclui elevados impostos e demasiada quantidade de encargos.

Os encargos setoriais respondem por parcela significativa da conta de luz. Na rubrica encargos há uma lista de itens, por vezes desconhecidos pelo consumidor. Entre os quais estão as siglas: GDE; Proinfa; GFURH; ESS; EER; TFSEE; P&D; Programa de Eficiência Energética (PEE); e Contribuição ao ONS. Essas siglas, por sua vez, contêm subitens.

O preço final da energia chamou a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU) que, ao investigar os encargos presentes, chegou à conclusão de que os consumidores têm desembolsado, anualmente, bilhões para bancar programas públicos sem qualquer relação com o setor elétrico. Ou seja, a tarifa de energia vem sendo utilizada, indevidamente, como fonte de recursos para o custeio de alguns dos subsídios governamentais.

Do ponto de vista conjuntural, o País guarda grande dependência das condições climáticas para o fornecimento de energia. A matriz elétrica é predominantemente hídrica e, nos últimos anos, a prioridade por usinas a fio d’água resultou no esgotamento da capacidade de regularização das hidrelétricas. Além disso, a participação das outras renováveis na matriz vem crescendo, um fato a ser comemorado, desde que bem planejado. O caráter intermitente das renováveis, como a eólica e a solar, torna baixa a previsibilidade da contribuição dessas fontes no sistema. Por consequência, essa condição acaba afetando a segurança energética e pesando sobre o preço da eletricidade.

O déficit ocasionado pelo risco hidrológico ainda compõe parcela significativa da energia no portfólio das distribuidoras, que arcaram com esses custos e serão ressarcidas por meio dos reajustes tarifários. E, diga-se de passagem, a conta das bandeiras tarifárias em 2017 não foi suficiente para cobrir tais custos.

Também pesam sobre a tarifa os custos derivados de roubo e inadimplência. Um conjunto de fatores sobrecarrega a distribuidora, que deve repassar aos consumidores os custos que vão muito além da “tarifa fio”. Com isso, a conta de luz, além de pesar no bolso do consumidor, reduz a competitividade da indústria nacional.

A solução requer mudanças legais e regulatórias. Apolítica do setor precisa incorporar a realização de leilões por sub-regiões, que propiciem a inserção de térmicas a gás na base do sistema, complementares às fontes renováveis. E essencial a revisão de todos os encargos que recaem sobre a tarifa de energia, de forma a pôr fim em toda essa sanha arrecadatória.

Por Adriano Pires em O Estado de S. Paulo


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