Você precisa de
cinco notebooks e três impressoras. Você vai até uma loja e os compra por, no
máximo, R$ 20 mil, ou os aluga por R$ 117 mil, ficando com eles por 17 dias,
apenas? A resposta parece óbvia, mas a Federação Paulista de Atletismo (FPA),
então comandada pela campeã pan-americana Elisângela Adriano, escolheu a
segunda opção. Esse é só um dos muitos exemplos de como o dinheiro que deveria
financiar o esporte do Estado de São Paulo foi parar no ralo. Entre 2007 e
2015, só a FPA e apenas por convênios, recebeu R$ 76,6 milhões da Secretaria de
Esporte, Lazer e Juventude (SELJ). O Instituto Memorial do Salto Triplo, um
braço da federação, outros R$ 12 milhões. Ambos ainda tiveram aprovados outros
diversos projetos via Lei Estadual de Incentivo ao Esporte - não há informações
transparentes para especificar quanto.
A escassez de
resultados internacionais é uma demonstração de como o dinheiro foi aplicado.
Mas há uma outra forma, ainda mais eficaz de se mensurar a aplicação de tanta
verba: olhando como elas foram utilizadas. O Olhar Olímpico acessou apenas dois
dos 84 convênios firmados entre FPA e SELJ e encontrou dados que saltam aos
olhos.
Importante
explicar, de cara, como funcionam esses convênios. A entidade apresenta um
projeto para a secretaria, detalhando quanto precisa e como vai aplicar o
dinheiro. A partir de critérios absolutamente políticos, a pasta escolhe os
projetos, firma contrato e libera a verba. A utilização deve ser conforme o
proposto no plano de trabalho, sem a necessidade de Licitação para
subcontratações. O modelo adotado é o de três orçamentos. A federação deve
contratar pelo preço do mais barato.
Em mais de 30
contratos visitados pela reportagem do Olhar Olímpico na sede da SELJ, no
centro de São Paulo, no mês passado, em nenhuma ocasião a SELJ apontou que um
item do plano de trabalho era desproporcional, que as empresas que concorriam
entre si tinham os mesmos donos, ou que as especificações eram genéricas
demais. Ou seja: tudo que as federações pediram, passou.
Custa tudo isso?
Mesmo para um
leigo, que jamais organizou uma competição esportiva, os números relativos à
FPA soam absurdos. E para qualquer um soaria. Em 2013, a federação recebeu R$
3,8 milhões para realizar 15 seletivas e escolher os representantes de São
Paulo nos Jogos Escolares. No plano de trabalho, citou a necessidade de ter
cinco notebooks e três impressoras. Pelo material, pediu três orçamentos.
Contratou o mais barato: R$ 117 mil. Um dos recusados, de R$ 130 mil, pode ser
visto aqui.
Esse ainda foi o
menor dos gastos com a seletiva. Ainda que a competição seja para crianças e
dure um total de 17 dias, apenas, a FPA contratou uma assessoria de imprensa ao
custo de R$ 240 mil. Como comparação, em 2015 a Confederação Brasileira de
Handebol (CBHb) pagava R$ 180 mil para que uma empresa fizesse sua assessoria
de imprensa pelo ano inteiro, incluindo a cobertura de de dois Campeonatos
Mundiais e diversas competições preparatórias para a Olimpíada. Uma planilha de
custos pode ser vista aqui.
Empresa de fachada,
como mostrou o Olhar Olímpico na segunda-feira, a Rumo Certo recebeu R$ 525 mil
para fazer a 'organização do evento'. Nas notas fiscais, ela não explica como
utilizou o dinheiro. Já a Anjy, que tem os mesmos sócios, levou R$ 318 mil para
fazer 'serviços administrativos para digitação de textos, tabulação de
informações, recebimento de e-mail, notas fiscais, pedidos de material
esportivo (?)'. Por 17 dias de serviços, as duas empresas faturaram quase R$
850 mil.
Você tem denúncias
a fazer sobre gestão do esporte no Brasil? Envie e-mail: demetrio.prado@gmail.com
Dois anos depois,
em 2015, a FPA viu a verba das seletivas dos Jogos Escolares cair para R$ 3,1
milhões. Não é pouco. No ano que vem, só oito confederações vão receber mais do
que isso da Lei Agnelo/Piva, principal fonte de receita para o esporte olímpico
brasileiro. Pelo menos 15 não têm patrocínio e sobreviverão todo o ano de 2018
com receitas inferiores a R$ 3 milhões.
Mas a FPA não tinha
do que reclamar, pelo menos não até 2016, quando a torneira da SELJ fechou. Em
2015, para os Jogos Escolares, pagou R$ 259 mil pela assessoria de imprensa, R$
123 mil pela organização, R$ 315 mil pelos 'serviços administrativos' R$ 419
mil pela 'infraestrutura'. No ano anterior, 5.721 haviam participado das
seletivas, segundo a própria FPA, mas a entidade achou por bem comprar logo 16
mil camisetas, por R$ 390 mil - R$ 25 cada uma.
Cerca de 65
árbitros trabalharam em cada uma das etapas. Mesmo assim, foram contratadas 4.640
diárias de hotel, o que dá mais de 350 por evento. Os atletas não ficavam
hospedados, uma vez que são da região nas quais competem.
Custo de arbitragem
Em 2015, a
Associação Paulista de Árbitros de Atletismo (APAA) questionou, no Facebook, o
alto custo envolvido na realização dos Jogos Escolares nos três anos
anteriores. Internamente, os árbitros pressionaram o presidente Mauro Chekin
por estarem recebendo de empresas terceirizadas e não diretamente da FPA.
Queriam saber quanto e como a federação estava gastando.
Não foram
informados de que, naquele ano, a FPA pagou R$ 646 mil à DMX Eventos Esportivos
pela arbitragem da competição. Também concorreram pelo serviço a Parreiras
Eventos, denunciada por Jadel Gregório em email enviado ao governador (você pode
ler aqui a história aqui) e a Esporte Mais Promoções e Eventos, braço
'empresarial' de uma ONG que realiza eventos de muai-tai com verbas estaduais e
municipais.
Por cada uma das
etapas regionais, a DMX recebeu R$ 38 mil. Uma repescagem de dois dias custou
R$ 85 mil e a etapa final, de três dias, R$ 105 mil. Uma competição de
atletismo reúne 65 árbitros, o que significa que a DMX recebeu R$ 650 por
diária de árbitro. À época, a tabela de referência da Confederação Brasileira
de Atletismo (CBAt) informava que o árbitro de maior nível internacional
recebia R$ 140 por diária - os menos graduados, R$ 70.
Em nota, a APAA
alegou que, em 2013, os árbitros consultados receberam alguns pagamentos por
intermédio da Anjy, nunca da DMX. Há anos a entidade vem cobrando da FPA o
aumento na diárias dos árbitros, escutando da federação que não há margem para
reajustes - os valores estão congelados há sete anos.
A DMX também já
apareceu na reportagem que o Olhar Olímpico publicou na segundafeira. Ela fica
em um casebre na Zona Norte, que está para alugar - difícil será alguém pagar
mais de R$ 300 mensais pela moradia, da foto abaixo. Um vizinho disse que nunca
houve uma empresa instalada lá. Nos telefones apresentados nos orçamentos,
ninguém atende.
Relações
Esses são, vale
lembrar, apenas dois convênios da FPA com a SELJ, de um universo de 84 em um
período de nove anos. Período esse, exceto em 2015, que a secretaria foi
comandada pelo PTB. Entre 2013 e 2014, pelo ex (e agora de novo atual) prefeito
de São Caetano do Sul José Auricchio Jr. No seu mandato anterior, entre 2009 e
2012, ele teve como secretário de esportes no ABC Mauro Chekin, que até então
era vice-presidente da FPA.
Funcionário da
própria SELJ, Chekin teve aberto contra ele, ano passado, um procedimento disciplinar
para saber se há 'conflito de interesses entre as atribuições decorrentes de
seu cargo e o exercício de função na FPF', bem como 'por não ter apresentado
justificativa hábil a demonstrar a origem lícita para a evolução patrimonial
constatada.'
Chekin é 'unha e
carne' com Antonio Fernandes, o Toninho, de quem era vice na FPA até 2012 e que
viria a ser eleito presidente da CBAt e abriria espaço para Chekin assumir a
federação. Quem assina os orçamentos visitados pelo Olhar Olímpico e citados
aqui, porém, é Elisângela Adriano, recordista sulamericana do arremesso de peso
e vicepresidente da FPA. O Instituto Elisângela Adriano, que leva o nome dela,
é um dos que servem de categoria de base da B3 (antiga BM&F Bovespa),
principal clube do país.
O que eles dizem
Secretaria de
Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo (SELJ)
Questionada, a SELJ
não respondeu sobre os valores encontrados nos convênios com a FPA. A
secretaria, por outro lado, enviou nota na qual explicou que, nos convênios
citados, de acordo com a legislação vigente, as entidades esportivas
apresentavam no plano de trabalho grade comparativa de preços contendo, no
mínimo, três empresas e que os documentos eram checados pela área técnica, que
formalizava os processos. A secretaria argumenta que 'sempre coube às entidades
a responsabilidade de melhor utilização dos recursos, com posterior verificação
da SELJ e envio dos processos ao Tribunal de Contas do Estado'.
A pasta lembra que
uma lei federal, de 2016, mudou o formato de celebração de convênios, que agora
passam por um chamamento público - as exigências para as prestações de contas,
porém, seguem essencialmente as mesmas. A SELJ ainda diz que 'qualquer indício
de irregularidade, ainda que posterior à celebração dos convênios, será
investigado pela SELJ e encaminhado à Corregedoria Geral da Administração
Federação Paulista
de Atletismo
A FPA não detalhou,
após pedido da reportagem, o que fazia a assessoria de imprensa da seletiva
estadual dos Jogos Escolares, apenas informou as empresas contratadas nos
últimos anos. A entidade alegou que a Rumo Certo era responsável 'pela
contração de toda a parte de infraestrutura profissional para as competições,
acompanhamento de resultados e tudo que fazia a prova acontecer', sem detalhar
quais as funções dela, detalhadamente, como solicitou a reportagem.
Sobre a locação de
notebooks, argumentou que lei que regia os convênios não permitia que se
realizasse compra de material permanente, o que contrata, por exemplo, com
convênios da Federação Aquática Paulista (FPA), que adquiria material
permanente com recursos de eventos pontuais da SELJ. Ainda argumentou que,
alugando o material, não corria o risco de ficar sem o material caso algum
deles quebrasse - a troca de notebooks defeituosos não constava nos orçamentos,
aos quais a reportagem teve acesso.
Rumo Certo
Proprietário da
Rumo Certo, Severino da Silva Santos negou de forma veemente que a sua empresa
seja de fachada, o que chamou de 'falácia'. Questionado sobre os orçamentos
genéricos, considerados como indícios de fraude por órgãos de controle como o
Tribunal de Contas da União (TCU), afirmou que, se o repórter quisesse
informações, deveria ter lido os planos de trabalho - os documentos expostos
aqui, saíram de lá.
Perguntado a
detalhar os serviços prestados à Federação Paulista de Atletismo, disse que
'todos os serviços foram executados conforme o contratado pelas entidades e
apresentado (sic) nos processos os quais tiveram suas prestações de contas
aprovadas por aquele órgão'.
Severino disse que
'entregou e sempre entregará todos os materiais e documentos legais necessários
para a correta prestação de contas com as entidades as quais nos contrataram'.
Nenhuma delas, incluindo a FPA, entregou esses documentos à SELJ ou
disponibilizou à reportagem. Quando questionado pessoalmente, Severino disse
que mandaria esses documentos por e-mail. Não enviou até a publicação desta
reportagem.
DMX Eventos
Esportivos
Não foi encontrada
Por Demétrio Vecchioli, no Uol
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