Políticos
governistas passaram a divulgar versões falsas sobre o 'Orçamento Secreto';
saiba o que é fato e o que não é
Nos últimos dias, políticos aliados ao presidente Jair
Bolsonaro passaram a divulgar informações falsas sobre o esquema do 'orçamento
secreto', revelado pelo Estadão neste domingo, dia 9.
Na versão dos políticos, o dinheiro envolvido no esquema seria de emendas
parlamentares regulares, como as que são distribuídas todos os anos. Não é
verdade: embora tenha origem na Lei Orçamentária, o dinheiro do 'orçamento
secreto' foi distribuído de forma desigual entre os congressistas, conforme a
vontade política do governo. Não há transparência, como ocorre com as emendas
parlamentares, sobre os acordos para divisão das verbas.
'Ali não tem orçamento secreto, nem orçamento paralelo. O que tem são
diferentes formas de se fazer emendas no Orçamento. Emendas impositivas
individuais, emendas impositivas de bancada e tem as emendas RP 9 do
relator-geral, que tem toda uma especificidade. Todas as três é (sic) de
competência do Poder Legislativo indicar', disse o presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), durante entrevista ao programa Sem Censura, da TV Brasil, na
noite desta segunda-feira, dia 10. Ao contrário do que argumenta Lira, a forma
de destinação dos recursos das emendas de relator-geral, fonte do esquema do
'orçamento secreto', é diferente daquela das emendas individuais ou de bancada.
Mais cedo na segunda-feira, em entrevista ao blog da jornalista Miriam Leitão
no jornal O Globo, Lira disse que as emendas de relator-geral (RP 9) também
eram impositivas, o que é falso. As emendas de relator surgiram de forma
impositiva na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, mas este trecho
foi vetado por Bolsonaro. E o veto foi mantido pelo Congresso. Conforme mostrou
o Estadão, Lira foi um dos principais beneficiados pelo esquema do 'orçamento
secreto'. O deputado indicou pelo menos R$ 116,4 milhões para obras e compra de
máquinas pesadas.
Abaixo, a reportagem do Estadão responde às principais dúvidas sobre o caso do
'orçamento secreto'.
1. O orçamento secreto é emenda
parlamentar?
Não. Embora o 'orçamento paralelo' tenha origem em um tipo de emenda (isto é,
uma modificação no Orçamento) feita pelo Congresso, ele não se confunde com as
emendas parlamentares tradicionais, que são um importante mecanismo de
distribuição de recursos e de participação da sociedade no Orçamento.
Em 2019, o então relator do Orçamento de 2020, o deputado Domingos Neto
(PSD-CE) criou um novo tipo de emenda, chamado de emenda de relator-geral. Este
novo tipo passou a ser identificado com o marcador de resultado primário (RP) 9.
Além desta inovação de 2020, o Congresso faz todos os anos outros tipos de
emendas ao Orçamento: as emendas individuais, a que todos os deputados e
senadores têm direito; as emendas de bancadas (RP 7) e as emendas de comissões.
Ao contrário das emendas de relator (RP 9), os demais tipos de emendas são
distribuídos de forma igual entre todos os parlamentares. Sua aplicação pode
ser acompanhada por meio de fontes públicas como a ferramenta Siga Brasil,
desenvolvida pelo Senado Federal.
Já as emendas de relator (RP 9) são distribuídas conforme a conveniência
política do governo, que determina quanto cada parlamentar terá direito. A
indicação do destino do dinheiro é feita pelos congressistas de modo informal.
Às vezes esta destinação é registrada em ofícios como os obtidos pelo Estadão,
mas às vezes os acordos são verbais.
2. Qual a origem do dinheiro?
O dinheiro do 'orçamento paralelo' é fruto de um acordo entre governo e
Congresso no começo de 2020. O valor total é de R$ 20,1 bilhões, e deste total,
R$ 3 bilhões foram para o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), como
revelado pelo Estadão.
No dia 18 de dezembro de 2019, Bolsonaro vetou um artigo da Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) de 2020, o artigo 64-A. Este artigo dava a Domingos Neto o
direito de direcionar R$ 30,1 bilhões em emendas de relator-geral (RP 9),
conforme pedido por diferentes bancadas do Congresso. O artigo 64-A ia além e
dava ao governo prazo de 90 dias para que os ministérios liberassem o dinheiro,
sob risco de processo na Justiça. Segundo o artigo 64-A, a execução das emendas
deveria observar 'as indicações de beneficiários e a ordem de prioridades
feitas pelos respectivos autores'.
Diante do descontentamento dos deputados e senadores do Centrão com o veto,
Bolsonaro chegou a um acordo com os políticos. O Planalto enviou ao Congresso
no dia 3 de março de 2020 três PLNs (Projeto de Lei do Congresso Nacional), de
números 2, 3 e 4 de 2020, mantendo parte da verba do RP 9. Uma parte dos R$
30,1 bilhões voltou a ficar sob a alçada do Executivo, mas R$ 20,1 bilhões
permaneceram no RP 9.
Graças ao acordo e ao envio dos PLNs, o veto aposto por Bolsonaro foi mantido
pelo Congresso no dia seguinte, 4 de março. Assim, o Congresso derrubou a
'impositividade' das emendas de relator, previstas no projeto inicial, em troca
da manutenção de parte do dinheiro do RP 9. Foram 398 votos pela manutenção do
veto, dois contrários e uma abstenção. O Senado não precisou votar. Esta é a
origem do dinheiro do 'orçamento secreto': os R$ 20,1 bilhões do RP 9 em 2020,
mantidos por um acordo entre Governo e Congresso.
3. Por que falar em orçamento 'secreto'?
Embora o dinheiro do esquema esteja no Orçamento Geral da União de 2020, a destinação das verbas é
feita de forma sigilosa - a partir de acordos políticos. Ao contrário das
emendas individuais, não é possível saber quem indicou o quê.
Toda a negociação para direcionar o dinheiro foi feita dentro do Palácio do
Planalto, no âmbito da Secretaria de Governo (Segov), à época gerida pelo então
ministro Luiz Eduardo Ramos, hoje na Casa Civil. Em alguns casos, os políticos
encaminharam ofícios, que não são públicos, ao Ministério do Desenvolvimento
Regional (MDR), dizendo como o dinheiro deveria ser gasto. Toda a destinação
foi feita fora do alcance do público e dos órgãos de controle como o Ministério
Público Federal (MPF), o Tribunal
de Contas da União (TCU),
e a Controladoria-Geral da União (CGU).
4. Se era para a base aliada, por que
alguns da oposição receberam?
Alguns deputados e senadores da oposição aparecem no chamado 'planilhão' do
Ministério do Desenvolvimento Regional, documento revelado pelo Estadão meses
atrás e que mostra a destinação de R$ 3 bilhões na pasta comandada pelo
ministro Rogério Marinho.
Estes oposicionistas, no entanto, foram beneficiados ao longo de 2020 como
parte da cota do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), então presidente do Senado;
e de Arthur Lira (PP-AL). O primeiro ofereceu a oposicionistas a possibilidade
de indicar verbas em troca de apoio para sua tentativa de reeleição ao comando
do Senado, depois barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Já Lira usou as
indicações para obter apoio na disputa pelo comando da Câmara, vencida por ele
no começo deste ano.
Um dos oposicionistas beneficiados, o senador Humberto Costa (PT-PE) disse ao
Estadão que foi procurado por Alcolumbre com um aceno sobre a indicação de
dinheiro. 'Houve da parte do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, uma
pergunta a nós da bancada do PT se nós tínhamos interesse de ter algum tipo de
emenda além das parlamentares, aquelas impositivas. E nós dissemos que
aceitávamos', disse.
5. A compra dos tratores foi
superfaturada?
Os políticos beneficiados pelo esquema direcionaram boa parte do dinheiro para
compra de tratores e outras máquinas agrícolas a preços inflados. Há indícios
de sobrepreço na compra das máquinas, pois os valores são, em vários casos,
muito superiores ao indicado pelo próprio Ministério do Desenvolvimento
Regional (MDR) em tabela de referência de preços. Apesar da discrepância, o
governo federal concordou com as compras e repassou o dinheiro aos municípios,
que seriam responsáveis por fazer as aquisições na maioria das vezes. Apesar
disso, muitas das compras ainda não aconteceram, embora os valores acima da
tabela já estejam aprovados.
6. Os parlamentares devem indicar o
preço dos tratores?
Não. Mas vários dos deputados e senadores incluíram nos ofícios em que
direcionam verbas o valor do quanto deveria ser pago pelas máquinas que pediram
para comprar. Trator que deveria custar R$ 100 mil, seguindo a tabela do
ministério, foi autorizado a compra com sobrepreço de 259%.
Por André
Shalders, em O Estado de S.Paulo
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