Dados mostram
queda do total de punições aplicadas e audiências de conciliação travadas, após
ações do Ministério do Meio Ambiente
O cenário de completa paralisia causada pelo
Ministério do Meio Ambiente sobre a área de gestão de multas ambientais do
Ibama foi detalhado ao Tribunal de
Contas da União (TCU),
que realiza uma auditoria no órgão.
Uma nota informativa enviada do TCU nesta
quarta-feira, 5, aponta uma série de ações tomadas pelo ministro Ricardo Salles
e a chefia do Ibama que, desde 2019, levaram à redução das autuações dadas
pelos agentes e, principalmente, à paralisação de processos de conciliação
ambiental, etapa em que se busca um acordo entre o órgão ambiental e o
responsável pela infração.
Os dados do Ibama apontam que, entre abril de 2019, quando foi publicado um
decreto por Ricardo Salles para instituir as conciliações, e 5 de maio deste
ano o Ibama lavrou mais de 14,9 mil autos de infração contra crimes ambientais.
Em uma proporção de escala anual, o Ibama passou a produzir uma média de 9.420
autuações por ano, quando sua atuação, entre 2013 e 2018, oscilou de 21 mil até
60 mil multas anuais.
As conciliações sobre essas multas, porém, praticamente inexistem. Ocorreram
apenas cinco audiências de conciliação no ano passado. Neste ano, o Ibama
chegou a fazer 247 audiências até abril. Se incluído o total previsto até o fim
de maio, o Ibama terá realizado somente 302 audiências desde abril de 2019.
Os números mostram que, mesmo com dificuldades e apenas duas pessoas para
cuidar dos processos de conciliação no Ibama, houve algum avanço até abril, mas
depois uma paralisação total, em decorrência da publicação de nova norma por
Ricardo Salles.
'Essa situação reflete a vigência da Instrução Normava Conjunta nº 1/2021,
publicada no dia 14/04/2021. A norma mencionada extinguiu a Equipe de Análise Preliminar
(EAP) ligada aos núcleos de conciliação, que era encarregada de fazer a análise
inicial das autuações e expedir um parecer a respeito da conformidade da sanção
cabível, passível de ser submetida à audiência', pontua a nota do Ibama,
assinada pelo analista ambiental do Ibama, Hugo Leonardo Mota Ferreira.
A nova norma em vigor, afirma ele, trouxe impactos negativos ao processo
sancionador e à ampliação da quantidade de audiências a serem realizadas,
sobrecarregando os conciliadores e propondo estruturas de análises
simplificadas que só aumentarão os trabalhos nas fases seguintes, de instrução
e julgamento.
Nesta quinta-feira, 6, Hugo Leonardo Mota Ferreira foi retirado da sala que
ocupa na sede do Ibama, em Brasília, por ordem de Wagner Tadeu Matiota, polícia
militar que, desde dezembro do ano passado, ocupa a Superintendência de
Apuração de Infrações Ambientais do Ibama. Ferreira foi impedido de levar o seu
computador, houve confusão e gritaria. O Ibama não se manifestou sobre o
assunto.
Um sua nota informativa, o analista ambiental chama a atenção ainda para o
atraso na implementação das agendas de conciliação e responsabiliza 'a gestão
inadequada por parte da Diretoria de Planejamento do Ibama (Diplan), no tocante
à condução/manutenção da fábrica de software para desenvolvimento do sistema de
conciliação, continuidade dos trabalhos já iniciados e finalização das
funcionalidades necessárias para permitir a realização de agendas durante a
pandemia em 2020'.
Segundo a avaliação, foram mais de seis meses sem desenvolvimento de
funcionalidades essenciais ao sistema, para depois contratar um serviço ainda
mais caro de desenvolvimento. 'É necessário que a Diretoria de planejamento
esclareça essa situação, uma vez que levou considerável período para firmar
novo contrato administrativo para prestação de serviços na área de Tecnologia
da Informação e Comunicação, a um custo bem mais elevado que o da empresa
anterior (talvez até ao da média do mercado)'.
O analista alerta ainda que 'essa situação, somada à inércia/omissão da parte
do Ministério do Meio Ambiente em acolher as propostas para alterações
pontuais' em atos normativos para condução das audiências de conciliação
durante a pandemia, levou ao atraso na implementação de nova etapa do processo
sancionador, 'contribuindo também à ausência de audiências no ano de 2020, com
exceção das cinco realizadas antes da eclosão da emergência em saúde pública'.
A avaliação final é de que a chamada conciliação ambiental que tinha a promessa
de tornar mais célere o processo e reduzir o passivo, 'nasceu falha, em virtude
da má gestão política para ser colocado em prática, uma vez que a Instituição
como um todo não estava preparada para iniciar a nova rotina, tanto do ponto de
vista estrutural, quanto dos demais regulamentos que necessitavam ser
expedidos'.
A nota técnica critica ainda o fato de haver apenas dois servidores para tratar
do assunto. 'Como não é possível que essa dupla continue realizando os
agendamentos das audiências no mesmo ritmo, já que ganhou também atribuição
para efetuar análise preliminar, haverá grande gargalo de processos na etapa
inicial, pendentes de deliberação dos núcleos de conciliação. Percebe-se que a
norma (publicada em abril deste ano) foi muito mal refletida nesse ponto, e em
vez de tornar o processo mais célere, contribuiu para sua maior morosidade e
ineficiência.'
O TCU busca
esclarecimentos sobre o desempenho do novo modelo do processo sancionador
ambiental, pontuando a necessidade de serem apresentadas informações a respeito
da quantidade de autos de infração lavrados nos últimos anos, das conciliações
ambientais realizadas e das autuações julgadas.
André
Borges, O Estado de S.Paulo
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