Projeto,
que ainda passará pelo Senado, deve acelerar aval para obras com possíveis
impactos ambientais, mas especialistas veem inseguranças jurídicas e
econômicas; texto transfere responsabilidades a Estados e prevê autodeclaração
por empreendedores
Comemorada por parlamentares da bancada da
agropecuária, a aprovação na Câmara dos Deputados do projeto da nova Lei Geral
do Licenciamento Ambiental na madrugada de ontem deve acelerar a autorização de
obras com possíveis impactos ao meio ambiente. Mas inseguranças jurídicas,
econômicas e ambientais devem ser criadas em ritmo semelhante, se o texto for
aprovado - ainda precisa passar pelo Senado, antes da sanção presencial.
Segundo a proposta, empreendimentos como a barragem de Brumadinho (MG) poderiam
obter o aval para operar com uma autodeclaração de cumprimento das normas
ambientais. O rompimento da estrutura de rejeitos de minério em janeiro de 2019
de ferro deixou 270 mortos.
Considerada de médio risco pela legislação em vigor, o empreendimento da
mineradora Vale poderia operar hoje sem passar por análise prévia, explica
Maurício Guetta, consultor Jurídico do Instituto Socioambiental (ISA). Isso
significa que a liberação ocorreria sem a análise prévia dos órgãos
competentes, mas apenas com a declaração de dados e documentos de forma online.
Esse modelo é chamado de Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC).
A nova lei traz ainda outras mudanças, como a dispensa de licença para projetos
como manutenção em estradas e portos,
obras de saneamento básico, distribuição de energia elétrica com baixa tensão, parte das atividades
agropecuárias, entre outros. Outras alterações incluem dar aos Estados a
prerrogativa para analisar os empreendimentos que precisam de aval para
liberação e classificar o risco envolvido, a unificação de etapas do
licenciamento, além da criação da licença autodeclaratória.
O novo texto exime empreendimentos de baixo e médio risco da análise prévia. A
estes, o aval será emitido após o preenchimento de requerimento em que declaram
e se comprometem a seguir os parâmetros de segurança e ambientais. Outra obra
que não precisaria de Estudo de Impacto Ambiental (EIARima) seria a duplicação
da Rodovia dos
Tamoios, em São Paulo. Como a via já opera com aval, sua duplicação dispensaria
novo levantamento de impactos.
Com maioria na Casa, parlamentares ligados ao agronegócio aprovaram o texto
substitutivo do Projeto de Lei 3.729, de 2004, relatado pelo deputado federal
Neri Geller (Progressistas-MT), vice-presidente da Frente Parlamentar da
Agropecuária. Votaram a favor 300 deputados, ante 122 contrários.
O texto final foi encaminhado ao plenário sem passar por audiência pública. Não
houve espaço para acatar nenhuma recomendação da ala ambiental. Centenas de
organizações ambientais, especialistas e parlamentares se mobilizaram para
tentar demover o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), de votar
a proposta, o que não funcionou. Durante a votação, Geller disse ter chegado a
um texto "equilibrado".
Ao longo da tramitação do projeto, a Frente Agropecuária argumentou que o
modelo atual é excessivamente burocrático e prejudicava a atração de
investimentos para o País. Disse ainda que o licenciamento ambiental é
responsável pela paralisação de mais de 5 mil obras no País, entre rodovias, ferrovias e hidrovias.
Levantamento do Tribunal de Contas
da União (TCU),
porém, mostrou que o licenciamento ambiental não respondia por mais do que 1%
das obras paradas no Brasil. De mais de 30 mil obras públicas financiadas com
verba federal, menos de 200 projetos tinham paralisações ligadas a dificuldades
de obter licenciamento.
Riscos. Especialistas em direito, políticas públicas e meio ambiente ouvidos
pelo Estadão consideram que as consequências negativas podem se fazer sentir
até mesmo antes dos possíveis benefícios que uma maior agilidade na emissão das
licenças possa trazer ao setor produtivo. Para Malu Ribeiro, diretora de
políticas públicas da SOS Mata Atlântica, o País retrocede aos parâmetros
ambientais que norteavam os grandes empreendimentos nos anos 1970, na ditadura militar.
"A nova lei diz que há dispensa de Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima)
quando já há estudos em empreendimentos similares", diz. "No caso do
Rodoanel, na Grande São Paulo, que teve um por trecho construído e mesmo assim
a obra causou problemas no Trecho Norte, bastaria apenas um."
Especialistas preveem ações judiciais, com desdobramentos no Supremo Tribunal
Federal (STF), diante de possíveis inconstitucionalidades e descumprimentos de
normas ambientais. "Um prefeito que se sentir afetado sempre vai poder
recorrer à Justiça para anular a licença concedida pelo Estado", diz Malu,
do SOS Mata Atlântica. "Mesmo para o investidor é uma situação de
insegurança. Quem vai colocar seu dinheiro em um projeto que pode ir parar na
Justiça ou que mais para frente pode ter suas regras alteradas?", indaga
ela.
"O mundo debatendo a retomada econômica lastreada em perspectiva orientada
para as questões ambientais e climáticas e a Câmara optando pelo
retrocesso", critica Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista
sênior em políticas públicas da organização Observatório do Clima.
Retrocesso
"O mundo debatendo a retomada econômica lastreada em perspectiva orientada
para as questões ambientais e climáticas e a Câmara optando pelo
retrocesso."
Suely Araújo EX-PRESIDENTE DO IBAMA E ESPECIALISTA SÊNIOR EM POLÍTICAS PÚBLICAS
DA ORGANIZAÇÃO OBSERVATÃ"RIO DO CLIMA
PARA ENTENDER
Liberação automática
1. O que muda na Licença por Adesão e Compromisso (LAC)?
O texto propõe a adoção de licenças autodeclaratórias em todo o País. Esse
instrumento já existe em alguns Estados, mas é aplicado só a determinados
empreendimentos, e com conhecimento prévio da área ambiental e um termo de
referência do que se pretende.
2. Por que a mudança na LAC foi criticada?
A crítica é que, da forma como está estabelecida, a LAC será convertida em um
licenciamento automático, com simples declaração pela internet, sendo submetida
a análises por amostragem.
3. Como fica a situação das terras indígenas e quilombolas em estudo?
O texto exclui da avaliação de impacto e da adoção de medidas preventivas as
terras indígenas não homologadas e as terras quilombolas afetadas por
empreendimentos. Hoje, a Constituição prevê que terras indígenas e quilombolas
que estejam em fase de demarcação, ou seja, que ainda aguardam para serem
tituladas, devem ser igualmente consideradas, como aquelas que já tiveram esses
processos concluídos, com a homologação e titulação pelo governo.
4. O que a nova lei prevê como medidas de redução de impactos de projetos?
O novo texto limita o alcance de medidas de redução de impactos causados por
projetos. Medidas como a instalação de escolas públicas e postos de saúde, que
muitas vezes são incluídas em ações de mitigação e compensação, ficam mais
restritas, limitando-se apenas a temas ambientais, ignorando uma série de
impactos sociais criados por empreendimentos.
Por Emilio SanfAnna André Borges, em O Estado de S.
Paulo
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