Sucesso da nova LINDB e ineficácia da Lei
de Liberdade Econômica mostram inutilidade de opções legislativas apenas
axiológicas
Há leis que não pegam. Uma contradição, pois leis possuem comandos
obrigatórios e cogentes. Ainda que válidas e vigentes, simplesmente não são
aplicadas. A comparação entre duas leis recentes ilustra isso. A lei 13.655, de
2018, mudou a Lei de Introdução, a LINDB. A lei 13.874, de 2019, trouxe normas
voltadas à 'liberdade econômica'. Ambas são leis de normatividade indireta, com
normas de interpretação, dirigidas a aplicadores do direito, não às pessoas em
geral.
Apesar das críticas que recebeu quando aprovada (um jurista, apressado, chegou
a dizer que ela padecia de 'inconstitucionalidade enlouquecida'), a LINDB vem
sendo bem aplicada. Os artigos 20 e 21, que tratam da motivação das decisões,
são crescentemente manejados no Judiciário. O TCU utilizou o conceito de 'erro grosseiro' (art. 28) para
inocentar gestores públicos. A exigência de contextualizar historicamente a
prática do ato questionado (art. 22) se incorporou aos processos de
responsabilização. A irretroatividade das novas interpretações (art. 23) é uma
realidade. Há ainda campo para depuração de conceitos, batalhas
jurisprudenciais e, aqui ou ali, alguma resistência. Mas as normas da LINDB
pegaram. Tanto que seus conceitos e dispositivos têm sido repetidos em novas
leis, como a de contratações
públicas (14.133, de 2021).
Ao contrário, a Lei de Liberdade Econômica é raramente utilizada. Algumas de
suas normas não têm comandos efetivos. Outras foram esvaziadas pela
regulamentação. Tendem a cair no esquecimento. Há razões para isso. O
legislador transformou uma boa ideia em simples manifesto de concepções hiper
liberais.
A maior parte de seus dispositivos só enumera princípios e declara direitos.
Mesmo comandos de maior concretude (como o art. 4º) foram concebidos com baixa
visão prática. Ao invés de prever a invalidade dos abusos regulatórios, falou
em dever genérico de evitá-los.
Outro problema está na norma que quis dar efeitos liberatórios ao silêncio
administrativo. Correto seria fixar um prazo ao fim do qual a licença se
presumiria deferida, salvo se a autoridade mostrasse boas razões para a demora
(inversão do ônus). Mas a lei aludiu a um prazo definido discricionariamente
pela autoridade. O regulamento criou exceções que fizeram do dispositivo letra
morta.
A comparação entre a ventura de uma e de outra lei nos permite alguns achados.
Leis de normativa indireta precisam ser formuladas com foco jurídico e senso
prático. Enumeração vaga de bons propósitos é para cartas-programa, não para
textos de lei. Nossa cultura é avessa à liberdade econômica. Isso não se altera
com simples declarações ou princípios, que apenas amparam a ideologia do
intérprete e não conseguem conformá-la juridicamente. O viés pragmático aumenta
a efetividade de qualquer lei. A pura principiologia denuncia apenas
ingenuidade legislativa. Ou então a intenção de criar uma lei para não pegar.
Por Floriano de Azevedo Marques Neto, no Jota / Noticias
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