Não era no BNDES, Bolsonaro! Ao juntar
parlamentares ávidos, ausência de auditorias e baixa rigidez fiscal, ministério
do desenvolvimento regional
vira o caldeirão perfeito para a farra das emendas.
Afeito ao termo mito, Jair Bolsonaro usou a campanha
eleitoral para criar alguns que sustentariam parte de seu eleitorado. Um deles
foi a “caixa-preta do BNDES”.
Com tom de arauto da moralidade, ele afirmava que iria investigar as operações
do banco para revelar o que comprovaria mais uma “corrupção petista”. Passados dois anos e meio de seu mandato,
e R$ 48 milhões gastos com auditoria, nada foi descoberto sobre a malfadada
sombra no banco de desenvolvimento.
Mas outro buraco negro de recursos — desses que só o Brasil é capaz de parir —
surgiu. É o Ministério do Desenvolvimento Regional,
de Rogério Marinho.
Menos óbvia do
que se pensa, essa caixa-preta fiscal vem revestida na legalidade
constitucional, já que sua existência envolveu duas mudanças práticas que
passaram pelos meandros de Brasília. Coincidentemente, ambas a partir do
governo Bolsonaro. Na primeira, a obrigatoriedade de auditorias internas e
externas nas contas dos ministérios foi eliminada. No ano passado, das grandes
pastasm apenas a de Economia fez as suas. A outra malandragem legal foi dar um
superpoder ao relator do Orçamento. A partir deste ano ele pode alocar emendas
sem vinculá-las à base do parlamentar. Isoladamente ninguém prestou atenção às
duas alterações. Somadas, o estrago vem à luz: deu-se aparência de dignidade a
uma forma de driblar o controle de gastos públicos, bilionário.
Até agora o roteiro desse Orçamento que ganha cara de
macabro envolve as emendas parlamentares, em especial os R$ 18,5 bilhões do
relator-geral, que nascem sem lastro. Em meio aos expressivos cortes no
orçamento dos ministérios, não foi difícil achar voluntários. Aí aparece o Desenvolvimento Regional, que
poderá receber até R$ 10 bilhões em projetos parlamentares, o equivalente a um
terço das despesas totais da Pasta em 2021.
O ministério
comandando por Marinho, no entanto, não seria o único destino do dinheiro das
emendas. Entre os queridinhos do Legislativo aparecem outros dois que
sabidamente ganham aos olhos da opinião pública status de intocáveis: os da
Saúde e da Educação. O primeiro poderá captar até R$ 9 bilhões. O segundo, R$ 8
bilhões. É a trinca mágica para deixar pavimentada a aliança Bolsonaro-Centrão.
E não é difícil entender por que o Desenvolvimento Regional
lidera a tríade. “Por ser menos centralizado, há mais espaço para manobras”,
disse o professor de direito Constitucional e ex-diretor do Contas Abertas,
Gustavo Guerra.
No caso do
buraco negro das emendas parlamentares, a confluência do fisiologismo do
Congresso e a necessidade constante do governo em manter base para evitar
pautas que o desagrade criaram um monstro constitucional. E assim chegamos em
R$ 35,5 bilhões em emendas no ano de 2021. Até 2015, elas não eram de execução
obrigatória pelo governo. Com a pressão em cima da ex-presidente Dilma Rousseff
o Congresso aprovou a Emenda Constitucional 86, obrigando a execução de emendas
individuais e criando o Orçamento Impositivo. Em 2019, o Congresso ampliou o
Orçamento Impositivo com a Emenda Constitucional 100. Ela tornou obrigatória
também as emendas de bancadas estaduais, com 50% dos recursos para obras. Ponto
para o Ministério do Desenvolvimento Regional.
Não contentes, os parlamentares criaram o maior cheque especial do planeta: R$
30 bilhões em emendas anuais que seriam indicadas pelo relator-geral do
Orçamento, nesse caso, Márcio Bittar. O presidente Bolsonaro, diga-se, vetou o
valor sugerido e aprovou módicos R$ 20 bilhões.
Economista e
membro do conselho econômico da ONU, Otávio Schinfler diz ser compreensível a
busca dos parlamentares por investimento para as bases eleitorais. Mas eke
discorda da “pessoalização” da emenda. A pessoalização a que se refere é
colocar o nome e o partido do parlamentar acima da demanda. “Isso tira o
protagonismo do contribuinte e põe o holofote na barganha do parlamentar.”
Bingo. A lei não foi alterada para atender o cidadão, foi para ser combustível
do fisiologismo.
O minsitro
Rogério Marinho chegou a declarar que não haveria motivação para o presidente
direcionar recursos para a oposição, que “agride o presidente todos os dias”.
Com o dinheiro garantido e os aliados definidos, a entrada das emendas
parlamentares caiu como uma luva para os ministérios fragilizados pelo corte no
Orçamento em 2021. O MDR, por exemplo, perdeu R$ 9,5 bilhões na comparação com
2020. Isso numa leitura rasa. Numa leitura um pouco mais aprofundada, ele
deixou de ser uma pasta estratégica e para ser um balcão de acordos políticos.
Sem auditar
Como se o estrago já não fosse grande o bastante para controle de contas
públicas, uma decisão tomada nos primeiros momentos do governo Bolsonaro piorou
o cenário. Os ministérios ficaram desobrigados de auditarem interna e
externamente suas contas, algo que era mandatório desde 2005, sob o primeiro
mandato de Lula. Agora cabe aos chefes das Pastas prestarem as contas apenas ao Tribunal de Contas da União e à Controladoria Geral da União (AGU). A prática da auditoria, que
vigorava em sintonia com normas internacionais, foi afrouxada como parte de um
pacote adotado por Paulo Guedes em fevereiro de 2019 sob o pretexto de revisar
gastos internos dos ministérios.
O resultado
logo apareceu. Em outubro de 2020, a AGU apresentou problemas relevantes nas contas de
praticamente todos os ministérios de Bolsonaro, incluindo o MDR. No caso deste,
na peça que avalia as contas de 2019 relatou-se falhas na clareza, objetividade
e concisão de informações, entre outras críticas aos processos adotados pela
Pasta para compilação e metodologia de apresentar números. Com relação aos
indicativos da CGU, o MDR
afirmou à reportagem já ter tomado as primeiras medidas para reverter a
situação para 2020, inclusive com a criação de um Comitê Interno de Governança e revisão do
planejamento estratégico institucional. “A revisão está em curso e envolve a
correção de fragilidades identificadas em alguns dos indicadores, bem como a
realização de melhorias metodológicas para aprimorar o monitoramento dos
resultados das políticas públicas e dos programas geridos por esta Pasta”,
relatou o Ministério.
Para Manuela
Salamanca Farias, representante brasileira nas Organização Latino-Americana e
do Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores (OLACEFS) há problemas
substanciais na forma como todos os representantes do Executivo brasileiro
reportam seus dados. “A Lei de
Responsabilidade Fiscal foi um grande avanço, mas a falta de
capacidade técnica de muitos gestores é notória”, disse, levando o problema
também para dentro dos estados e municípios. Na avaliação da especialista, os
problemas são ainda maiores diante do tamanho do Brasil, e quando há medidas
como essas emendas sem lastro, as chances de achar de perder o controle do
recurso é gigante. “O governo pensa em diminuir a abrangência das pesquisas do
IBGE. Isso acabaria com qualquer chance de mapear para onde foram os recursos
parlamentares.”
Essa junção de
mais dinheiro por emendas, via ministérios frouxos e pouco afeitos a controles
básicos, como o de uma auditoria externa, produziram o novo fenômeno de
destinação do dinheiro público. Brasília se superou. Na física quântica, os
cientistas afirmam que a abertura do buraco negro acontece quando há uma
concentração tão grande de massa em um espaço tão compacto que, de tão denso, é
capaz de modificar o tempo e o espaço. Foi o que o Brasil conseguiu.
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