Para analista
político, em relação à questão fiscal o ministro Paulo Guedes deve atuar agora
mais como um defensor que como um centroavante
Com a pandemia da covid-19 marcando o calendário
político desde o ano passado, as reformas estruturantes aguardadas pelo mercado
financeiro - como a administrativa e a tributária -, devem ficar para 2023. Ou
seja, após as próximas eleições. 'Se vier alguma coisa, é lucro. Em relação ao
fiscal, Paulo Guedes (ministro da Economia) atuará mais na defesa do que de
centroavante. Será segurar para não se ter um descontrole fiscal, que penaliza
todo mundo em forma de juros e inflação', diz o chefe de Estratégia Macro e
Política da XP, Richard Back.
Segundo ele, o Congresso hoje não tem o 'espírito reformista', principalmente
diante do cenário de reeleição próxima, covid e empobrecimento da população.
Para Back, houve descoordenação na gestão da pandemia, o que, em sua opinião,
explica o ritmo lento na imunização da população. Veja, abaixo, os principais
trechos da entrevista.
O que representa essa movimentação do
setor privado em torno do processo de vacinação?
O ritmo de vacinação no Brasil está ainda incerto. O SUS tem capacidade de
vacinação e essa movimentação do setor privado é no sentido de acelerar a
compra da vacina. Primeiro, para acabar com a tragédia humana e, depois, para
colocar o País no trilho de novo.
Como o sr. avalia a gestão do governo na
pandemia?
Algum nível de gestão tem. O governo comprou recentemente a vacina da Pfizer,
da Janssen... Acho que o que falta não é gestão, mas uma coordenação maior, uma
coordenação nacional.
O governo Bolsonaro está mais
enfraquecido por conta da pandemia?
No meio político, se o presidente não tivesse feito o pronunciamento que fez
(na semana passada em rede nacional defendendo a vacinação), poderia ser o
início de uma crise política. O pronunciamento foi uma demanda do legislativo.
A política pediu para distensionar o ambiente do meio político e conseguiu, com
isso, salvar a relação. Foi um gesto necessário.
Como o sr. prevê a situação econômica
nos próximos meses?
Com esse número de mortes, a população precisa se cuidar para achatar essa
curva, e as pessoas precisam parar de se colocar em risco. Os setores
econômicos estão indo para Brasília pedir auxílio e está havendo uma esforço
para a reedição do BEm ( Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da
Renda ), o auxílio emergencial está aprovado. Há setores da economia que
dependem do trabalhador no local e não tem muito por onde ir.
E as reformas, como ficam nesse cenário?
Não tem ambiente para reformas. Há um imaginário de que há várias reformas no
Congresso, mas não há. Tem a reforma administrativa e a Câmara agora parou para
cuidar de questões relacionadas à pandemia. A agenda micro segue andando, como
o tema de ferrovias e a capitalização da Eletrobrás. Ainda está desorganizado,
mas a Eletrobrás tem um prazo, se não andar é porque o Congresso não quer
capitalizar. Mas não existe uma fila, uma ordem, o que é algo que a gente sente
falta, e com isso se perde tempo. O Congresso de agora não está com espírito
reformista. O cenário agora tem reeleição, coronavírus, empobrecimento das
pessoas, inflação dando sinais perigosos. Esse assunto está mais para 2023 do
que para 2021.
Se não haverá reformas, qual deve ser o
ponto de atenção do mercado?
Se vier alguma coisa, é lucro. Em relação ao fiscal, Paulo Guedes (ministro da
Economia) vai atuar mais na defesa do que como um centroavante. Será trabalhar
para não se ter um descontrole fiscal que penaliza todo mundo em forma de juros
e inflação. A pandemia marcou o calendário do ano passado e está marcando o
deste ano também.
Como o sr. vê o efeito da crise criada
com a aprovação pelo Congresso de um Orçamento com emendas parlamentares
infladas e cortes de despesas obrigatórias?
Há algumas visões. A primeira é a contínua falta de articulação do governo.
Mostra esse descompasso que tem o governo, essa confusão interna. A base do
governo no Congresso aprovou o Orçamento com bastante voto, sem que o governo
tivesse se insurgido. Se insurgiu depois que entendeu a proposta. Está longe do
ideal a forma como o governo de movimenta politicamente. A segunda é a falência
do Orçamento público, o Orçamento estrangulado, uma situação fiscal muito
difícil. As reformas são uma demanda. É muito difícil que algum candidato ano
que vem não diga que vai fazer alguma reforma. Está demonstrado que tem
dinheiro para despesas obrigatórias e para conseguir fazer investimento você
começa a ter de ser criativo e a ir contra regras estabelecidas, como o teto de
gastos.
O Congresso começa a ter de inventar normas criativas, como essa que não deve
ficar de pé. A consequência prática é que o Orçamento vai continuar a ser
discutido, o TCU (Tribunal de Contas da União) deve se
envolver, vai ter uma grande discussão que não vai ser fácil, porque o governo
vai ter de mandar de novo projetos de lei para o Congresso para o Congresso
cortar as emendas dos próprios parlamentares. E isso, por definição, é muito
difícil. Em um governo mal articulado politicamente é mais difícil ainda, e a
gente prolonga o assunto Orçamento ao longo do tempo e causa uma instabilidade
na relação entre governo e Congresso. Está se perdendo tempo demais. A gente
sabe que o presidente Bolsonaro tem muito receio desse tipo de debate (sobre
pedalada fiscal) e quando o compraram com a Dilma.
Então, ele deve atuar, e vamos ver tempo sendo perdido, Congresso e governo se
estranhando eventualmente, de uma proposta que poderia ter sido evitada, se o
governo tivesse atuado no momento certo.
Fernanda
Guimarães, O Estado de S.Paulo
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