Ferrogrão acabará dependendo de recursos públicos para sua
viabilidade financeira.
No Brasil, temos um longo histórico de má alocação de recursos, particularmente
em obras de infraestrutura física e social. E não é incomum que os custos sejam
magnificados por execução mal planejada e falhas técnicas que levam a enormes
desperdícios. Em 2019, conforme reportado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), havia nada menos do que 14. 403 obras paralisadas, ou 37, 5%
de um total de 38412 obras financiadas pelo governo federal.
Não só: grandes projetos têm apresentado gastos em excesso e atrasos
consideráveis. Se tomarmos as três principais ferrovias greenfield executadas
ou financiadas pelo setor público nas últimas três décadas - Norte Sul,
Transnordestina e Fiol - houve um aumento real dos custos de 48, 7% e (até
2019) de 218% nos prazos. No caso da Transnordestina - um projeto iniciado em
2006 - a expectativa é que somente seja entregue em 2027, um atraso superior a
15 anos.
O país está na antevéspera de insistir no erro com a Ferrogrão, uma ferrovia de 976 km de extensão,
entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), com prazo de concessão de 69 anos. No
momento, o projeto - abraçado pelo governo - está em análise no TCU. Há dois problemas inescapáveis
com a Ferrogrão: os números submetidos ao TCU não devem se verificar; e o projeto tem um impacto muito
adverso no âmbito sócio-ambiental, particularmente em termos de potencial de
desmatamento. Aqui nos detemos na sustentabilidade financeira do projeto e suas
implicações para o usuário e o Tesouro.
O projeto enviado ao TCU em
julho de 2020, tem por principais premissas um Capex de R$ 8, 4 bilhões,
execução em 9 anos (incluindo o período de obtenção da Licença de Instalação) e
uma tarifa de R$ 107, 55/tonelada transportada; e daí uma taxa interna de
retorno (TIR) de 11, 04%. Infelizmente esses números parecem estar distantes da
realidade, partindo do fato de que não há nem mesmo um projeto básico bem
alicerçado, e menos ainda um projeto executivo. E estamos discutindo uma ferrovia no bioma amazônico!
Num cenário realista, o Capex seria de R$ 27 bilhões, considerando R$ 23
milhões/km (ver quadro) e uma margem de risco de 20%, bastante módica dada a
experiência em outros projetos no país e o registro internacional (Flyvgbjerg
encontra sobre custos de 45%!). É possível assim que mesmo que esse Capex
esteja subestimado e os resultados do projeto Ferrogrão sejam ainda piores.
Outra variável de maior relevância para o cálculo da TIR é o tempo de execução.
Miramos um projeto cuidadosamente planejado pelo setor privado no Centro-Oeste
do país (no caso a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, Fico), cuja execução
se dará ao ritmo de 64 km/ano. Mas a norma de grandes projetos ferroviários -
particularmente em terrenos pouco conhecidos e com múltiplos obstáculos
físicos, sociais e ambientais - são atrasos consideráveis. Assim, imputamos um
risco de atraso de 30%, chegando a 21, 9 anos para licenciamento e implantação
da ferrovia, e não 9 anos.
Finalmente, a premissa de tarifa parece ser também irrealista, a menos que a
ANTT trave o valor de R$ 107, 55 que foi submetido para o TCU. Levou-se, portanto, em
consideração duas tarifas: o valor anunciado e a alternativa de uma tarifa
limite de R$ 148, suficiente para capturar clientes da BR-163, que corre
paralela ao traçado da Ferrogrão, e levando em consideração o custo de
transbordo rodo-ferroviário. É claro, que uma vez a BR-163 venha a ser
concedida para o setor privado e melhorada a qualidade de serviços, da mesma
forma como a futura Fico, essa tarifa deverá ficar ainda mais pressionada.
O resultado desse exercício de- - veria - em nome do interesse público - ser
debatido com toda a transparência, para evitar que mais uma vez o país cometa
um erro de primeira grandeza em projetos de infraestrutura, e que venha a
onerar as contas públicas e a sociedade. Se o governo garantir a taxa de
retorno real de 11, 04% - para assegurar a atratividade da concessão - o
Tesouro teria de contribuir entre R$ 19, 04 bilhões e R$ 18, 06 bilhões a valor
presente, dependendo da tarifa cobrada (ou R$ 24, 51 bilhões e R$ 23, 25
bilhões em valores nominais). Inversamente, se o governo definir - como tem sido
apregoado - ser esse um projeto integralmente privado, a taxa de retorno varia
de 1, 88 % a 3, 36 %, dependendo da premissa tarifária. O projeto não se
sustenta.
O mau dimensionamento dos parâmetros submetidos ao TCU - e o risco de se levar adiante o projeto com informação
falha - implica que a Ferrogrão repete os velhos erros: parece subestimar
custos e prazos de execução, sobrestimar taxas de retorno e irá - com toda a
probabilidade - depender de recursos
públicos para sua viabilidade financeira. O custo para o Tesouro
pode chegar a R$ 19 bilhões; já o custo de oportunidade para a sociedade é
igualmente elevado. Afinal, esses recursos poderiam ser usados - caso fossem
realocados na infraestrutura logística do país - em projetos com taxas sociais
de retorno positivas e elevadas, diferentemente da Ferrogrão.
Há um grande número de projetos de infraestrutura logística viáveis e que
melhoram materialmente as condições de transporte do agronegócio no
Centro-Oeste. A Ferrogrão não parece ser um deles.
"Ferrogrão parece subestimar custos e prazos de execução e superestimar as
taxas de retorno"
1. Ver B. Flyvbjerg et al, 'How common and how large are
cost overruns in transportinfrastructure projects?'', Transport Reviews 23(1):
71-88, Janeiro 2003.
Por Cláudio
R. Frischtak, no Valor Econômico
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