O ano de 2021 deve ser de definições para a geração distribuída no
Brasil, com expectativa da revisão das regras aplicadas à modalidade por parte
da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O termo é usado para designar
a energia produzida pelo próprio consumidor, geralmente a partir de fontes
renováveis, como a energia solar.
Mudanças
eram esperadas para dezembro de 2019, baseadas no entendimento de que já seria
viável promover a retirada de subsídios concedidos ao segmento desde 2012. No
entanto, a ideia passou a enfrentar resistência no campo político, inclusive
por parte do presidente Jair Bolsonaro, que apelidou o fim do subsídio de
"taxação do sol".
Ainda
em 2020, Bolsonaro se posicionou contrariamente à cobrança de impostos ou
encargos e chegou a interferir na Aneel para conter um regramento do tipo - que
é previsto desde 2015, após avaliações técnicas sobre o crescimento da geração
distribuída no país.
O
que se esperava da agência reguladora para 2019 era a inserção de custos que
atualmente não são cobrados dos consumidores que investiram em painéis
fotovoltaicos - a energia solar representa cerca de 98% da geração distribuída
no país, com mais de 500 mil unidades instaladas.
O que está por trás do subsídio à energia solar
Hoje
a geração distribuída tem direito a um mecanismo de compensação. Nele, qualquer
excedente de energia é mandado para a rede de distribuição, para uso geral.
Essa oferta resulta em créditos para o consumo nos momentos em que aquela
unidade não pode gerar sua própria energia - em dias chuvosos ou à noite, por
exemplo. Para compensar a energia mandada para a rede, esse consumidor não paga
pela energia que recebe, mas a conta não é de soma zero.
Outros
itens que compõem a conta de luz tampouco são cobrados nesse formato, apesar de
serem utilizados. A isenção abarca custos com o transporte da energia, toda a
estrutura de distribuição, taxas e afins. Esses custos são cobertos pela Conta
de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo setorial que custeia as políticas
públicas do setor elétrico brasileiro e é composto por recursos arrecadados
pelos agentes que comercializam energia elétrica com o consumidor final.
Essa
diferenciação tarifária foi alvo de questionamento por parte do Tribunal de
Contas da União (TCU), que, em dezembro, cobrou da Aneel a definição de um
plano de ação para a sua retirada com base no entendimento de que ela
representa subsídio cruzado.
Conforme
dados da própria agência, só no ano de 2019 os custos que deixaram de ser pagos
pelos produtores de energia solar - e foram cobrados dos demais consumidores -
chegaram a R$ 315 milhões. Se as regras não mudarem, o subsídio cruzado somará
R$ 55 bilhões entre 2020 e 2035, pelos cálculos da Aneel.
Ainda
na expectativa por um posicionamento da reguladora, o tema deve ter como palco
também o Congresso. O projeto de lei 5.829/2019, que cria um marco regulatório
para mini e microgeração distribuída, tramita em regime de urgência no plenário
da Câmara.
Marco regulatório da geração distribuída
A
proposta do deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) recebeu substitutivo geral
relatado pelo deputado federal Layaette Andrada (Republicanos-MG), que
classificou a criação do regramento como urgente para garantir segurança
jurídica, clareza e previsibilidade ao setor. A promessa é ainda de promover a
democratização do uso da energia solar no país e corrigir a não remuneração das
distribuidoras e concessionárias pelo "uso do fio".
O
texto estabelece a progressão da cobrança tarifária começando em 10% e atingindo
100% da taxa de distribuição em dez anos para a geração local - aquela em que a
energia é produzida onde é consumida, como no caso das residências - e geração
remota compartilhada residencial.
A
geração remota compartilhada comercial iniciaria pagando 50% da taxa e
avançaria para a cobrança integral no mesmo prazo. Para geração remota de alto
consumo não haveria qualquer período de transição, com fim imediato da isenção
e pagamento integral pelo uso da rede de energia.
"Transferência de renda perversa"
Com
a discussão se avizinhando no Legislativo, setores organizados se mobilizam
criticamente ao subsídio à energia solar. Em carta assinada por entidades como
o Instituto de Defesa do Consumidores (Idec) e associações nacionais de
consumidores e distribuidores de energia elétrica, a avaliação é de que
"manter os subsídios gera uma transferência de renda perversa, na qual os
mais pobres subsidiam investimentos lucrativos dos mais ricos".
O
diretor institucional da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia
Elétrica (Abradee), Ricardo Brandão, afirma que a dinâmica atual é
"socialmente injusta" e desnecessária, tendo-se em conta o
barateamento da tecnologia. "Se lá em 2012, quando foi criado o mecanismo,
a Aneel avaliou que era preciso fazer esse incentivo para a instalação dos
painéis solares, desde então o custo foi reduzido em 75%. Então, a gente
entende que esse subsídio já não é mais necessário. E ele é muito custoso, é
muito caro para os demais consumidores", conclui.
Para
a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores
Livres (Abrace), a não tarifação para a geração distribuída onera os demais
consumidores, com prejuízo especial para a indústria, responsável pelo consumo
de 35% da energia do país.
"A
CDE é cobrada sobre o volume de energia consumida. Então, uma fábrica que
consome muita energia vai pagar proporcionalmente. [Quer dizer que] toda hora
que você joga uma política, um subsídio na CDE, mais de 1/3 será cobrado da
indústria", diz Filipe Soares, diretor técnico da associação. Essa lógica,
segundo ele, aumenta o custo dos produtos industriais e reduz competitividade.
As
entidades que criticam o subsídio oferecido hoje à geração distribuída não
necessariamente cobram o fim da política. Segundo o diretor da Abradee, Ricardo
Brandão, caso o Congresso entenda que ele é legítimo e deve ser mantido, o
caminho esperado é por uma nova forma de custeio. O ideal, segundo ele, seria a
indicação de uma nova fonte dentro do Orçamento da União, não mais saindo da tarifa.
Setor de energia solar defende cobrança escalonada
Do
outro lado do debate, a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica
(Absolar) defende uma tarifação escalonada, à qual o segmento possa se adaptar,
e que seja cobrada apenas a partir de uma penetração mais expressiva do que a
atual.
"Existe
um determinado valor que é justo que a geração distribuída pague pelo custo da
rede, e existe um determinado momento a partir do qual é justa essa
cobrança", afirma Guilherme Susteras, coordenador do grupo de trabalho de
geração distribuída da Absolar.
Com
base em estudos próprios, a Absolar entende que a partir de 10% de participação
da geração distribuída na matriz elétrica do país seria justo um pagamento da
ordem de 13% da tarifa pelo uso da rede. Atualmente essa participação não chega
a 1%.
Até
lá, o entendimento é de que a cobrança pelo uso da rede não faria sentido, uma
vez que a ligação dos geradores solares representa vantagens para o conjunto
dos consumidores, com alívio para a operação por meio de economia da água dos
reservatórios de hidrelétricas, menos uso das termelétricas entre outros
impactos.
"O
pico de consumo de energia hoje é às 14h que, coincidentemente, é o pico de
geração solar. Ela faz com que a conta dos demais consumidores diminua. Isso
antes de falar dos benefícios de impostos, de geração de emprego",
completa Susteras.
O
representante da Absolar rebate os argumentos de que o subsídio faria pobres
pagarem a conta dos mais ricos. "Mais do que crescendo, o setor vem se
democratizando, se popularizando", afirma. Para ele, a afirmação de que
geração solar é coisa de gente rica "é um dos grandes mitos que o lado de
lá do debate usa".
"É
a mesma coisa que você voltar no tempo, dez anos atrás, e dizer que celular era
coisa de gente rica. Quando uma tecnologia nova entra, os primeiros a usar são
as pessoas de mais alta renda, mas ela rapidamente se popularizou", diz
Susteras. "A gente tem visto cada vez mais pessoas, pequenos negócios
participando desse mercado e, de novo, trazendo benefícios para todos. Para
quem tem energia solar e para quem não tem, diminuindo custo, diminuindo perdas,
postergando investimentos", elenca.
Por Cristina Seciuk, na Gazeta
do Povo
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