Baixa reputação da qualidade do gasto incentiva a sonegação, amplia insegurança.
É recorrente a defesa da desvinculação orçamentária e da busca de
espaços fiscais no orçamento, alegando-se a reduzida margem de
discricionariedade do Executivo na execução das despesas, bem como a baixa
capacidade de investimento do Estado. De fato, no projeto de lei orçamentária anual para
2021, o governo só delibera livremente sobre R$ 120 bilhões, menos de 7% das
despesas primárias, de R$ 1,8 trilhão. Os recursos para investimentos, por sua
vez, são de apenas R$ 26 bilhões.
A despeito dessas restrições, o desperdício na execução das despesas é
significativo. Levantamento da Controladoria
Geral da União (CGU)
contabilizou 10.916 obras paralisadas, em 2019, equivalentes a R$ 165,8
bilhões. Já no exercício de 2020, o Tribunal de Contas da União (TCU) detectou pagamentos indevidos do auxílio emergencial de R$ 55
bilhões. De acordo com estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o
desperdício de recursos públicos no
Brasil foi de 4% do PIB, ou US$ 68 bilhões, em 2019.
Culturalmente, a qualidade do gasto não está no cardápio da maioria dos
macroeconomistas brasileiros, sobretudo porque envolve discussões sobre
avaliação e monitoramento de políticas públicas, evidências em gestão de
políticas, contabilidade de custos, além de processos e classificações orçamentárias da despesa.
Jocosamente, alguns dizem que são matérias de “orçamenteiros”. Isso deveria ser
superado porque, segundo farta literatura econômica, resta evidenciada a
relação entre o gasto público agregado e o crescimento econômico. O que se
espera agora são avanços que permitam estimativas de impacto das despesas, em
nível desagregado, no crescimento e bem-estar, ou seja, uma espécie de
avaliação de custo-benefício de cada política pública espelhada no orçamento.
Há outro óbice à institucionalização da qualidade do gasto público. Como o
orçamento é uma arena de disputa política por recursos entre entes federados,
partidos, instituições públicas e privadas, categorias profissionais, essa
avaliação de qualidade, ao expor formalmente ineficiências alocativas,
fundamenta a contestação de acordos e estruturas políticas que são financiadas
pelos dispêndios estatais.
É certo, porém, que os mercados sabem desses arranjos orçamentários que geram
desperdícios e gasto público de baixa qualidade. Em decorrência, setores mais
dinâmicos, em parceria com o sistema financeiro e a burocracia fiscal, acabam
convergindo, por cautela, na produção de normas jurídicas para conter a
expansão das despesas. A inserção, em nível constitucional, de teto para o
crescimento das despesas primárias, além do cipoal normativo constante, por
exemplo, das leis de
diretrizes orçamentárias,
fazem parte desses movimentos de blindagem fiscal do gasto.
Aliás, é bom que se diga que o teto constitucional das despesas primárias é
inteiramente compatível com a avaliação da qualidade do gasto público, porque
essas restrições fiscais operam como incentivo à redefinição de prioridades na
aplicação dos recursos, a justificar ainda mais a avaliação da qualidade das
despesas orçamentárias que
suportam as diversas políticas públicas.
Observe-se ainda que, dada a baixa reputação da qualidade do gasto, que se
reflete na deficiente prestação de serviços públicos, há incentivos à
sonegação, a exigir do fisco intensa produção normativa infralegal, ampliando a
insegurança jurídica e majorando os custos de transação para cidadãos e
empresas, com efeitos negativos na produtividade da economia.
Em 2016, o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, criou o Comitê de
Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP), transformado em
Conselho pelo decreto no 9.834/2019, com atribuições consultivas. Mas foi no
Congresso que o novo CMAP ampliou sua institucionalidade, com a aprovação da
Lei no 13.971/2019 (Lei do Plano
Plurianual 2020-2023), que determina a obrigatória avaliação
de programas governamentais e
o envio das respectivas informações ao Legislativo.
Note-se que os trabalhos de qualidade fiscal também ganham impulso com a
aprovação da PEC emergencial, que determina literalmente a revisão e redução
dos subsídios da União, que, no plano das renúncias de tributos, somam R$ 308
bilhões em 2021.
Assim, no intuito de avançar, sugerimos que, com base nas avaliações do CMAP,
o TCU informe ao Congresso
as políticas públicas com indícios de ineficiências graves, a exemplo do que já
ocorre com o anexo ao projeto de lei orçamentária anual,
elaborado pelo Tribunal, que expõe as obras com indícios de irregularidades graves. Com isso,
além de facilitar medidas corretivas, evita-se a elaboração de emendas
parlamentares destinando recursos para ações governamentais ineficientes.
Recomenda-se, ainda, a célere deliberação, pela Câmara dos Deputados, do
Projeto de Lei Complementar no 295/2016, a chamada Lei de Qualidade Fiscal, já
aprovada pelo Senado. Essa matéria, além de modernizar a caduca legislação de
planejamento e orçamento, formaliza explicitamente sistemas de avaliação do
gasto e de apuração de custos das políticas governamentais.
Essas medidas deveriam ser aprovadas prévia ou simultaneamente às reformas
tributária e administrativa, como forma de dar-lhes maior credibilidade e
evitar a mitigação de parte dos seus efeitos positivos, cuja precificação pelos
agentes pode criar resistências à sua tramitação.
A avaliação da qualidade do gasto público não é a “invenção da roda”. Em
recente artigo , André Lara Resende1 cita trabalho pioneiro do economista Aba Lerner2 , de 1943, para
quem “A preocupação dos formuladores de políticas não deve estar no financiamento
das despesas públicas, mas sim na qualidade destas despesas”. Enfatizamos a
parte final da assertiva, na linha de que gastos e tributação ruins, de fato,
deterioram ainda mais as expectativas da economia, o que não é desprezível para
o cenário eleitoral de 2022.
1. Resende, Lara, “Consenso e Contrassenso: déficit,
dívida e previdência”, Instituto de Estudos de Política Econômica, 2019.
2. Lerner, A. (1943)
“Functional Finance and the Federal Debt”, Social Research, vol.10 no.1
"Gastos e tributação ruins, de fato, deterioram ainda mais as expectativas
da economia"
Por Helder Rebouças, no Valor Econômico
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